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Professora se dedica a estudar e analisar dados de feminicídio no Espírito Santo

Brunela Vieira de Vincenzi

Brunela de Vicenzi Foto: Reprodução

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), divulgado no início do mês, apontou o Espírito Santo como o 6º estado brasileiro com o maior número de mortes de mulheres no Brasil. Segundo o levantamento, somente neste ano 103 mulheres já foram vítimas de feminicídio em cidades capixabas.

Para analisar mais profundamente os dados referentes à violência contra a mulher no Estado, foi criado, há sete meses, o Laboratório de Pesquisas sobre Violência Contra Mulheres no Espírito Santo (Lapavim-ES), que funciona na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

O laboratório é coordenado pela professora Brunela Vieira de Vincenzi, do Departamento de Direito da universidade. Segundo ela, o objetivo é descobrir quem são essas mulheres vítimas de violência no Estado - sua etnia, faixa etária, condição social, etc - por meio de uma análise qualitativa dos dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp).

A proposta de criação do laboratório foi apresentada pela professora durante o 11º Fórum de Políticas Públicas para a Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar, em março deste ano, na Assembleia Legislativa do Espírito Santo. Além de ser composto por professores e pesquisadores da Ufes, o laboratório conta com a participação de diversas entidades governamentais, como as secretarias de Estado de Direitos Humanos (por meio da Subsecretaria da Mulher e da Gerência de Política de Promoção da Igualdade Racial), de Segurança Pública e de Saúde, além dos conselhos municipais da mulher, da Polícia Civil e da Frente Parlamentar em Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar. 

Folha Vitória: Como surgiu a ideia de criar esse laboratório?
Brunela de Vincenzi:
Durante a reunião realizada na Assembleia Legislativa, em março deste ano, as mulheres presentes no encontro demonstravam preocupação com o fato de o Espírito Santo ainda ser apontado como um dos estados com o maior índice de assassinatos de mulheres do Brasil, enquanto os dados divulgados pela Secretaria Estadual de Segurança Pública indicavam que esse índice estava em queda. Ninguém soube explicar onde estava ocorrendo essa redução, nem mesmo representantes da Sesp. A gente precisava saber se essa redução estava acontecendo por exemplo, nos bairros mais nobres, com famílias de renda mais alta. Só que a Sesp trabalha com um número bruto, sem especificar a região onde mora a vítima, sua cor, condição social, idade, etc. Dessa forma, fizemos uma proposta de que fosse feita uma análise qualitativa desses dados. Essa análise deveria ser feita por uma instituição neutra, que não estivesse diretamente envolvida com essa questão da violência contra a mulher, e foi decidido que ela seria feita na Ufes, por meio de um laboratório de pesquisas.

FV: Como é o funcionamento desse laboratório? Quantas pessoas participam, como desenvolvem suas pesquisas?
BV:
Todos os meses são realizadas reuniões, onde são discutidas todas as ações desenvolvidas. Esses encontros reúnem os professores que participam dessas pesquisas e representantes de órgãos, como o Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça e Secretaria de Segurança Pública, além de deputados integrantes da Frente Parlamentar em Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar. O laboratório conta com o trabalho de professores de diversas áreas, como direito, história, medicina, enfermagem, cinema, entre outras, e que já desenvolveram pesquisas relacionadas ao tema violência contra a mulher. Em nosso trabalho, utilizamos os dados da própria Secretaria Estadual de Segurança Pública, mas procuramos trabalhar esses dados sobre uma outra lógica, ou seja, procuramos fazer uma análise qualitativa desses dados.

FV: Esses estudos, de alguma maneira, auxiliam o poder público no combate à violência contra a mulher?
BV:
Na verdade, nossa intenção não é servir como auxílio ao poder público, mas sim mostrar um retrato fiel do que é a violência contra a mulher no Espírito Santo. Queremos entender exatamente quem são essas mulheres que sofrem violência, onde elas moram e em quais condições. Também queremos entender por que em alguns casos a violência é reportada à polícia e em outros, não. Segundo os dados da Sesp, este ano foram registrados 84 feminicídios no Espírito Santo até o dia 31 de agosto. É um número bastante elevado. Mas queremos saber se esse número é alto porque realmente a quantidade de casos aumentou ou se é porque a violência está sendo mais reportada à polícia. Também estamos investigando se ocorreram mais condenações no Estado por feminicídio, que é a violência cometida contra a mulher simplesmente pelo fato de a vítima ser mulher.

FV: Quais são os principais fatores que ainda fazem com que a mulher seja vítima de violência?
BV:
No Espírito Santo, infelizmente, ainda há uma ideia de patriarcalismo, ou seja, o homem é quem decide sobre a vida da mulher e se sente dono dela. Esse conceito de que a mulher é um ser inferior ainda está muito arraigado em nossa sociedade. Tanto que ainda é muito pequeno o número de mulheres que ocupam cargos importantes, como o de juíza, professora universitária ou diretora de uma grande empresa. 

FV: As mulheres estão denunciando mais os casos de violência ou ainda há muito medo por parte delas?
BV:
Nossa hipótese é de que ainda existe muita falta de confiança na Justiça por parte das mulheres. Algumas pesquisas apontam que, mesmo reportando o caso de violência à Justiça, muitas mulheres acreditam que o processo não seguirá adiante e que, ainda por cima, elas sofrerão uma exposição muito grande. Constatamos ainda que a violência ocorre de maneira mais reiterada nos bairros de periferia. Isso porque as mulheres dessas regiões preferem continuar aturando essa situação, por medo de ficarem sozinhas, sem uma rede de segurança. Se o agressor for preso, essa mulher provavelmente não terá quem a sustente. Nesse caso, ela terá que sair para trabalhar, mas não terá com quem deixar os filhos. Além disso, essa mulher não acredita que a Justiça funcionará para ela. Já nos bairros mais nobres, em famílias de renda mais elevada, a mulher agredida conta com todo um suporte familiar, além de ter condições de contratar um advogado para auxiliá-la no processo.

FV: Na sua opinião, como o poder público deve agir para combater de forma mais efetiva a violência contra a mulher?
BV:
Acredito que já tivemos muitos avanços nesse sentido. O governo tem adotado diversas medidas, feito campanhas de prevenção à violência. Mas acredito que ainda seja preciso desenvolver políticas sociais que ofereçam uma rede de segurança para a mulher vítima de violência, justamente para que ela seja encorajada a denunciar a agressão. É preciso oferecer a ela um apoio financeiro e uma moradia para ela permanecer após se separar do companheiro agressor, além de possibilitar que seus filhos frequentem uma escola.

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