Novos jogos eletrônicos e corrupção ética digital

As gerações que tiveram sua infância nos anos 80 e 90 se acostumaram com a inserção em seu quotidiano dos jogos eletrônicos de console, do hoje quase fossilizado Atari ao mais moderno Playstation. O entretenimento individual era obtido com a compra ou locação de cartuchos (posteriormente DVDs e discos de Blue Ray), o que concentrava a monetização do desenvolvedor no ato de venda do jogo.

Muito embora o conceito de jogabilidade móvel não seja novo (dispositivos de jogos eletrônicos móveis já existem desde o final dos anos 1980), as gerações mais novas têm contato com dispositivos de múltipla função (smartphones e tablets), nos quais os jogos são adquiridos por download (usualmente de uma loja virtual centralizada), em sua grande maioria, de forma gratuita. O modelo de negócios da gratuidade é baseado na economia da reputação e no poder de engajamento de uma marca/produto para com seus usuários, mas vem recebendo novos aportes com o que se denomina “compra dentro do aplicativo” (ou “in-app purchase”), uma nova forma de aferição de lucro, no qual é possível comprar novas funcionalidades em um aplicativo inicialmente gratuito.

Os jogos dos anos 80 e 90 tinham por característica a meritocracia: se um jogador obtivesse determinados pontos, ou se seu desempenho fosse de bom a excepcional, receberia bonificações como chances de continuar no jogo, novas “vidas” ou ainda novas habilidades. Porém, esse paradigma vem sendo radicalmente modificado nos atuais jogos que se utilizam das compras dentro do aplicativo: movidos pelo objetivo da aferição de receita, desenvolvedores não mostram pudor em criar empecilhos (elevação do nível de dificuldade do jogo) para vender facilidades (habilidades e atalhos para se ultrapassar as barreiras criadas), numa condenável forma de corrupção ética digital.

A mensagem subliminar que daí advém é assustadora: basta pagar para se obter um benefício, sem necessidade de lutar por ele ou de melhorar seu desempenho individual: basta um “doping” financeiro e pronto! Considerando que o público-alvo de tais jogos é formado em sua enormidade por crianças, é imprescindível que família e educadores estejam atentos às mensagens erradas que tais jogos podem provocar, sob pena de formarmos uma geração de pessoas que não ostentem vergonha em acreditar que basta “pagar para passar” ou que o dinheiro substitui o mérito individual.

Cláudio Colnago 1  (divulgação)

Cláudio Colnago, Advogado sócio da Bergi Advocacia e professor de Direito Constitucional da FDV. Doutorando em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV.

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