Livre Pensar com Ana Paula Vescovi: Recursos Naturais, petróleo e desenvolvimento

O Brasil se destaca na arena global por suas imensas dotações de recursos naturais. Além do clima e das terras férteis para a produção de alimentos, conta ainda com abundância de recursos minerais.

No caso do petróleo, em particular, o aumento dos preços internacionais, a adoção de um marco regulatório moderno, a abertura do mercado, e o desenvolvimento tecnológico da Petrobrás na busca da auto-suficiência promoveram o aumento da produção e das exportações. Não bastasse a expansão inédita suficiente para localizar o Brasil entre os 10 maiores produtores mundiais, houve a descoberta de reservas no pré-sal, capazes de suscitar a introdução de outro marco legal para regular a exploração em águas profundas. Todo esse processo tem sido tratado pelo governo e pelos brasileiros como uma nova e importante chance para o alcance de um estágio mais elevado de desenvolvimento.

Mas a observação empírica das trajetórias de desenvolvimento dos grandes produtores mundiais de petróleo evidencia que a abundância desse recurso não tem sido suficiente para assegurar elevados Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). São emblemáticos os casos de Angola (IDH-2010 0,403), Nigéria (IDH-2010 0,423), Iraque (IDH-1998 0,573), Venezuela (IDH-2010 0,696), como contraponto aos altos índices no Canadá (IDH-2010 0,888) e Noruega (IDH-2010 0,938, o maior do mundo). 

Sob o nome de “maldição dos recursos naturais” a literatura econômica aponta diferentes fatores de risco que percorrem o processo de desenvolvimento das nações com recursos naturais abundantes e, portanto, não dependentes do desenvolvimento tecnológico, da acumulação de capital físico e humano para gerar riquezas.

O objetivo deste artigo é apresentar uma síntese teórica desses fatores, cujo conhecimento constitui um primeiro e importante passo para que as sociedades possam se organizar e desenvolver instituições capazes de converter a riqueza petrolífera em desenvolvimento humano e  bem-estar. 

Antes de entrar na abordagem econômica existe um primeiro fator de natureza ética. Trata-se da exploração e do esgotamento dos recursos  minerais dentro de poucas gerações, o que retira das gerações futuras as mesmas chances de apropriação da riqueza.

No contexto econômico, o mais conhecido efeito trata da desindustrialização, e também é conhecido como “Doença Holandesa”. O início da exploração de um recurso natural rentável costuma atrair capital e trabalho de outros setores por meio do aumento de remuneração. Assim, ocorre a tendência de elevação do nível geral de salários, o que comprime a rentabilidade de setores industriais, cuja capacidade de repasse de custos maiores no competitivo mercado internacional é bastante restrita.

Adicionalmente, a apropriação das receitas de exportação do recurso natural se traduz em ampliação do poder de compra corrente do país, com elevação do nível geral de preços domésticos liderado pelos bens não comercializáveis (serviços). Como decorrência, também se traduz em apreciação da taxa de câmbio, a qual torna-se o primeiro sintoma da doença holandesa, pois traz enorme prejuízo para a competitividade das exportações dos setores industriais ou não-extrativistas, disseminando o risco de desindustrialização.

Por outro lado, o aumento do peso relativo dos recursos naturais nas exportações do país torna essas receitas mais influenciadas pelas fortes oscilações dos preços internacionais. A instabilidade contamina a trajetória da taxa de câmbio, aumenta a incerteza e prejudica os setores exportadores e os investidores, pois eleva o risco de suas operações.

No sistema financeiro, os efeitos sobre a taxa de câmbio são ainda mais expressivos. O crescimento das exportações e do saldo comercial fortalece a solvência externa do país, derruba o custo do endividamento externo e eleva a atratividade para investimentos em ativos financeiros domésticos. Os fluxos financeiros, dessa forma, intensificam o processo de apreciação cambial, aprofundando os efeitos deletérios sobre os setores  industriais.

Mas há ainda outros efeitos observáveis fora da esfera econômica e que vem da reação dos setores “prejudicados”. Trata-se do “rent-seeking”, ou da tentativa de grupos privados de obter vantagens por meio de influência sobre a esfera governamental, com objetivo de obter vantagens tributárias e ampliar as barreiras à entrada em seu setor. Esse tipo de comportamento promove alocação ineficiente de recursos e a redução do bem-estar.

Da mesma forma, a elite, ao se apropriar da renda proveniente da exploração da riqueza natural, cria mecanismos para reforçar seu poder político, e os recursos que poderiam ser utilizados na criação de capacidades técnicas, infraestruturas e diversificação produtiva são desviados para fins não produtivos, e até para a corrupção. A falsa sensação de riqueza, por sua vez, desestimula os governos a efetuar reformas estruturais e institucionais voltadas para a obtenção de maior nível de eficiência, crescimento e desenvolvimento.

Não bastasse a perda de coesão social,  à medida que essas economias apresentam elevado patamar de rendas não-salário – tais como dividendos e benefícios tributários – são criados desincentivos a investimentos em educação, inovação e pesquisa, tanto por parte dos governos como por parte da iniciativa privada. O papel da educação na trajetória de crescimento tende, assim, a ser subestimado.

Todos esses fatores, se combinados ao longo do tempo, contribuem para deprimir o nível de investimento agregado: menor expectativa de rentabilidade na indústria e baixo nível de qualificação da mão-de-obra bloqueiam o esforço para ampliar a produtividade nesse setor, o que permitiria seu ajustamento numa conjuntura de taxa de câmbio apreciada ou de maior nível salarial.

A variável-chave para evitar ou pelo menos atenuar esses efeitos negativos é a gestão das rendas provenientes das riquezas minerais. Trata-se de uma questão política da maior importância, e que deriva da correlação de forças entre os diferentes segmentos sociais do país. Um outro grande problema é que o sistema político, tal como constituído, não possui incentivos para poupar rendas provenientes de recursos não-renováveis, a fim de utilizá-los no futuro.

Este é um tema cuja discussão se torna premente no Brasil, uma vez que o Pais, na última década, além de alimentos e minérios, passou a exportar petróleo. Todos os fatores citados parecem afetar a economia brasileira e ainda se tornam mais severos na presença de uma conjuntura internacional atípica e severa.

Nos próximos artigos pretendo abordar prescrições e experiências internacionais bem-sucedidas na gestão desses recursos, e fazer uma breve análise dos passos até agora percorridos pelo Brasil – e as oportunidades abertas para o Espírito Santo – na transposição do desafio de gerar maior nível de desenvolvimento a partir da riqueza petrolífera e mineral, e de permitir a apropriação destas também para as gerações futuras.

Ana Paula Vescovi

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