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"Nunca vivemos um tempo tão bom para fazer jornalismo" diz pesquisador de ciências de dados, redes sociais e Comunicação Política

Fábio Malini

Malini é doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro Foto: Divulgação

Nesses 10 anos do Folha Vitória, o universo virtual passou por inúmeras transformações. Seja na forma de consumir notícias, de interagir com o outro ou na hora de compartilhar informações. Para entender um pouco desse novo tempo e novos desafios da sociedade em rede, o jornal online conversou com Fábio Malini, pesquisador de ciências de dados, redes sociais e Comunicação Política.

Malini é especializado na produção de visualizações de grafos a partir de megadados (big data) sobre relações políticas e cultuais estabelecidas em redes sociais. É Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2007). É professor na Universidade Federal do Espírito Santo, onde coordena o Labic (Laboratório de estudos sobre Imagem e Cibercultura), dedicado a coleta, mineração, visualização e análises de megadados de temas políticos e culturais nas redes sociais. Desenvolveu visualizações interativas para veículos como El País, Estadão, Folha de SP, Zero Hora, Carta Capital e Placar. 

Folha Vitória: O Labic da Ufes virou referência internacional por acompanhar nas redes os grandes movimentos de rua dos últimos anos. Fale um pouco do trabalho desenvolvido pelo laboratório e sobre algumas conclusões possíveis a partir deste trabalho.
Fábio Malini: Este ano, o laboratório completa dez anos. Quando começamos, em 2007, o laboratório  iniciou com dos estudos sobre o que se convencionou a chamar  de cibercultura. Os fenômenos sociais, que aparecem na década de 90, começam a se popularizar. É a época das salas de bate-papo, do Orkut, etc. No jornalismo, o que estava disponível no papel vai para as versões digitais desses veículos. Ou seja, nessa época, o que tínhamos no mundo virtual era uma cópia do mundo físico e o Labic se dedicava a análise disto. Em 2012, recebemos aporte da CNPQ e iniciamos um trabalho junto com a Escola de Comunicação da UFRJ. O objetivo era associar estudo a coleta de dados na internet. Nessa fase,  as mobilizações sociais passam para sociedade por meio dos perfis e muitas das novas práticas nasciam na própria internet. Ou seja, não era mais somente uma cópia virtual da realidade. Toda essa atividade na internet são dados e todos esses dados estão  disponíveis para serem coletados e analisados. Nessa época, iniciamos no twitter um trabalho no sentido de analisar tudo o que fosse possível no cenário político. Então fomos aprimorando programas para extração de dados de tudo na internet. Agora, num momento de mais maturidade, conseguimos extrair dados do processo, gerar visualizações e desenvolver aplicações. Já Fizemos um trabalho com a Unicef, para o Inep, onde fazemos monitoramento do Enem; também fizemos um trabalho para o G-20, que foi um estudo encomendado por lideranças globais sobre educação. Esse trabalho consistia em analisar como as lideranças de opinião no twitter discutiam temas como a reformas educacional, o financiamento da educação e a diversidade. Coletamos esses dados em quatro idiomas: Inglês, francês, espanhol e português. Temos estudos na área da saúde, de imagem, de algorítimos. É bem diversificado. No próximo mês vamos inaugurar um curso de capacitação de linguagem de programação para jornalistas. E estamos em conversa com o Google para desenvolver um projeto sobre as notícias falsas. 

F.V: Falando em notícias falsas, como elas conseguem se propagar com tanta facilidade? 
F.M: Essa discussão em torno do boato tem várias origens, mas conceituando podemos dizer que a fake news é a notícia não apurada, ou seja, o  boato. Temos que considerar alguns pontos. Por exemplo a bolha do facebook são pessoas que se relacionam entre si, de acordo com gostos, opiniões, etc.  Normalmente, a sua audiência busca um post que vai legitimar uma opinião. As pessoas buscam postagens e tendem a se relacionar com pessoas que possuem os mesmo pontos de vista. Esses elementos importantes para entender porque as pessoas publicam informação não checadas. Por outro lado, temos o fato de quem produz e quem consome é submetido a alta velocidade de circulação dessas informações. E esse processo também faz parte da minha vida. Também quero dar minha opinião primeiro.  O imperativo da velocidade acaba sendo uma espécie de combustível do ecossistema da notícia falsa. No caso da política temos o comportamento da rivalidade, da paixão, etc. Tudo isso acaba criando um terreno fértil para a propagação de informação falsa na internet. Em outra dimensão, temos o grande dilema do Google. Os veículos de informação tem sua fatia de audiência e seu financiamento vem dos anúncios. Quando um usuário busca uma passagem aérea por exemplo, toda a movimentação dele  no navegador gera informação que é coletada. Quando ele acessa um site de notícias,  entra o anúncio relacionado com o conteúdo da busca. E quanto mais acessos esse site possui, mais o Google paga pela visualização desse anúncio. Os grandes veículos praticamente não dependem disso. Sua receita não vem desse tipo de anúncio, mas os pequenos ficam dependentes desse recurso. Então se ganham muitas visualização, ganham muito dinheiro. Boa parte desses boatos são hospedados nesses blog e sites assim. E não necessariamente são conteúdos falsos, mas editados a favor da audiência que quer ter razão. Atrai a audiência que quer ter razão ou algo que legitime sua opinião, isso gera a visualização, que gera a receita para esse tipo de site. 

