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Filme 'Os amigos', de Lina Chamie, aposta na delicadeza

Redação Folha Vitória

São Paulo - Lina Chamie gosta de dizer que a amizade sustenta o amor. Ela chega a fazer com que Dira Paes repita a frase em Os Amigos, seu longa que estreia nesta quinta-feira, 27, 15 meses após integrar a competição no Festival de Gramado do ano passado. É um filme - claro - sobre amizade e Lina ironiza. Diz que, embora não seja tão midiatizada nem glamourizada quanto o amor - esse senhor supervalorizado -, a senhorinha amizade termina fornecendo ligações mais duradouras. Os Amigos é sobre Theo, que amanhece com um fardo. Deve ir ao enterro do amigo.

Um dia na vida de um homem... Qualquer? Com esse nome, Deus? Theo tem um amigo, Ulisses. Dá de presente um boneco que se chama Hércules. Todos nomes gregos, associados à mitologia. Ecos de Homero e James Joyce. O (eterno) retorno para casa é uma viagem interior. A odisseia de um dia. Qual é a expectativa de Lina? "Sinto que me exponho a um massacre, mas, para mim, esse filme sobre a amizade é também sobre a delicadeza. Feito com doçura. Não sei se são coisas em alta, mas foi o que senti necessidade de abordar. De (me) expor."

E ela conta - "Perdi muitos entes queridos. Meu pai (o poeta Mário Chamie), o ator Rodrigo Santiago (que morreu durante as filmagem de 'Tônica Dominante'). Descobri que carregamos nossos mortos. Um amor termina, as pessoas perdem-se no mundo. Os mortos permanecem com a gente. A dor de alguma forma vai serenando." Lina diz essas coisas numa conversa com o repórter no bistrô da Reserva Cultural. É de tarde, o público não é tão numeroso nessa hora. Marco Ricca dá entrevista na mesa ao lado e Dira Paes senta-se mais adiante. Ela acaba de chegar do Rio, quer dizer, acaba de chegar do aeroporto, depois de outro tipo de odisseia - o aeroporto de lá estava fechado, criou-se o caos nos dois aeroportos, de lá e daqui.

É curioso, mas Os Amigos é um pouco sobre isso. Theo, que vai enterrar o amigo, é assolado por lembranças da infância de ambos. E ele vive os dois espaços, essa coisa de ser adulto e de se sentir criança desamparada, dentro dele. "Ulisses vira o paradigma do herói, porque ele tem de partir sozinho para o reino dos mortos. Para mim, a força do filme está no menino, que pega a mão de Theo e o leva numa jornada de autodescoberta e reconhecimento. Estou falando de perda, mas não de forma pessimista ou desesperançada. Theo realiza seu movimento de superação. Todo dia tem entardecer e aurora, mas às vezes a aurora parece mais luminosa. É o que gostaria que ocorresse aqui."

Poética, musical - são adjetivos com frequência colados a Lina Chamie. Ela tenta fugir dos rótulos, porque, no fundo, acha que eles atrapalham. Criam uma camisa de força. Não lhe permitem surpreender. "Você mesmo (ela fala para o repórter) já me disse que não conseguiu se envolver com essas pessoas, mas conseguiu viajar em São Silvestre, que estreou antes, e que talvez seja muito mais enigmático e cifrado. A corrida de São Silvestre como viagem interior. A São Paulo que vivenciamos, todos que aqui estamos (e a amamos)."

O cinema de Lina Chamie propõe viagens internas. "A história de Os Amigos é de viagem, mas não cheia de obstáculos. O obstáculo é seguir em frente. Foi um filme gostoso de fazer. Os amigos estavam ali - o Marco (Ricca), a Dira (Paes). Um filme cheio de crianças. Elas dão trabalho, mas energizaram o set. E o mais bacana é isso. Theo está perdido. São as crianças que o conduzem, e conduzem o filme."

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