Política

Anistia ao caixa 2 mataria a Lava Jato, diz coordenador das medidas contra a corrupção no Estado

Ercias Rodrigues de Sousa

Ercias Rodrigues de Sousa Foto: Divulgação/MPF/ES

A semana passada foi protagonizada pela discussão acerca da anistia ao caixa 2, articulada por deputados federais na Câmara para ser embutida junto ao projeto de medidas contra a corrupção, proposto pelo Ministério Público Federal (MPF) e endossado por mais de 2,4 milhões de pessoas. O relatório final ficou por conta do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que preservou a grande maioria dos pontos propostos pelo órgão ministerial.

A votação das medidas, e também do destaque que poderia anistiar o crime, aconteceria na última quinta-feira (24). Entretanto, após pressão da sociedade e também de partidos como REDE, PSOL, PHS, PV e parlamentares de outras siglas, o pleito foi adiado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para a próxima terça-feira (29).

Diante da ofensiva do Parlamento contra a criminalização do caixa dois, o Folha Vitória conversou com o procurador da República Ercias Rodrigues de Sousa, que coordenou o processo de coleta de assinaturas em prol das medidas contra a corrupção no Espírito Santo. Confira:

Folha Vitória: Como avalia o relatório final das medidas contra a corrupção, apresentados pelo deputado Onyx Lorenzoni?
Ercias Rodrigues: O substitutivo do deputado Lorenzoni em si, ele mudou algumas coisas do processo penal e outras não acatou. Não era ruim o relatório que foi aprovado. O problema começou com os três destaques que o PT levantou e 12 foram aprovados. Nos destaques começaram a surgir problemas porque um afastou completamente o teste de integridade. O teste como ficou, na última versão, não estava ruim. 

FV: O que achou das articulações em prol da anistia ao caixa dois?
ER: a madrugada inteira [de quinta-feira, dia 24, quando estava prevista a votação das medidas contra a corrupção] houve reuniões mais ou menos secretas tentando colocar a anistia, retroativamente, do caixa dois. Essa é outra questão mal entendida. Estão dizendo que se o Ministério Público diz no projeto que vai ser crime agora é porque não era crime antes. Mas isso não tem nada a ver. O que estamos querendo é que haja crime caixa dois. E crime de caixa dois. O que existe é o artigo 350 do Código Eleitoral que prevê fraude em contas. Quando o sujeito tem o caixa dois é uma fraude em conta. Então a gente incide no 350 e, além disso, se ele escamoteia esse caixa dois dá lavagem de dinheiro. O 350 e o de lavagem de dinheiro já existe. A Lava Jato inteira tá pegando os caras nesses crimes. Já existe isso. O que a gente quer é um tipo específico para caixa dois e lavagem de dinheiro eleitoral. E o que foi pra trás Tem lei. O artigo 350 e a lavagem de dinheiro. E aí o que marotamente fizeram: uma redação dizendo que toda e qualquer conduta passada fica anistiada. 

FV: A anistia livraria então todos os corruptos...
ER: A anistia praticamente mataria a Lava Jato. Uma parte considerável da operação cairia por terra e um monte de gente teria de ser solta. Alguém do mensalão que está cumprindo pena teria de ser solto, a delação da Odebrecht que está aí prometendo viraria um foguetinho. Com a anistia expressa, ela mata o artigo 350. As condutas que eram tais e quais deixam de ser crime? Qual crime? Os previstos no 350 e a lavagem de dinheiro. Se passar, do ponto de vista jurídico, não tem jeito. Vai soltar os caras, por isso que e grave. A questão da anistia é grave. 

FV: Caso eles consigam anistia ao caixa dois o STF pode tomar alguma medida?
ER: Acredito que não, pois o legislador é soberano. O STF só poderia tomar medida se a medida fosse inconstitucional. 

