EUA, China e perspectivas brasileiras

Podemos considerar que na última semana ocorreram as escolhas dos processos de transição política nas duas principais economias do planeta. Eleições livres nos EUA e escolha indireta na China. Não precisamos refletir muito sobre o que preferimos efetivamente.

Reflexões diversas espalhadas na mídia não apontam para grandes inflexões políticas nesses países, apenas sinalizam para alguns prováveis ajustes que ocorrerão ao longo da caminhada de seus líderes. Preocupações domésticas nessas duas economias, quando priorizadas, podem muito bem atrapalhar a necessária recuperação econômica global. Não há como descartar de antemão uma extensão de guerras cambiais e seus efeitos na periferia do sistema economia-mundo. Tampouco devemos descartar de imediato nesse cenário uma provável e crescente pressão do capital sobre os trabalhadores para reduzir custos numa eventual guerra comercial entre os países. O imbróglio na eurozona ainda se arrasta e as barreiras não alfandegárias poderão entrar em vigor por alegados motivos humanitários logo adiante – cotas de importação impostas unilateralmente por “dumping socioambiental”, por exemplo.

Qualquer pessoa razoável sabe que os países defendem seus interesses e que os líderes precisam de alguma forma prestar contas aos seus cidadãos. O longo prazo é um período abstrato em que não sabemos hoje ao certo se estaremos vivos para desfrutá-lo. Nesse complexo contexto em evolução histórica, algumas recomendações de “boas práticas” dos manuais de economia convencional podem se tornar meras peças de ficção. EUA e China vivem contradições internas visíveis. Ambos os países presenciaram o crescimento das desigualdades sociais nos últimos anos. Desigualdades essas que não se explicam apenas pelos talentos e capacidades individuais, mas por alguns fatores que transcendem a recatada lógica de impessoalidade e racionalidade dos mercados. Relações sociais e de poder são fatores relevantes para o sucesso econômico nessas duas economias. Podemos seguramente dizer que essas relações também estão na base do “sucesso” pessoal em outros países.

EUA e China apresentam índices Gini entre 0,4 e 0,5. Sociedades subdesenvolvidas, que podem ser encontradas na América Latina e na África, registram índices entre 0,5 e 0,6. Devemos esperar por períodos difíceis. O Brasil, país de grandes e persistentes desigualdades sociais, encontra-se discutindo uma nova divisão dos royalties do petróleo sem antes debater de forma aprofundada a renovação do pacto federativo em alto nível.

Tensões federativas estão acirradas entre nós e está difícil encontrar lideranças esclarecidas nesse jogo de soma zero. Por que a nova divisão dos royalties está divorciada de uma ampla reforma tributária, algo que deveria incluir a revisão da tributação no destino do ICMS do petróleo? Por que os governos estaduais de RJ e ES não colocaram essa discussão nesses termos? Liderança não se limita a montagens de coligações partidárias e daquilo que se convencionou respeitosamente chamar de “governabilidade”. Assessoramento técnico de qualidade questionável, uma escolha discricionária do governante, explica parte desse apagão de liderança. Esse parece ser um fenômeno nacional, algo que nos ajuda a compreender um pouco o disfuncional inchaço das máquinas administrativas em suas diversas instâncias.

Nesse contexto, a redução do crescimento da economia brasileira já causa redução real das receitas municipais. Números divulgados pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) apontam para uma queda anual real acumulada pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM) no primeiro decêndio deste novembro de cerda de 2,7% em relação ao mesmo período de 2011. Essa é apenas a ponta do iceberg.

O Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, criou em setembro o Foro Permanente de Mediação de Conflitos Federativos. Este novo foro buscará mediar a conciliação entre os entes federativos para evitar a judicialização de grandes impasses políticos, pois o STF tem mais de cinco mil conflitos interestaduais para julgar. Como se pode notar, os próximos tempos serão de fortes emoções no Brasil. Tudo o que é sólido poderá se desmanchar no ar. Principalmente quando as suas bases de prosperidade são muito questionáveis e instáveis, dependentes dos preços internacionais das commodities e de uma governabilidade disfuncional que se assenta no loteamento político-partidário da máquina administrativa.

Esperamos todos que os nossos parlamentares federais priorizem de imediato a renovação do pacto federativo em alto nível. O presidente do Senado Federal possui diagnóstico e propostas elaborada por comissão técnica para uma discussão política aprofundada e que precisa ser encarada de forma integrada. A discussão não pode se restringir aos royalties do petróleo.

Rodrigo Medeiros (D.Sc.)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *