CORONAVÍRUS

Saúde

Covid-19: além do vírus, sistema de defesa também pode afetar pulmão

Os pesquisadores concluíram que pacientes intubados e os que evoluíram para óbito "apresentaram significativamente mais sinais de ativação do NET" quando comparados a pacientes que não ficaram em estado grave ou com os que se recuperaram.

Foto: Divulgação/National Institute of Allergy and Infectious Diseases

Desde o início da pandemia da covid-19, cientistas do mundo todo tentam buscar respostas para os quadros mais graves da doença. Hoje, já se sabe que, a exemplo de outros vírus, o coronavírus desencadeia em uma pequena parcela dos pacientes uma resposta hiperativa do sistema imunológico, que por si só pode causar mais danos do que o próprio agente infeccioso em alguns casos.

Um estudo da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, publicado nesta semana na revista científica Blood — da Sociedade Americana de Hematologia — traz mais uma evidência de como a defesa do organismo tem potencial de resultar em danos severos e até aumentar o risco de morte em pacientes com síndrome respiratória aguda grave provocada pela covid-19.

Normalmente, quando temos uma infecção viral, como é o caso da covid-19, o corpo aciona uma série de mecanismos de defesa, como os NETs (na sigla em inglês, armadilhas extracelulares dos neutrófilos), que funcionam como uma espécie de teia para capturar o vírus.

Os neutrófilos são células da primeira linha de defesa (glóbulos brancos) e atuam principalmente contra bactérias e fungos, mas também combatem outros micro-organismos.

"O neutrófilo ativado pode liberar algumas substâncias de dentro dele como, por exemplo, material genético ou substâncias com ação anti-micro-organismos, que vão se juntar do lado de fora da células formando uma espécie de armadilha mesmo, uma rede. A ideia dessa rede é prender, tentar localizar o agente invasor para poder o sistema imune destruir com mais facilidade o micro-organismo", explica o médico hematologista Antônio Brandão, da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Benéfico para a maioria das pessoas, esse fenômeno, chamado de netose, é capaz de criar imunotrombose (coágulos sanguíneos causados durante um processo inflamatório) no pulmão de pacientes que já estão com a pneumonia viral, segundo a pesquisa.

"Se você tem um excesso, uma produção desregulada desses NETs, pode ter um aumento local da coagulação, em alguns casos até com formação de microtrombos no local. Pode acontecer em qualquer órgão, mas é principalmente observado no pulmão, que é onde o vírus vai estar causando mais resposta do sistema imunológico, porque a porta de entrada do vírus para o organismo é um receptor que fica principalmente nas células do tecido pulmonar", acrescenta Brandão.

Os pesquisadores concluíram que pacientes intubados e os que evoluíram para óbito "apresentaram significativamente mais sinais de ativação do NET" quando comparados a pacientes que não ficaram em estado grave ou com os que se recuperaram. A resposta imune do NET foi menor ainda em pessoas saudáveis.

Dessa forma, a "guerra" do organismo contra o vírus dentro do pulmão desses pacientes intubados os deixou ainda mais debilitados.

"As células de defesa que vão atacar o vírus e o próprio vírus geram uma inflamação no pulmão. O vírus causa dano direto no tecido do pulmão, o organismo tentando se livrar do vírus gera uma inflamação local, e em cima disso você pode ter uma ocorrência desses microtrombos. [...] Mesmo dando altas quantidades de oxigênio, pode acontecer de não ser suficiente para ultrapassar toda essa inflamação que fica atrapalhando a troca dos gases, além do próprio trombo. A inflamação pode gerar uma espécie de barreira entre o alvéolo o vaso [sanguíneo]. Se tiver microtrombo, pode dificultar mais ainda", destaca o hematologista.

Cientistas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), sob coordenação da professora Marisa Dolhnikoff, encontraram microtrombos na autópsia do pulmão de um paciente vítima da covid-19.

Em entrevista à Agência Fapesp, em abril, a pesquisadora afirmou que o "fenômeno certamente está associado a distúrbios de coagulação já descritos em pacientes que morreram em decorrência da covid-19".

