O Cliente é a alma do negócio

Ter um planejamento estratégico é fundamental para a longevidade, saúde financeira e competitividade das empresas e dos países. Nos artigos anteriores para o Livre Pensar, dei uma pequena ideia sobre um bom planejamento estratégico, nada complexo, mas focado nos fundamentos do negócio e tendo cenários realistas que devem levar em conta um horizonte de pelo menos cinco anos.

Falei sobre competitividade e produtividade, mostrando que escala é fundamental para sobreviver no mundo globalizado. Produtividade tem de ser um objetivo contínuo, de modo a se obter recursos para investimentos em modernização e crescimento. Falei também de inovação, pesquisas e tecnologias para dar saltos de produtividade e compensar aumentos de custos e despesas advindos da inflação, dos aumentos das matérias-primas, energia e  salários, parte da justa melhoria da qualidade de vida que todos almejamos.

Foi com essa estratégia em mente que aumentamos nossa produção por empregado. Construímos três fábricas num mesmo site para diluir custos fixos. Reduzimos a necessidade de terras e de florestas com o aumento de sua produtividade: subimos de sete para 10 toneladas de celulose por hectare/ano. E conseguimos construir a fábrica mais recente com áreas de florestas bem menores que as fábricas anteriores e, melhor ainda, fizemos um projeto de modernização sem qualquer compra adicional de terras. Graças a este trabalho científico, que gerou importantes ganhos de produtividade, recebemos o prêmio Marcos Wallemberg, uma espécie de Prêmio Nobel da Academia Sueca para a pesquisa florestal. Até hoje, ainda é o único prêmio concedido a uma empresa do Hemisfério Sul.
           
Continuamos trabalhando tenazmente para dar novos saltos na produtividade das florestas, aprofundando nossas pesquisas na área de biotecnologia. Por conta de condicionantes ambientais no Espírito Santo, fomos plantar florestas na Bahia, mais distante de nossas fábricas, mas compensamos em parte o aumento das  distâncias e também evitamos o trânsito dos caminhões de madeira passando por dentro de cidades, construindo cerca de 40 km de estrada pavimentada, conhecida popularmente como “Estrada do Assombro”. De excelente qualidade, é ainda hoje uma estrada exemplo de durabilidade e conservação. Atenuamos ainda mais a distância com a adoção do transporte marítimo por barcaças.

Um lema importante seguido pela Empresa foi sempre o de fazer seus projetos bem feitos já na primeira vez, com visão de médio e de longo prazos e de maneira a evitar retrabalhos.

Aumentamos a capacidade de Portocel para receber cargas de terceiros e assim diluir custos fixos, dinamizando aquele porto que é um dos mais eficientes do mundo. Por ele são exportados cerca de 70% da celulose brasileira, recebendo ainda madeira do sul da Bahia e, eventualmente, embarcando bobinas de aço de uma grande empresa de Vitória.           

Do lado financeiro, buscamos insistentemente reduzir o custo de capital para conseguir o Investment Grade e o conseguimos, reduzindo fortemente os custos do endividamento e dos  financiamentos. Para isso aumentamos a transparência e a eficiência de nossos dados, buscamos o que havia de melhor em governança, até sermos aprovados no Índice Dow Jones de Sustentabilidade da Bolsa de New York. Na crise de 2008, perdemos o grau de investimento, mas estamos trabalhando firme na sua recuperação.

Como se vê, acreditamos fortemente no aumento de produtividade, desde os cuidados com a nutrição da alimentação de nossos trabalhadores do campo, passando pelas pesquisas na área florestal, pelos projetos de crescimento e modernização, pela logística de entrega de nosso produto e pelo gerenciamento da dívida. Finalmente, construímos a mais importante fusão do setor no Brasil, que gerou a grande Fibria, mudando o patamar de nossa escala. Saímos das 400 mil toneladas por ano de 1980, para as atuais 5,2 milhões de toneladas por ano distribuídas em vários estados brasileiros.           

Tudo isso ainda não seria suficiente para garantir bons resultados se não tivéssemos, necessariamente, uma boa base de clientes.

