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"Temos que sair do lugar comum que todo mundo é bandido ou vagabundo", diz secretária de Assistência sobre pessoas em situação de rua

Andrezza Rosalém

"Era preciso pautas as políticas públicas com informação e, para ser mais assertivo, a gente tem que romper um pouco os pré-conceitos que as pessoas tem com relação as pessoas em situação de rua", disse Andrezza Rosalém. Foto: Divulgação

Mudar a visão que a população, de um modo geral, tem das pessoas em situação de rua e reinserir novamente esses indivíduos dentro de uma sociedade cada vez mais difícil e rodeada de pré-conceitos é um dos papéis principais do Estado e de seus governantes no mundo atual.

Para compreender um pouco mais a história e quem são os quase 1.5 mil indivíduos em situação de rua no Espírito Santo, o Governo do Estado, através do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), realizou no último ano uma pesquisa detalhada pode ajudar a explicar os motivos que levaram essas pessoas a deixarem suas casas e se abrigarem nas ruas.

Relações familiares conturbadas, crise sócio-econômica, desemprego e falta de oportunidades são alguns dos fatores determinantes para essa situação. O Folha Vitória entrevistou a secretária de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social, Andrezza Rosalém, que participou da pesquisa e coordena ações sobre o tema. Acompanhe!

Folha Vitória: Secretária, a senhora pode fazer uma panorama geral dessa pesquisa realizada pelo Instituto Jones dos Santos Neves?
Andrezza Rosalém: A pesquisa foi uma demanda da Secretaria de Direitos Humanos, na época [julho de 2017] eu estava à frente do Instituto, como diretora, e foi fundamental para a construção de políticas públicas para essa população em situação de rua. Criamos a pesquisa porque precisávamos de informações que estivessem de acordo com o perfil e a necessidade dessa população. Além disso, fizemos essa pesquisa para conhecer essas pessoas sem basear tudo em esteriótipos. Era preciso pautar as políticas públicas com informação e, para ser mais assertivo, a gente tem que romper um pouco os pré-conceitos que as pessoas têm com relação às pessoas em situação de rua. Essa é uma pesquisa pública, que está disponível para todo mundo e, é preciso frisar, que a gente contou com a participação do Movimento Nacional da População em Situação de Rua. Outra coisa importante de citar é que foi uma pesquisa realizada ouvindo a população que seria entrevistada. Tinha um questionário e entrevistadores mais humanizados e tivemos o cuidado para executar a pesquisa da melhor maneira possível. 

F.V: A pesquisa é um instrumento para quebrar as barreiras com as pessoas em situação de rua?
A.R: Sim. Com esses dados a gente consegue mostrar que as coisas não são iguais as pessoas pensam, que quem tá na rua é vagabundo, é usuário de drogas e não quer trabalhar. Essa pesquisa traz o contrário: 79% deles tem profissão, quase 72% já trabalhou com carteira assinada, 43% trabalhou nos últimos 15 dias e são pessoas que recebem benefício continuado [no valor mensal de R$ 163,26, mas estão em situação de extrema pobreza. Dentro dessas pessoas tem gente que tem escolaridade, tem pessoas que tem até ensino superior, tem pessoas que perderam seus entes e não tem a mais quem recorrer...enfim, é um conjunto de fatores, uma população que tem uma série de vulnerabilidade e, por isso, temos que sair do lugar comum de que todo mundo é bandido ou vagabundo.  

F.V: Dos 385 entrevistados da pesquisa, 294 foram entrevistados em Vitória, Vila Velha ou Serra, o que dá um pouco mais de 75% dos entrevistados. Podemos afirmar que esses são também os municípios que contam com o maior número de pessoas em situação de rua no ES?
A.R: Sim, podemos. Esses três municípios e Cariacica são os que concentram a maior quantidade de pessoas em situação de rua no Espírito Santo. Falando um pouco de Espírito Santo, se fizermos uma estimativa nós temos cerca de 0,08% da população em situação de rua. De acordo com dados do IBGE de 2017, isso dá mais ou menos 1569 pessoas em situação de rua no Estado. E como saber que esse número é maior na Região Metropolitana? De acordo com números do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) de março deste ano, temos 1431 pessoas em situação de rua cadastradas no programa e 1057 delas estão na Região Metropolitana. 

F.V: Dentro desses municípios citados, existem áreas específicas onde há maior concentração de pessoas em situação de rua?
A.R: Em geral, onde tem mais fluxo de pessoas e áreas comerciais. As pessoas em situação de rua tem essa característica mais migratória, de andar entre essas áreas. Hoje elas estão em um município, amanhã estão em outros. 

F.V: Quanto que o crescimento demasiado da região metropolitana influencia nessa concentração de pessoas em situação de rua nesses municípios?
A.R: Tem grande relação, mas não pela falta dos serviços ofertados pelo Estado e pelos municípios. A pesquisa mostra que 43% das pessoas entrevistadas são migrantes externos, ou seja, não nasceram no Espírito Santo. Então, a medida que os municípios vão crescendo economicamente e começam a aumentar suas ofertas de emprego, de serviço e infraestrutura eles se tornam uma oportunidade para as pessoas de um modo geral. 

F.V: E no interior, onde há o maior número de concentração de pessoas em situação de rua?
A.R: A maior parte delas também se concentra nos grandes centros que temos no interior, como Colatina, Cachoeiro de Itapemirim, Linhares. 

