Entretenimento e Cultura

Lília Cabral, talento em todas as mídias

Rio de Janeiro - Protegida por um muro alto, a casa cercada de verde fica numa rua discreta do Jardim Botânico. Saindo à esquerda, você caminha um pouco, faz uma curva e já dá de cara com o prédio da Globo. A própria Lília Cabral abre a porta. É precedida por latidos. É uma coisinha felpuda. "É ele" ", ela corrige. "Está defendendo sua sexualidade" ", o repórter observa. Nem se pode dizer que isso quebra o gelo, porque Lília, ao abrir as portas de sua casa, já o recebe de forma acolhedora. Nas últimas décadas, não anos, tem estado no imaginário do espectador brasileiro. Faz tudo - cinema, teatro, TV. A entrevista foi feita na quinta-feira, por volta do meio-dia, e na sexta ela já estava no avião, rumo a Fortaleza, onde encerrou ontem a vitoriosa itinerância de Maria do Caritó, a peça de Newton Moreno. Encerrou? "Tenho a impressão de que é uma peça que vou fazer até os 80 anos." " Na próxima quinta, estreia o novo filme, Julio Sumiu, de Roberto Berliner, que ela amou fazer. E, depois da Copa, estará na nova novela de Aguinaldo Silva, Falso Brilhante. Com a palavra, Lília Cabral.

Senhora de todas as mídias, mas há aí alguma atração especial pelo cinema?

LÍLIA CABRAL - Ah, sim, tudo começou pelo cinema. Quando era garota e via filmes como Mary Poppins e A Noviça Rebelde, sonhava em ser estrela. Queria ser como ela (Julie Andrews). Depois, descobri o teatro, a televisão, e descobri outra coisa. O teatro melhorava a minha televisão e a TV, inversamente, também fortalecia meu teatro. Surgiram os convites para fazer cinema, e para alguns eu gostaria de ter dito sim, mas já estava comprometida com uma coisa ou outra. Mas comecei a fazer o meu cinema, e graças a Deus houve o sucesso de O Divã (de José Alvarenga).

Se eu fosse desmembrar Júlio Sumiu, diria que tudo é ótimo. O elenco todo, há uma riqueza muito grande de observações sobre a família, sobre a polícia e o morro. Só não consegui rir. Talvez em um ou outro momento. O que você me diz?

LÍLIA CABRAL - Que a gente sabia que não era uma comédia cacacá, daquelas de cacarejar de tanto rir. Quando o Roberto (Berliner) me deu o roteiro, o que me seduziu, de cara, é que se trata de um filme com história, com personagens. Minha filha, a Júlia, foi ver S.O.S. Mulheres ao Mar e me disse que quase morreu de rir. (O repórter confessa que viu a comédia de Chris D'Amato com o público e também riu muito.) Não é que a nossa não seja divertida, mas é outra coisa. Roberto fez um estudo de personagem e o enriqueceu com suas observações sociais. Júlio Sumiu tem cara de Brasil, de Rio de Janeiro. Foi um trabalho que me deixou muito feliz. Conseguimos trabalhar bem as personagens, o clima no set era ótimo. Sugiro que você veja de novo com público. Já vi com diversas plateias, umas riem mais, outras menos, mas no final todo mundo sai feliz.

Não dá para negar é que sua personagem se transforma. Como trabalhou isso?

LÍLIA CABRAL É o melhor de tudo. No início levo aquela vidinha sem graça e, de repente, porque meu filho sumiu e eu penso que foi sequestrado pelo traficante, estou no meio da disputa entre polícia e o tráfico. Viro traficante também. Essa curva estava bem desenhada no roteiro. No final, tudo vai voltar ao que era. O marido, que nunca soube de nada. Um filho vai continuar 'tomando' maconha, o outro vai sumir de novo, mas eu mudei. Até emagreço na trama, me cuido mais. É muito legal.

Você aprende com suas personagens? Com a Maria Caritó, que faz há tanto tempo...

O bom de ser ator é que, ao dar vida ao outro, você muitas vezes descobre coisas que nem sabia de que era capaz, ou que carregava consigo. Maria Caritó, eu tenho a impressão de que vou poder fazer até os 80 anos. A gente encerra a turnê no domingo, em Fortaleza, e interrompe por um tempo, mas tenho certeza de que a gente volta. Ainda devo ao Rio uma temporada popular da peça, e existem muitas cidades do Brasil que também querem ver a Maria. O bom é que nosso elenco se dispersa, cada um vai fazer suas coisas, e quando a gente se reúne é uma alegria. Se fosse para fazer sempre, continuamente, a gente enjoava uns dos outros, mas assim não. A Maria me ensina sobre a vida, a fé, o sexo. Até sobre meu ofício. No palco, ao contrário do cinema, a gente muitas vezes esgarça o humor, força o cacacá. Quando levamos a Maria ao Recife, deu para sentir que a plateia estava em sintonia com o tema, que não ia ser preciso esgarçar nada. Na primeira cena, a gente já sussurrava uns para os outros. 'Menos, menos.'

Você estará na próxima novela do Aguinaldo Silva, que estreia depois da Copa. Como será o reencontro com o autor de Fina Estampa?

LÍLIA CABRAL - Vai ser muito feliz, espero. Novela é uma obra aberta, a gente nunca sabe como vai se desenrolar, mas o ponto de partida de Falso Brilhante é ótimo. Faço uma aristocrata arruinada que se casa com um pé rapado que vira o rei das joias. Na trama, temos três filhos, um que é o meu favorito, a garota que é a favorita dele, e o caçula que sofre por não ser o favorito de ninguém.

Falei com Maria Ribeiro e ela me disse que pela primeira vez forma par com o marido, Caio Blat, numa novela e que vocês duas o disputam. É isso?

LÍLIA CABRAL - A novela tem isso - a mãe dominadora, que quer controlar o filho e se opõe à nora. Mas o que vai fazer a força de Falso Brilhante é que a novela não se pauta por sentimentos como amor e ódio, e o desejo de vingança. Pode até ter tudo isso, mas é muito pequenininho e o grande tema é o poder e o dinheiro. Tudo o que as pessoas vão fazer será pelo poder, e isso vai confrontar o público das 9h com uma coisa muito real. A gente não vive falando dos políticos, da corrupção? Existe uma corrupção dos pequenos gestos que ninguém quer encarar. Pois vão ter de (encarar).

Você deve a Aguinaldo Silva uma das personagens emblemáticas de sua carreira, a Griselda, o Pereirão de Fina Estampa. Como é sua relação com o autor?

LÍLIA CABRAL - Aguinaldo ama os atores e escreve para a gente. Não é só a protagonista, o protagonista. Ele cria grandes papéis para todo mundo. A Amorzinho de Tieta poderia ser uma extensão sem graça da Perpétua (Joana Fomm), mas já era uma personagem que adorei fazer. Aguinaldo é daqueles autores que, independentemente de atuar na novela dele, eu gosto de ver.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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