Entenda a polêmica sobre os terrenos de marinha

Em 1946 a União decretou ser proprietária dos imóveis a 33 metros da linha de preamar média de 1831, os chamados terrenos de marinha. O presidente responsável por tal decreto foi o militar Eurico Dutra, que anteriormente havia tido papel decisivo na conspiração e na instauração da ditadura do Estado Novo, junto a Getúlio Vargas.

O então presidente, natural do Mato Grosso, e seus ministros da Fazenda e da Justiça, que assinaram o decreto-lei (nº 9.760 de 1946), também naturais do interior do Brasil, possivelmente jamais imaginariam a pasmaceira que estariam provocando nas cidades litorâneas brasileiras até os dias atuais.

No referido decreto, parece nem passar pela cabeça dos responsáveis a possibilidade de que alguém já seria dono, por força de escritura pública, de algum imóvel nessas áreas. Talvez pelos responsáveis serem naturais do interior ou, simplesmente, por ignorar isto como uma preocupação. Assim, por meio do decreto, a União “toma” a propriedade desses imóveis pra si, unilateralmente. E, vale lembrar, a posse pode ser tomada pela União a qualquer tempo, a não ser que o ocupante consiga um contrato de aforamento.

De forma complementar, a União tem uma brilhante ideia: cobrar taxas de quem “ocupa” os terrenos de marinha, tanto os proprietários até então legítimos (por força de escritura pública), como as pessoas com ocupações irregulares (sem escritura pública). São taxas como as de ocupação, o foro e o laudêmio.

Obs.: Os 33 metros eram a distância da bala de canhão de um navio em 1831… Ainda bem né, se tomassem o alcance das balas de canhão de hoje, o Brasil inteiro seria terreno de marinha!

Compra e venda de imóveis em terrenos de marinha
O leitor não atuante no mercado imobiliário, se muito bem informado, imagina que para comprar um imóvel deve fazer escritura pública e registrar na matrícula do imóvel junto ao cartório de registro geral de imóveis, após verificar se há algum ônus gravado sobre o imóvel e se o proprietário é de fato quem diz lhe vender e que assinará a escritura. O que o leitor não sabe é que o imóvel pode ser de marinha mesmo isto não sendo informado na matrícula do imóvel. E o vendedor, pelo mesmo motivo, pode não saber (ou omitir tal informação).

Continuando a análise, o leitor poderia pensar: “o imóvel está muito longe do mar”… Bom, isso seria um risco tremendo. Vamos lembrar o início do texto, a linha de preamar é a 1831, e muito das geografias dos municípios mudaram, com aterros sobre o mar, rios, lagoas, etc.

Sendo uma pessoa insistente e curiosa, o leitor pensará: “Bom, então vamos tomar conhecimento de um mapa que aponte as áreas de terrenos de marinha”. Mas… Brasil!!! A maioria dos mapas não existem… E, os poucos que existem, pasmem: não são divulgados.

Mas, pra tudo tem solução. O leitor ainda pode:
– Realizar uma consulta simples no site da SPU por meio nome do proprietário (e caso não encontrar nada, rezar pra que não esteja em nome dos proprietários anteriores, caso contrário a avalanche de multas futuras de taxas não recolhidas será mais forte que os tiros do canhão de 1831); ou

– Entrar com um pedido no SPU de averiguação se o imóvel é de marinha. Mas não seja ansioso, não há nenhum prazo pra resposta. E, se a resposta neste caso for positiva e o vendedor desconhecia… Corra!!! Afinal, a partir de agora, o imóvel passará a ser cadastrado pela SPU   como imóvel de propriedade da União, tornando o vendedor um mero ocupante.

Obs.: Devido à complexidade de uma transmissão imobiliária, agravada nas cidades litorâneas pelos terrenos de marinha, recomenda-se ao interessado em adquirir um imóvel contratar um corretor de imóveis ou advogado competente para assessoria.

Ações do governo federal atual
No mês passado, o governo federal, enrolado em uma crise fiscal histórica, pra completar a balburdia já existente sobre o tema, elaborou medida provisória (MP 691/2015) para alienar os imóveis da União, incluindo os terrenos de marinha. Foi um caminho que os governantes encontraram para arrecadar bilhões de reais com as alienações, embora o governo provavelmente não tenha medido a quantidade de processos judiciais que sofrerá caso venda tais imóveis para terceiros.

Em paralelo a este processo, o governo resolveu ainda avançar com a demarcação dos terrenos de marinha em municípios litorâneos em que ainda não houve demarcação.

Em Vitória todo mundo tem pesadelo com a novela dos terrenos de marinha. Nas demais cidades, isso é questão de tempo.

Talvez agora o governo já esteja reverenciando mais um entre seus heróis: o militar Eurico Gaspar Dutra.

Obs: Que nossos parlamentares tenham força e consigam mitigar a problemática dos terrenos de marinha. São cenas dos próximos capítulos.

Autor: Eduardo Schwartz Borges é engenheiro civil, diretor do Sinduscon-ES e da Reserva Negócios Imobiliários

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