Polícia

Testemunha nega que jovens foram esfaqueados no Transcol após assalto

Segundo ela, o agressor começou a atacar os dois rapazes sem motivo aparente, logo que o coletivo onde eles estavam entrou no Terminal de Vila Velha

Crime aconteceu quando o ônibus entrou no Terminal de Vila Velha, na manhã desta quarta Foto: Divulgação

Uma testemunha que estava dentro do ônibus do Transcol onde Jhony Lima Fernandes, de 19 anos, e Saulo Ferreira Tavares, de 24, foram mortos a facadas, na manhã desta quarta-feira (04), em Vila Velha, garante que os dois jovens não cometeram assalto dentro do coletivo, o que teria provocado a confusão. 

Por meio de nota, as polícias Civil e Militar chegaram a divulgar a informação de que o crime teria sido cometido "após uma tentativa de roubo cometida pelos dois jovens dentro de um coletivo que estava embarcado no Terminal de Vila Velha".

A testemunha conta que costumava ver os dois rapazes nessa linha e que eles sempre mostraram ser pessoas tranquilas, que jamais cometeriam qualquer tipo de crime. Além disso, a testemunha estranha o fato de a suposta tentativa de assalto ter sido cometida justamente dentro do Terminal de Vila Velha.

"Se tivesse sido mesmo uma tentativa de assalto, eles não fariam isso logo na hora em que o ônibus estivesse chegando no terminal, onde há fiscais e outros funcionários. Certamente esse assalto seria cometido em um local com menos gente", ponderou.

De acordo com a testemunha, a agressão às vítimas foi gratuita, sem motivo aparente. "A viagem foi tranquila, não teve qualquer tipo de confusão. Quando o ônibus parou no terminal, comecei a ouvir uma gritaria, as pessoas pedindo para o motorista abrir a porta e vi que os dois rapazes desceram já feridos. Uma outra senhora disse que teve a blusa rasgada pela faca do agressor durante a confusão", relatou.

A testemunha disse ainda que o agressor, identificado como José Carlos Rodrigues, de 63 anos, estava com duas facas. "Uma das facas ficou presa no braço do rapaz de blusa preta. Ele ainda regiu após ser ferido, batendo no senhor com a mochila. Nesse momento, o homem pegou outra faca e atingiu o rapaz no peito", disse.

Após esse episódio, segundo a testemunha, funcionários do terminal abordaram o agressor e o empurraram contra a parede, fazendo com que a faca que ele tinha nas mãos caísse. "Nesse momento, outros passageiros foram para cima do homem, o derrubaram e começaram a agredir ele com socos, chutes e a pisar em cima dele, como se fosse uma cama elástica".

Agressor ficou estirado no chão do Terminal Vila Velha após ser agredido Foto: Leitor | WhatsApp Folha Vitória

A testemunha disse que José Carlos é conhecido nos terminais e já teria ameaçado motoristas, alegando ser policial civil aposentado. No entanto, a assessoria de comunicação da Polícia Civil negou que ele pertença à corporação.

Segundo a testemunha, os dois rapazes não estavam juntos e embarcaram em pontos diferentes. Já o agressor entrou no coletivo no Terminal de Carapina. "O que chamou a atenção é que o motorista abriu para o senhor entrar pela porta da frente, mas ele fez questão de entrar pela de trás", comentou.

O crime

Jhony e Saulo foram esfaqueados dentro de um ônibus do Transcol que faz a linha 508 (Terminal Laranjeiras - Terminal Itaparica), no momento em que o coletivo entrava no Terminal de Vila Velha.

De acordo com policias militares que atenderam a ocorrência, Jhony morreu na hora. Já Saulo foi encaminhado para o Hospital Antônio Bezerra de Farias, mas morreu ao dar entrada na unidade.

Ainda segundo os militares, o agressor apresentava sinais de embriaguez. Após ser agredido, ele foi levado para o Hospital São Lucas, onde está internado sob escolta policial. De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), o estado de saúde dele é estável.

A Polícia Militar informou que o caso está sob investigação da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e o delegado titular da Delegacia de Crimes Contra à Vida (DCCV) de Vila Velha, Ricardo Almeida, dará continuidade às investigações. Segundo a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), o delegado já começou a tomar depoimentos de testemunhas na DHPP.