Estabelecemos também uma estratégia comercial, distribuindo nosso produto pelos três continentes mais demandantes, com ênfase na Europa, maior consumidora de celulose de mercado, nos Estados Unidos onde a indústria de celulose passava por dificuldades e na Ásia que vinha crescendo ao longo do tempo. Começamos a dar os primeiros passos na China, já prevendo que um dia se tornaria um forte consumidor.

É bom esclarecer que o Brasil é o mercado de melhor margem devido ao baixo custo de logística, mas este mercado não oferece condições de colocar volumes substanciais já que ainda é de dimensões limitadas.           

E a razão é simples, o consumo de papel per capta no Brasil é de aproximadamente  de 42 kg, enquanto nos Estados Unidos é de 300 kg por pessoa e na Europa ocidental é de uns 250 kg. Naquela época, o consumo na China era de 15 kg já tendo ultrapassado os 60 kg, batendo o consumo brasileiro numa velocidade incrível. 

Abro um parêntese para dizer que, quando fui à China pela primeira vez, ainda presenciei um forte uso das bicicletas e os poucos automóveis eram os velhos e bons Passats brasileiros. Hoje, vejo uma mudança substancial, um aumento de riqueza que é muito bem expressado pelo vertiginoso aumento do consumo per capta de papel, um dos indicadores do desenvolvimento de uma sociedade.           

Nossa estratégia era, portanto, não colocar todos os ovos num mesmo cesto, assumindo um risco aceitável. Parece trivial, mas não é tão simples assim, pois a tendência é querer ganhar logo as melhores margens e, muitas vezes, para serem melhores, se concentram em determinados nichos de mercado, talvez mais oportunistas. Sempre acreditamos que uma boa base de clientes não é feita com oportunismo e visão curta, mas com parceria e visão de longo prazo. Nas grandes crises é que se sente a importância desta visão.           

Aproveito para explicar sumariamente sobre a transformação da celulose em papel, que no Espírito Santo sempre foi um tema de permanente discussão com as autoridades estaduais. Nossa visão sempre foi a de que a indústria de celulose tem de estar perto das florestas e a indústria de papel próximo do consumidor. Com o ainda baixo consumo de papel no Brasil, qualquer nova fábrica papeleira terá de ter escala e fatalmente seu produto irá majoritariamente para exportação, implicando custos elevados de logística, distribuição e perda de eficiência de suas máquinas, pois todo o reciclo estará a mais de 15.000 km de distância de sua origem.            

Além disso, as gráficas e supermercados dos países importadores não querem ter estoques e, com um Oceano Atlântico entre nós, é quase impossível concorrer com os produtores tradicionais de papel que estão localizados estrategicamente a poucos quilômetros de seus clientes. Seja na Europa, Estados Unidos ou mesmo na Ásia, conseguem entregar em vinte e quatro  horas um produto que levaríamos uns vinte dias para colocar lá. Os estudos sempre mostraram margens e retornos baixos nesta transformação que, na prática, não agrega valor à celulose, como num primeiro momento se espera. A realidade também corrobora os estudos.

É importante notar que com a fusão (Aracruz e VCP) a Fibria vendeu seus ativos produtores de papel, mantendo-se fiel à sua estratégia de fazer um produto que a diferencia e dá melhor margem. Outros grandes produtores brasileiros estão pensando na mesma direção.           

Nos anos 80, a celulose de eucalipto era considerada uma celulose para “enchimento”, com consequente preço baixo. Como jamais nos conformamos com esse conceito, montamos um plano para desenvolvimento de produto e enviamos engenheiros ao exterior para fazerem mestrados e doutorados, visando aprofundar-se no estudo de nossa fibra e, de forma científica, expor aos papeleiros do Hemisfério Norte razões técnicas convincentes de como eles poderiam ter ganhos com esta nova celulose.            

