Sem repertório não há diálogo

Em plena era da incerteza, a disrupção é uma realidade inconveniente que equivoca e vira ao avesso verdades gravadas em mármore. Negócios morrem em seus formatos de sucesso ou fracasso, não importa, para ressurgirem mais impactantes logo à frente. A frase do filólogo grego Aristóteles: – “Só sei que nada sei” salta do século IV a.C para o nosso século XXI como chave de transformação da comunicação corporativa e interpessoal. Admitir a impossibilidade de comando do saber, é estar à frente dos cristalizados no conhecimento inerte do passado. É neste universo de ignorância fértil que surge o protagonismo do diálogo nas comunicações.

O diálogo, que etimologicamente significa “por intermédio da palavra”, traz o desafio de ouvir para empresas e pessoas. Após séculos, talvez milênios, de foco na mensagem emitida, passando por toda a sorte de genialidade publicitária na embalagem das palavras, a mensagem recebida é o oráculo que desvenda o futuro de hiperconectividade, fragmentação e relevância da comunicação.

Em dezembro, o professor da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), Romeo Deon Bussarelo, Diretor de Marketing e Ambientes Digitais da Construtora Tecnisa, transformou respostas prontas em perguntas em construção. Falando sobre cultura de inovação nas empresas, Bussarelo, que esteve em Vitória como convidado da Vale no Projeto VOS – Vários Olhares Singulares – trouxe sua forma de ver o futuro ao abrir o diálogo sobre martechs ( startups que mesclam marketing e tecnologia), big data, inteligência artificial, compartilhamento, energia limpa e realidade virtual.

Sua palestra-provocação inundou de perguntas a plateia-interativa. A sabedoria de fazer perguntas ao invés de dar respostas prontas é um portal para outra dimensão na comunicação. Perguntas estimulam o hábito de ouvir, que é naturalmente mais personalizado que falar. Pode-se falar para multidões, mas não ouvir mensagens distintas de multidões ao mesmo tempo. O ouvir é individualizado, ou, minimamente, consensado quando vindo de um grupo.

A incapacidade em ouvir nos torna ignorantes até de nós mesmos. Não existe diálogo sem uma audição atenta e interessada, nem diálogo proveitoso sem um repertório mínimo sobre o assunto a ser tratado. É preciso estimular o conhecimento dos que falam com potencial de serem ouvidos. A ignorância da comunicação unilateral não tem mais serventia neste universo fragmentado. A mensagem soberana espalhada maciçamente sucumbiu à multiplicidade de canais. Porém, nada mais inócuo que o diálogo entre ignorantes.

Estimular o diálogo não basta. Cabe a quem quer praticar socraticamente a filosofia da dúvida, oxigenar ideias, difundir saberes, prover espaços para vozes e ouvidos dispostos a contribuir com novos questionamentos, novos olhares e novos discursos. É fundamental sofisticar as perguntas, sair da comunicação rasa, pautada no conhecimento limitado, encapsulada na soberania do microcanal que todos nós virtualmente nos tornamos e saber ao menos que nada sabemos. Citando uma vez mais Romeo Bossarelo, “a inteligência do grupo é maior do que a inteligência do mais inteligente do grupo”.

Aurelice Aguiar é jornalista e Diretora da Crossmedia

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