F.V: Quase 60% dos moradores em situação de rua estão na faixa dos 30 a 50 anos. Porquê?
A.R: As pessoas em situação de rua, em geral, são pessoas mais adultas, que romperam o vínculo familiar, que perderam seus empregos, que já são independentes e que acabam em uma situação de rua por uma série de fatores, como: desemprego, uso de substâncias psicoativas, situação sócio-econômica. As questões familiares também devem ser levadas em consideração. São problemas familiares, falecimento dos familiares com quem essas pessoas viviam e o nosso trabalho é fazer o possível para que esse vínculo seja restabelecido.

F.V: Ao contrário do que muitas pessoas pensam, o desemprego e a perda da renda não são os principais pontos que levam as pessoas a rua e, sim, problemas e conflitos familiares. Existem trabalhos feitos com essas pessoas e famílias antes que elas deixem suas casas e se tornem pessoas em situação de rua?
A.R: Atualmente, todo esse trabalho preventivo é feito dentro dos Centros de Referência em Assistência Social, os CRAS. Eles funcionam como se fosse a unidade básica de saúde, fazem todo o atendimento inicial com essas famílias com vulnerabilidade, que tem o perfil do Bolsa Família, do Cadastro Único. Dentro desse acompanhamento, existem psicólogos, assistentes sociais justamente para dar esse suporte, para poder tentar controlar esses casos antes que eles ocorram, como um serviço de convivência e fortalecimento de vínculo. Hoje no Espírito Santo nós temos 146 CRAS, em todos os 78 municípios capixabas, que fazem esse serviço, essa rede inicial de proteção familiar. Posso dizer que hoje nós temos uma rede muito significativa e bem fortalecida de Cras no Estado.

F.V: Menos de 20% das pessoas em situação de rua são mulheres. Porque essa disparidade tão grande entre mulheres e homens?
A.R: Pelo fato da condição da rua, da periculosidade, isso tudo influencia. Também tem questões ligadas ao alcoolismo, ao uso de drogas. Todas essas questões estão ligadas e podem explicar a diferença. Em geral, todos esses fatores são mais acentuados entre os homens e isso pode ajudar a influenciar essa diferença.

F.V: Metade dos entrevistados está acima de dois anos nas ruas e depois desse número, o maior percentual é de quem está entre um e seis meses. Quais as lições que podemos tirar desses números?
A.R: A gente espera que essa situação seja transitória, mas sabemos que existe um número considerável de pessoas que estão há mais de dois anos nas ruas. São várias vulnerabilidades, educacional, de renda, de uso de psicoativos, tem também a questão da habitação. O que acontece é que muitas vezes a situação de rua é muito complexa, a pessoa prefere ficar na rua. O abrigo permanente não é uma boa solução e a gente precisa dar acesso a diversas políticas, mas isso é um pouco mais complexo.

F.V: Há o temor que esse número de pessoas em situação de rua há mais de dois anos possa aumentar?
A.R: A gente trabalha para que esse numero não aumente, mas não quer que isso seja transitório e passe a ser permanente. É importante que essas pessoas possam retomar sua autonomia e independência, mas tudo isso depende também da vontade da pessoa, tudo passa pela aceitação, por ela fazer adesão às políticas que são ofertadas. Tem um grupo que busca esse apoio, que aceita esse apoio e são feitos esses encaminhamentos.

F.V: E a relação com os municípios dentro desse trabalho?
A.R: É importante frisar que o Estado tem o papel de coordenar, promover capacitação e formação, monitorar, fiscalizar e cofinanciar os municípios, que são responsáveis pela execução das ações. Então, nós temos trabalhado com os municípios para aumentar o número de Centros Pop e de abordagem social, esses são os prioritários. Em relação a investimentos, o repasse foi ampliado de R$ 42 para R$ 44 milhões para serem divididos pelos municípios, de acordo com seu tamanho, necessidades e demandas. Esse recurso é utilizado para manutenção do serviço e do equipamento. Além disso, o Estado disponibilizou um valor de R$ 14 milhões para ser usado com foco na melhoria da infraestrutura. Esse recurso foi dividido entre os 78 municípios, para ser usado tanto para baixa quanto para média e alta complexidade. Então, são R$ 7 milhões para construção de Creas, Centros Pop e abrigos e outros R$ 7 milhões para ser usado em custeio e ações de baixa complexidade. É preciso destacar também que em todo o Brasil só nove estados financiam todos os municípios e o Espírito Santo é um deles, que fez repasse para todos os municípios, sem redução e atraso nessa entrega. Temos trabalhado também com protocolo de atendimento, trabalhamos na capacitação e melhoria do atendimento, e isso dá garantia e organização ao serviço. Por exemplo: durante o serviço de abordagem, a equipe identificou que um indivíduo fez uso de psicoativo, aí essa pessoa é abordada e se ela mostrar que tem interesse em fazer um tratamento já vai para as áreas da saúde e dos Direitos Humanos, que regula essa questão de drogas, e ela começa a receber todo o atendimento de psiquiatria, assistência social, etc. Mas, é preciso destacar que esse atendimento só pode ser feito se a pessoa quiser.

F.V: E o que a população, de um modo geral, pode fazer para auxiliar essas pessoas?
A.R: O Governo do Estado está fazendo uma campanha para que as pessoas tenham a informação e saibam qual serviço acionar para auxiliar essas pessoas. Essa campanha começa ainda esse mês e a participação da população é muito importante nesse processo. O serviço de assistência evoluiu muito. Temos hoje um conjunto de ações que visam a independência e a autonomia do indivíduo, mas a população precisa participar, a gente precisa ser ativo, se engajar na solução da diminuição do número de pessoas em situação de rua.

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