Investimos em plantas-piloto, equipamos um centro de tecnologia com o que havia de melhor no mercado, estabelecemos diálogos importantes com centros de pesquisas do Brasil e de outros países e saímos pelo mundo numa missão quase doutrinária de propagar tais conhecimentos de forma séria e didática aos nossos clientes, produtores de papel, por natureza bastante conservadores e ciosos de suas fibras utilizadas há séculos.

Participamos de seminários internacionais do setor, buscando gerar credibilidade e aceitação, pois tudo era baseado em experimentações e dados científicos. Como podem ver, educação, inovação e tecnologia foram fatores críticos na mudança da percepção de um produto novo no mercado.           

Vencemos essa etapa e hoje a fibra brasileira é reconhecida no mundo todo e posso dizer que é mesmo desejada em vários tipos de papéis, por aumentar a produtividade das máquinas e por conferir qualidade superior aos seus produtos. Assim, agregamos valor aos clientes e conseguimos que nossos preços ultrapassassem os da fibra curta do sul dos Estados Unidos, igualassem e depois suplantassem os da fibra longa escandinava e canadense.            

O grande intercâmbio com o exterior ensinou também o respeito aos contratos, à  palavra dada, à transparência e à negociação ganha-ganha, pois foi com estes valores que alguns clientes deixaram de produzir celulose em suas próprias fábricas e em seus países para fazer contratos de longo prazo com nossa empresa. Esta foi uma das etapas mais gratificantes na conquista do mercado.           

Tivemos várias vezes de ir ao exterior explicar às autoridades como era possível produzir melhor que suas fábricas locais, respeitando o meio ambiente e dando boas condições de trabalho, pois o fechamento delas iria impactar suas regiões. E por conta da competitividade e qualidade superiores da fibra do eucalipto, do aumento de custos no Hemisfério Norte, muitas das fábricas daqueles países tiveram que sair do mercado por terem anos sucessivos de baixos resultados, pelas fábricas envelhecidas e ineficientes e pela garantia da oferta de uma nova celulose vinda dos trópicos.           

Vencida mais essa etapa, passamos a estudar quais tipos de papéis devíamos focar e onde nossa fibra agregava mais valor. Concluímos que os papéis de bem-estar pessoal, os decorativos e os de imprimir e escrever eram os que poderiam mais se beneficiar de nossa qualidade.

Hoje, mais de 50% de nossa produção vai para os papéis sanitários, de banheiro, faciais e de usos para o bem-estar humano. Uns 25% são papéis decorativos e outros 25% são papéis de imprimir e escrever.

Como podem ver, todos se relacionam com o bem-estar da sociedade e todo este trabalho, feito a partir de nossa base no Espírito Santo, deu um bom estudo de caso para Harvard e acho que muitos estudantes de marketing gostarão de conhecer mais esta história.          

Qualidade é fundamental para qualquer cliente, mas já não basta para fidelizá-lo. Assim, resolvemos investir na prestação de servicos, sejam técnicos, de logística ou mesmo de planejamento conjunto. Com isso, formamos uma das melhores bases de clientes do setor e somos, em alguns casos, fornecedor único de grandes empresas do mundo desenvolvido, algo impensável num ambiente tão competitivo.

É um desafio muito grande manter cada contrato com uma ótima prestação de serviços, incluindo aí o desenvolvimento conjunto de produtos e processos. A palavra chave é credibilidade, disponibilidade para o pronto atendimento, busca constante do desenvolvimento de nossa celulose e pensamento de longo prazo.           

Nestes cinco artigos, contei sumariamente a história do nascimento, crescimento e desenvolvimento de uma empresa brasileira, nascida no Espírito Santo e  que, com uma equipe competente, com uso da inovação e da tecnologia, introduziu no mercado mundial um produto novo, colocando o Brasil entre os principais produtores mundiais de celulose. O caminho, até chegar à Fibria de hoje, teve inúmeros desafios que tornaram a busca pela produtividade, pelo diálogo com a sociedade e o desafio da sustentabilidade uma crença de todos os dias.           

O mundo está em crise e irá passar por grandes transformações. O Espirito Santo também. Será que não deveríamos ter um plano estratégico para enfrentar estes novos e difíceis tempos?

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