FV: E não é?
ER: Mas o legislador pode anistiar e falar que o que era crime não é mais. O legislador é dono dessa bola, não tem jeito. Não vejo a possibilidade técnica de reverter. A questão da anistia ao caixa dois é essencialmente política, não é jurídica. Agora é uma questão política séria. Se tiverem peito para fazer um negócio desse acho que vamos ter uma convulsão, porque as pessoas em geral podem não entender a questão técnica, mas a percepção do profano elas têm. Então eu espero que a sociedade civil se organize e converse com seus parlamentares para demonstrar que se o Parlamento fizer uma coisa dessa, não querendo se profeta do caos, atem uma possibilidade grande do povo se rebelar. Por muito menos que isso em 2013 se quebrou o pau. Porque seria clara demonstração de que o Congresso não está antenado com o que a sociedade quer.

FV: Tentam incluir junto às medidas contra a corrupção a possibilidade de juízes e membros do Ministérios Público serem processados por crime de responsabilidade. Como o senhor vê essa questão?
ER: O discurso político mistura as coisas e fica bem misturado, mas não podemos misturar, pois não somos políticos. O que achamos disso? Não somos contrários de que seja revista a lei de abuso de autoridade. A lei é antiga mesmo, a pena é baixíssima, tem que ser uma pena mais alta para todo mundo. Mas não no bojo dessas medidas e da forma que estão colocando para discutir em meia hora e aprovar. As medidas contra a corrupção estão lá há vários meses. Houve mais de 100 outivas de experts falando bem, falando mal, enfim, o relatório não era negócio de afogadilho. Agora querem colocar o crime de responsabilidade de afogadilho e a gente não aceita. Colocam é para anuviar a discussão, pôr fumaça, porque se você não tem bom raciocínio a fumaça é uma boa. Já quem tem raciocínio não quer nuvem. 

FV: Uma das medidas tiradas é a condenação em segunda instância, mas o STF é favorável. Como fica?
ER: Não altera muita coisa, pois o STF tem decisão erga omnes, com efeitos fora das partes, que chamamos de repercussão geral. STF decidiu que isso é assim então é assim e acabou, tem efeito vinculante. 

FV: Sobre a punição dos partidos em relação ao caixa 2, o relator diminuiu a multa que era de 10% a 40% do fundo eleitoral para de 5% a 30%. Acredita que houve perda considerável da proposta original?
ER: Ele achou que ia inviabilizar os partidos com a multa de 40%. Mas uma coisa que ele mexeu e que achamos que ficou ruim é o desvio para ser crime hediondo, que ele jogou para dez mil salários mínimos. Falávamos em 100 salários mínimos. 10 mil salários são mais de R$ 8 milhões. Então se você desviar R$ 5 milhões não é crime hediondo?  Achamos que não ficou legal.

FV: A criminalização do eleitor pela venda do voto não estava entre as medidas propostas pelo MPF, mas foi acrescentada pelo relator. O que achou da proposta?
ER: É um negócio legal. Até hoje o eleitor sempre foi alguém que a gente falava 'ah ele é vítima do sistema'. Mas não é. Ele é a formiguinha que faz com que o sistema seja corrupto. O corruptor só existe porque o cara aceita pilha de tijolos e a tábua para construir casa. 

FV: Qual balanço o senhor faz de todo esse projeto apresentado pelo MPF e endossado pela sociedade brasileira?
ER: Mesmo com essas derrocadas que já houve, é um grande avanço se a anistia não for aprovada. Quando o MPF propõe as medidas, leva para a sociedade e ela discute, rigorosamente o dono desa bola é o povo, é o cidadão. Aí as pessoas falam 'ah, mas vocês vão propor isso para um Congresso corrupto'. Mas não tem plano B, estamos numa democracia. Eles são o dono da bola. O que a gente precisa é construir a cidadania. Vejo isso como um progresso, é uma hora em que a entranha do Congresso está exposta, no que é bom e no que é ruim. E a construção  se dá nisso mesmo, quando o que é bom ou ruim é exposto. Então até esse desencanto, de ver como o Congresso funciona, vejo como construção. Não acho que existe uma solução fora da política.

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