"Existe uma correlação entre os sistema imunológico e o sistema de coagulação. Esta inflamação exagerada, às vezes, também causa uma ativação excessiva da coagulação. Isso já havia sido descrito em outras doenças pulmonares graves", acrescenta Brandão.

O principal desafio dos médicos em relação aos pacientes com covid-19 é não ter como saber quais deles correm risco de desenvolver os microtrombos. Não existem métodos de saber se existe excesso de NETs de forma rotineira, apenas em laboratórios para fins de pesquisa.

Pacientes infectados pelo novo coronavírus que entram em UTI podem, a depender da avaliação médica, receber medicamentos anticoagulantes em doses preventivas, justamente para tentar evitar que esses coágulos se formem. Mas há também cautela dos profissionais de saúde já que esse tipo de droga oferece aumento do risco de hemorragia.

Tempestade de citocinas

Cabe ressaltar que são cerca de 10% das pessoas infectadas pelo novo coronavírus que desenvolvem um quadro grave de covid-19. É neste percentual que um subgrupo pode apresentar quadros de hiperativação do sistema imunológico, com eventual agravamento pelos processos inflamatórios decorrentes disso.

Não são apenas as armadilhas extracelulares dos neutrófilos que quando ativadas em excesso podem causar efeitos colaterais. A chamada "tempestade de citocinas", que é uma resposta imunológica em determinados pacientes com covid-19, tem como característica inflamações em diversos tecidos e órgãos.

As citocinas servem como uma comunicação entre as células do corpo durante uma infecção. Quando um micro-organismo é identificado, elas sinalizam para as células de defesa para onde elas devem migrar.

"O grande problema da covid é que ela acaba hiperestimulando o sistema imune. Uma das complicações da hiperestimulação do sistema imune, além de matar o vírus — isso é óbvio, porque a ideia da imunidade é esta — ela acaba lesando o nosso organismo mesmo, causando uma reação, como se fosse uma reação cruzada, acaba destruindo tecidos nossos, vasos sanguíneos", observa o médico Moacyr Silva Jr., infectologista do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar e da UTI do Hospital Israelita Albert Einstein.

Em pessoas que esse tipo de quadro se manifesta, ele é frequentemente observado a partir do 7° dia, mas há casos em que surge depois, até no 14º dia após o início dos sintomas.

O infectologista acrescenta que outros vírus, como o da dengue, podem causar a mesma tempestade de citocinas e inflamações nos órgãos, como nos quadros de dengue hemorrágica.

Silva Jr. ressalta que um vírus completamente para o organismo pode criar uma resposta imunológica exagerada em determinadas pessoas.

"Querendo ou não, o vírus da gripe a gente já teve contrato, o corpo já sabe modular essa resposta [imunológica]. Então, ele não vai ser tão agressivo, não vai jogar uma bomba atômica para matar, vai ser um míssil. [Na covid-19] ele acaba jogando, em vez de um míssil, uma bomba atômica, aí acaba destruindo tudo o que está em volta."

É neste contexto que entra o anti-inflamatório dexametasona. Um estudo publicado no mês passado por pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, mostrou que ele é capaz de reduzir a mortalidade em 1/3 de pacientes graves infectados pelo novo coronavírus.

Em alguns hospitais, acrescenta o hematologista da BP, exames de sangue feitos em pacientes com covid-19 detectam os níveis de uma citocina importante (interleucina-6), o que auxilia os médicos na identificação das pessoas que podem estar em uma tempestade de citocinas e, consequentemente, no manejo de quadros inflamatórios graves.

"Do ponto de vista evolutivo, não são todos os pacientes que vão ter essa inflamação dos vasos exuberante. Pelo contrário, a grande maioria está aí viva, recuperada. Uma pequena parcela tem essa inflamação exacerbada, potente, que vai causar tudo isso", completa o infectologista do Albert Einstein.

FONTE: Portal R7

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