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Dori Caymmi lança CD com Paulo César Pinheiro

Rio de Janeiro - Parceiros desde 1969, amigos em sintonia por toda a vida, Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro vivem em outro tempo. Um tempo menos veloz, com menos tecnologia, mais ternura e absolutamente nenhum apego a modismos. Não leem e-mails nem gostam de celular; preferem telefone fixo e, preferencialmente, longos papos um diante do outro.

Quando Dori está em Los Angeles, onde mora e trabalha desde 1993, eles usam os endereços eletrônicos das respectivas mulheres, Helena e Luciana, para compor. Mas não é nada simples: a melodia criada por Dori ao violão é gravada e enviada por MP3 por Helena. Luciana recebe, passa para uma fita cassete, e, a partir daí, o marido escreve a letra (ele se recusa a abandonar as fitas, por considerar que os gravadores analógicos são mais fáceis de acelerar e regredir do que os digitais).

As treze faixas de Setenta Anos, CD que Dori está lançando pela Acari Records (de Luciana), nasceram de processo diferente: primeiro vieram as poesias. "A morte dos velhos me afetou muito lá dentro, e passei por uma fase de 'desinspiração'", conta o compositor, referindo à perda do pai, Dorival Caymmi, e da mãe, Stella, num período de onze dias, no ano de 2008.

"Paulinho disse que estou me profissionalizando em musicar letras. É muito difícil criar nesse mundo superpovoado, barulhento. Nós viemos de outro Rio de Janeiro, gosta das mesmas coisas, da literatura de Jorge Amado, Guimarães Rosa... Vivemos num Brasil utópico, que existe no mundo das ideias e no passado."

As referências desse Brasil mais do interior do que do litoral - embora as águas do mar banhem todo o repertório - dominam CD, em que a voz e violão poderosos de Dori se ouvem sem interferências desnecessárias. No universo deles, o vento e a fonte têm voz, o passarinho é vadio. A morena "fala como quem canta, anda com quem dança", o sal do pranto trava o doce da água do rio, a espuma do mar escreve com tinta na areia da praia.

"A gente não está à parte do que está acontecendo; a gente vê e não concorda", explica Paulo. "Sou meio ‘tecnofóbico’, prefiro conversar com as pessoas olhando no olho. Acho muito estranho sentar numa mesa de bar com pessoas que ficam olhando só para o celular. Não quero viver dessa forma."

A convergência é tamanha que as composições parecem ser de um só criador. Foi assim também nos dois CDs anteriores de Dori em parceria com Paulo, os igualmente densos Poesia Musicada (2011) e Mundo de Dentro (2010). Quando um sinaliza o caminho que quer trilhar, o outro entende rapidamente, e já compõe seguindo aquela intenção. Daí vem a unidade temática de Setenta Anos: o Brasil profundo de beira de rio, beira de estrada e beira de mar, quase idílico, livre da claustrofobia da urbe.

A dupla está mais prolífica hoje do que quando era jovenzinha - são cerca de cem composições juntos, sendo que nos últimos anos eles criaram mais do que nas quatro décadas anteriores. Dori volta para Los Angeles em maio e já carregará quinze letras consigo.

Contramão

Certa vez, Dori fez piada, num show seu com Paulo: "Uma moça perguntou: 'vocês vão tocar os sucessos?' Eu respondi: 'mas a gente não tem nenhum!'" Ainda que considerado um dos grandes violonistas e arranjadores do País, ele sabe que está na contramão da sanha da música fácil. Mas não vê outro jeito de criar.

"Tenho uma responsabilidade muito grande, por meu pai, por Tom Jobim, Ary Barroso. Jamais atiraria em outras direções, não dá para se afastar dessa raiz.

Meu pai não tinha ambição, e foi isso que ele me ensinou", relata, em consonância com a simplicidade da sala de estar de Caymmi, adornada por uns poucos quadros e com a coleção de bengalas do compositor junto à pequena varanda.

Não há amargura em seu discurso: "Do jeito que as coisas estão, não era nem para eu ser ouvido. Sou muito grato pelas pessoas que vão aos meus shows nos Sescs em São Paulo, por eu ter sobrevivido com minha música esse tempo todo. Tem muito jovem por aí que quer descobrir os segredos das minhas harmonias".

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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