Vítimas não se conheciam

Jhony (esquerda) e Saulo foram mortos a facadas dentro de um ônibus da linha 508 do Transcol Foto: Reprodução Facebook

Saulo Ferreira Tavares era morador de Jardim Camburi, em Vitória, recém-formado em flauta doce pela Faculdade de Música do Espírito Santo (Fames), estudante do sétimo período do curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e estagiário na galeria de artes da universidade. Segundo familiares, era um amante das artes e apaixonado pela vida.

"Não tenho palavras para explicar o que era meu filho. Era um filho obediente, estudioso, temente ao Senhor. As pessoas que viviam ao redor do Saulo eram atraídas pelo amor, pela arte que ele amava. Meu filho era um artista. Era uma pessoa do Senhor, tanto que o Senhor o recolheu", relatou a mãe de Saulo, a fisioterapeuta Sueli Tavares. 

Já Jhony Lima Fernandes era filho adotivo de uma família com mais cinco irmãos, morava em Vista da Serra I, na Serra, e trabalhava como vendedor. Amigos e familiares afirmam que ele era alegre e festivo.

"Ele foi uma vez à minha casa e, como sabia que minha mãe já tinha filhos do coração, então ele disse: 'mãe, você podia me adotar'. A partir daí começaram os contatos, ele passou uns dias na minha casa e foi rolando o processo de adoção. Sempre que a gente se juntava era uma festa. Uma festa que foi encerrada e que não vai acontecer mais, porque tiraram um pedaço da nossa família", lamentou uma das irmãs de Jhony, a técnica de enfermagem Ingrid Rodrigues Monteiro, de 30 anos. 

Segundo parentes e amigos, Jhony e Saulo não se conheciam. Mas o destino quis que os dois estivessem no mesmo lugar, na mesma hora e que fossem vítimas da mesma tragédia. Jhony tinha saído de casa, logo cedo, para mais um dia de trabalho em um shopping de Vila Velha. Já Saulo voltava para casa depois de uma consulta com o psicólogo.

Revolta nas redes sociais

Amigos e parentes dos dois jovens manifestaram nas redes sociais sua tristeza e revolta com o crime. Eles deixaram mensagens nos perfis de Jhony e Saulo no Facebook, demonstrando pesar aos familiares com o ocorrido e indignação com a violência.

Um dos amigos de Jhony, Edmilson Ribriro Santana, que seria seu namorado, fez diversas declarações ao rapaz, inconformado com a perda. Em um dos posts, Edmilson classifica a morte do rapaz como uma "crueldade sem tamanho". Ele se mostra indignado com a violência e com a banalização da vida.

Já no perfil de Saulo, alguns amigos pareciam não acreditar no que havia acontecido. Alguns, ao saberem que o rapaz estava morto, ainda tentavam entrar em contato, em vão, para saber se ele estava bem.

Amigo de Jhony fez um desabafo em seu perfil no Facebook Foto: Reprodução Facebook

 

Amigos de Saulo lamentaram a morte do rapaz em seu perfil na rede social Foto: Reprodução Facebook

Repúdio

O Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Espírito Santo (Sindipúblicos) divulgou uma nota, na tarde desta quarta-feira, manifestando indignação pelas "vulneráreis condições de (in) segurança pública a que estão submetidos todos que laboram e utilizam as dependências dos Terminais do Transcol". 

De acordo com o sindicato, é "incompreensível que, mesmo com ocorrências tais como, tráfico de drogas, assaltos, assassinatos e agressões, quase que diariamente noticiadas na imprensa, não sensibilize o poder público, que persiste na política equivocada de optar pela manutenção tão somente da segurança patrimonial, retirando a Polícia Militar".

O Sindipúblicos destaca ainda que o assassinato dos dois jovens no ônibus do Transcol, ocorrido na manhã desta quarta, reforça "que tal opção é inoperante para garantir segurança às milhares de vidas que circulam nesses espaços". Segundo o sindicato, os funcionários da Companhia de Transportes Urbanos da Grande Vitória (Ceturb-GV) já alertaram para o Governo do Estado, em diversos mandatos, sobre a necessidade do retorno da Polícia Militar. Entretanto, segundo o sindicato, "persistem ouvidos moucos".

A nota destaca ainda que "os terminais de integração da Ceturb-GV são espaços públicos merecedores de atenção do 'Estado Presente'". O sindicato finaliza solicitando que sejam imediatamente instalados Destacamentos de Polícia Militar (DPM’s) nos Terminais do Transcol, "entendendo que esta atitude do Governo irá contribuir para diminuir as ocorrências de crimes nestes locais".

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