Política

Renegociação de dívidas favorece estados quebrados e prejudica Espírito Santo

Eduardo Araújo

Foto: Arquivo Pessoal

A Câmara dos Deputados aprovou no último dia 20 de dezembro o projeto de lei que trata da renegociação das dívidas dos Estados com a União. A renegociação prevê o alongamento da dívida por 20 anos e a suspensão do pagamento das parcelas até o fim de 2016, com retomada gradual a partir do ano que vem. Foram 296 deputados favoráveis e 12 contrários.

Depois de muita negociação entre líderes partidários e governadores de estados bastante endividados, como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, os deputados concordaram em aprovar a proposta sem as contrapartidas apresentadas pelo governo federal.

Além de contrariar o entendimento da área econômica do governo Temer, que considera essencial medidas de corte de gastos e ajuste fiscal, a eliminação das contrapartidas também desagradou o governo do Espírito Santo e alguns parlamentares capixabas, que acreditam que o Congresso beneficiou Estados que não fizeram o dever de casa e que a medida pode agravar ainda mais a crise econômica brasileira.

Para entender melhor o assunto, o Folha Vitória convidou o economista Eduardo Reis Araújo. Além de ser presidente do Conselho de Economia do Espírito Santo, Eduardo é mestre em Economia pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e consultor do Tesouro Estadual da carreira da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz).

Folha Vitória: Em que medida a renegociação das dívidas dos Estados junto à União afeta o Espírito Santo que, segundo o governo, tem as contas equilibradas? 
Eduardo Araújo: A proposta de renegociação das dívidas dos Estados junto à União afeta o Espírito Santo porque setor público estadual também possui dívidas relacionadas à Lei nº 9.496. São cerca de R$ 1,2 bilhão em estoque. Então, a assinatura de termo aditivo pelas regras do Projeto de Lei da Câmara nº 257/2016 permitiria a redução no pagamento de despesas correntes com o serviço da dívida público. Seria possível uma transferência de compromissos do fluxo de caixa presente para o futuro. Há ganhos pequenos em relação à correção ao estoque atual das dívidas, porque a mudança no indexador só retroage apenas a contar de 2013 e também porque aqui temos, proporcionalmente, menos dívidas do que outras unidades federativas. De forma detalhada, o que temos é que a adesão ao Projeto permitiria um alívio maior no fluxo de caixa nos primeiros meses do próximo ano. Isso por conta de uma redução extraordinária prevista na parcela de pagamento, cujo desconto concedido pelo Governo Federal varia de 100% no primeiro mês até atingir 5% em junho de 2018. Esses descontos vão ser aplicados sobre parcelas da dívida, estimada em R$ 13 milhões por mês. Calculamos que esses descontos somariam R$ 120 milhões até o final do primeiro semestre de 2018. As regras também dão possibilidade de alongamento, para cerca de 18 anos adicionais ao atual prazo previsto para quitação. A redução do montante da dívida, que é o que mais interessa, ocorreria por conta da redução nas despesas de juros, com a mudança no indexador. A proposta é deixe de utilizar a regra de IGP-DI + 6% e passaria para IPCA + 4%. Redução do estoque também seria possível, retroativamente a janeiro de 2013, para os casos em que a variação taxa de juros da época tenha sido superior à taxa Selic.

FV: Há desvantagens?
EA: Há desvantagens, sim. É uma questão de ponto de vista. É claro que sob a ótica estrita das contas públicas estaduais somos favorecidos pelas regras de mudança de indexador. A redução no estoque da dívida é saudável para as finanças locais. Até mesmo o Espírito Santo, em menor proporção, está sendo beneficiado nesse ponto. Já quanto à possibilidade de se adiar o pagamento das dívidas temos o que se chama de trade-off na economia. Em outras palavras, os gestores públicos enfrentarão um dilema em ter mais recursos disponíveis no presente, porém a um custo financeiro maior no futuro. É porque o montante da dívida é transferido para gerações futuras com uma atualização monetária de IPCA mais juros de 4%. Então, é uma decisão que precisa ser tomada tendo em vista esse custo. Há também a questão da socialização das perdas. Porque esses benefícios que estão sendo concedidos pela União aos Estados acabam sendo pagos pela sociedade. Então, há uma desvantagem para os capixabas e para todos os entes com menor endividamento. Porque aqueles Estados que pegaram mais empréstimos no passado, certa maneira, recebem proporcionalmente mais subsídios em contrapartida ao ônus da rolagem da dívida pública para o país. 