F.V: E o que se pode fazer para quebrar esse ciclo? 
F.M: Uma forma é trazer conceitos antigos do Jornalismo de apuração. O  sites de boatos se favorecem da falta de checagem. Eles acabam sendo verdade pra quem quer ter razão. Isso também é um efeito dessas regulações de algorítimos. As pessoas passam muito tempo na internet e muito tempo nas redes sociais e o feed privilegia as nossas predileções. A diferença fica oculta. 

F.V: Então o Jornalismo pode se favorecer disso?
F.M: O jornalismo  é um grande legitimador da verdade. Mas ao mesmo tempo temos dificuldades, como o encolhimento das redações. O papel, por exemplo, vive uma crônica da morte anunciada. Leitores estão indo para o digital. O problema não é audiência e sim o financiamento. É preciso uma valorização daquilo que é mais importante para o sociedade e quem tem isso ainda é o jornalismo. E ele faz isso por meio da reportagem, que é única linguagem nativa do jornalismo ainda.  E tem que garantir a qualidade porque é ela o que diferencia o jornalismo. A qualidade traz a credibilidade.  Mas existem desafios. Como novas linguagens para reportar, temos um elemento importante que é a diversidade, o  jornalismo das minorias, etc. A pauta da diversidade que narrada a partir dos próprios atores. Isso entra mais forte nas redações após as manifestações de 2013. Um exemplo disso são as transmissões ao vivo Mesmo com as dificuldades, qualidade ruim, sinal que é perdido, as redações incorporaram essa linguagem. É a recuperação do jornalismo para a rua,  que no fundo é uma exigência que audiência faz pela checagem. Inclusive,  tem surgido empresas especializadas na checagem de fatos. É um novo mercado.  Na minha opinião, nunca vivemos um tempo tão bom para fazer jornalismo, pois há uma popularização do método jornalístico. 

F.V: Em 2018, teremos eleições majoritárias. Na sua opinião, qual será o papel das redes sociais na definição do cenário político eleitoral, levando em conta fatores como a crise econômica, o desgaste da classe política e da própria classe empresarial, além da ampliação do acesso a internet
F.M: No âmbito nacional o cenário atual é de paralisia. Se perguntarmos  para qualquer político,  ninguém sabe como vai ser. Ninguém sabe o que fazer, em função da crise que a gente presencia. Não sabemos sequer quem serão os candidatos. Mas podemos perceber certas tendências. As eleições serão mais curtas, com menos televisão e sem o financiamento empresarial. Muitos políticos que conseguiam se eleger por conta de recursos de empresas,  vão ficar constrangidos em funções dessas práticas. Então, quem tiver mais recall deve se dar melhor. A tendência é que essas pessoas tenham mais força. Em segundo, aqueles que produzem mais recall a partir da internet também deve chegar mais forte. As apostas são aqueles candidatos que são mais musculosos nas redes, ainda que sejam por meio de polêmicas ou a favor da euforia, com apoio de celebridades. Mas tem um saldo positivo nisso também. Aquele político de opinião tendem a voltar também. Dependendo da causa que defendem. Os mais aguerridos, que formam público ganham mais força. E tem aqueles que estão sendo desidratados porque defendem pautas anti-sociais, que é exatamente a turma que não sabe o que vai fazer. 

F.V: Temos acompanhado o crescimento de movimentos extremistas, que usam as redes para disseminar ideais, racistas, machistas,  entre outros tipos de intolerância. Na sua opinião, porque esses discursos de propagam de maneira tão fácil nas redes?
F.M: Tentando acompanhar esses debates e é possível  identificar padrões lexicais nesses discursos de extremos. Tem haver com o fato de que passamos a ter as pautas das minorias mais fortes entre a gente. Por exemplo, é mais difícil hoje não associar a agressão a uma pessoa do sexo feminino a violência contra mulher. Essa é uma agenda pós a mobilização de 2013. A gente não sabe nem se vem da rede. E essas minorias, nem sempre são minorias, como no caso das mulheres. Descolocamos a agenda lulista, que era a agenda da pobreza, para agenda das minorias, que é uma agenda extremamente atacada. Quando chega na internet, a presença desses atores encontra seus adversários, que também passam a construir seus léxicos. E a diferença entre o debate e a ofensa é muito pequena. E no meio disso, ainda surgem os trolls, que tem o único o objetivo de ofender o outro ou silenciar essas minorias. A internet é uma máquina de minorias. Ela faz aparecer quem estava invisível.

F.V: A internet disponibilizou uma quantidade de informação para  uma quantidade de pessoas como nunca. Mas há quem diga que ela não necessariamente gere conhecimento. Como você vê isso?
F.M: Antes, tínhamos uma ideia na cultura educacional de que o conhecimento precisa ser produzido de maneira isolada, recolhida, em laboratório, com tempo de maturação. A internet inseriu um elemento que é o excesso de informação, que acabou criando um quadro de ansiedade. Isso acontece quando gerimos redes sociais. Gastamos muito tempo acompanhado essas redes e pouco tempo na produção de conhecimento. No entanto, própria internet foi se encarregando de criar seus filtros. A nova geração na internet tem outra forma de lidar com isso. O conhecimento pode ser gerado no espaço público. O uso da hashtags é uma forma de organizar e produzir conhecimento.  Hoje é muito difícil pensar em educação sem pensar nisso. A internet permitiu o conhecimento como forma de prazer e ele não se faz mais isoladamente. Muito difícil pensar em educação sem pensar isso. É o que a pedagogia sustentava ao longo do século 20. O idoso, por exemplo,  está mais conectado, produzindo mais. Isso insere a experiência no processo de produção de conhecimento.  

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