FV: Em sua opinião a crise econômica pode se agravar mediante a esse socorro da União?
EA: Na verdade, penso que estamos adiando nosso processo de recuperação econômica. Estamos postergando a solução da crise fiscal, na medida em que oferecer socorro contribui para a deterioração das contas públicas federais. Quanto antes reduzirmos a curva do endividamento público no país mais possibilidades teremos em reduzir taxa de juros e, com isso, criar um ambiente propício para investimentos públicos e privados. Investimentos que são extremamente necessários para o país voltar a crescer.

FV: Alguns parlamentares defendem que Temer não cumpra o acordo aprovado pela Câmara. Como enxerga esse posicionamento?
EA: Acredito que o projeto será sancionado pelo presidente Temer e que haverá exigências de contrapartidas individuais, a cada ente, pelo Ministério da Fazenda na fase de assinatura dos termos aditivos do refinanciamento.

FV: A retirada de contrapartidas como aumento da contribuição previdenciária dos servidores, suspensão de aumentos salariais e de realização de concursos públicos, privatização de empresas e a redução de incentivos tributários deixou vários governadores, como Paulo Hartung, e parlamentares, como Ricardo Ferraço, indignados. Entretanto, ainda assim o presidente deve sancionar o projeto conforme o senhor citou. Acredita que foi a melhor alternativa a tomada pelos deputados? De tirar as contrapartidas...
EA: Não foi a melhor alternativa. A Câmara de Deputados acabou transferindo o problema para as Assembleias Legislativas e o Ministério da Fazenda. As contrapartidas eram necessárias para permitir o reequilíbrio financeiro dos entes endividados. Sem o ajuste das contas, o problema se transforma numa “bola de neve” e vai sendo transferido para gerações futuras. 

FV: Essas contrapartidas vinham sendo sistematicamente atacadas, sobretudo, por parlamentares da oposição e pelo meio sindical. Para eles, as contrapartidas provocariam um desmonte do estado social, já que se aliaria aos efeitos da polêmica PEC do teto. Os efeitos seriam mesmo graves?
EA: São medidas “duras”, mas que precisam ser tomadas. É natural que as discussões envolvendo o orçamento público afetam o interesse de toda a sociedade. São recursos que vêm do nosso próprio trabalho e que acabam sendo insuficientes para atender a todo conjunto de demandas sociais. Mas não há alternativa que não seja resolver o desequilíbrio financeiro do setor público. Nos próximos anos esse processo precisa envolver todos, porque certamente todas as categorias precisarão abdicar benefícios. Os debates são válidos para garantir que o ônus seja dividido, de forma proporcional, para todos. O importante é alcançarmos uma situação em que todos possam contribuir para o equilíbrio fiscal.

FV: O governo federal concordou em permitir que Estados bem afetados pela crise, como RJ, MG e RS, parassem de pagar parcelas da dívida e voltassem a receber verbas então bloqueadas pela União. Como vê essa medida? 
EA: É fato que Estados que sofrem de crise de liquidez precisam de suporte. É claramente perceptível que o projeto oferece um alívio no curto prazo para atrasos dos pagamentos mensais, sem o qual poderia haver colapso dos serviços básicos de educação, saúde e segurança dessas Unidades da Federação. Mas é necessário garantir que esses entes promovam ajustes nas contas públicas, sem o qual o problema é meramente transferido para o futuro. Defendo que entes públicos estaduais sejam tratados em condições de igualdade. Então, como a União está concedendo um benefício maior para as unidades federativas citadas, é preciso também medidas de compensação. É preciso sim compensar aqueles Estados que, por outro lado, mantiveram equilíbrio financeiro nos últimos anos. Porque, na prática, os entes com situação financeira mais equilibrados hoje são aqueles que precisaram abdicar-se de contratar empréstimos ou fazer investimentos no passado. Lembrando também que a União já acumula uma dívida histórica com o Espírito Santo. É importante nos unirmos para exigir contrapartidas do orçamento federal, que seja na forma de investimentos em infraestrutura, em magnitude proporcional ao montante de recursos federais arrecadados nas terras capixabas, e a esses benefícios financeiros concedidos a outras unidades federativas. 

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