GESTÃO OPERACIONAL DO ESTADO – Carta ao Planalto

Ashampoo_Snap_2015.01.01_20h51m32s_009_No dia da posse da presidenta do Brasil, senhora Dilma, publicamos aqui no blog a terceira e última carta que o professor Falconi publicou no jornal on line da Folha de São Paulo. As duas outras anteriores já foram publicadas aqui no Blog Gestão e Resultados – recomendamos pesquisa e leitura atenta. 

Conhecido pelo seu importante trabalho na área da Gestão com reconhecimento no Brasil e vários  países no mundo, o professor Vicente Falconi tem uma trajetória de sucesso e realizações significativas no campo do conhecimento e projetos na área da Qualidade e Produtividade. 

Leia com atenção o texto a seguir que aborda a questão da Gestão Operacional do Estado:

Toda organização humana tem como premissa religiosa que a prioridade é o cliente. Pergunte a qualquer um e se repetirá o mantra: “Nosso foco é o Cliente!”

No entanto, na maioria das vezes, a realidade é bem diferente e os verdadeiros problemas de qualquer organização são a sua incapacidade de satisfazer, de fato, o cidadão, razão e objetivo de sua existência. Isto é verdade para empresas e para o Estado.

É óbvio que a prioridade absoluta do Estado deve ser uma “política orientada para o cidadão” E isso quer dizer, entre outros, boa saúde, boa segurança e boa educação. É também óbvio que, se nossos políticos soubessem e pudessem, eles promoveriam isso, até mesmo por interesse próprio, pois já é muito bem conhecido o fato de que há uma grande insatisfação popular nessa área.

Acontece que a máquina operacional do Estado não consegue responder a esta demanda por motivos já aqui expostos em artigo anterior dessa série. O Estado não consegue responder ao governo!

O que significa “boa educação”, “boa saúde” e “boa segurança”? O que é “boa” para um poder não ser para outro. Precisamos de indicadores simples e transparentes(ainda que imprecisos) que meçam numericamente o desempenho destes sistemas nas esfera municipal, estadual e federal. No caso da educação já temos o Ideb e o Enem, além do Pisa internacional.

A existência desses indicadores é uma vitória e um grande avanço para nosso país. Não interessa se esses indicadores são perfeitos ou imperfeitos ou ainda que possamos, no futuro, melhorá-los. Tudo é sujeito a críticas. O fato importante é que eles existem e estão movendo a máquina operacional da educação pública em seus três níveis, no sentido de melhorias contínuas.

Podemos não estar satisfeitos com a velocidade dessas melhorias na área da educação, mas não se pode negar que elas estão acontecendo e na direção certa.  Não temos a mesma certeza no caso da saúde e da segurança.

Recentemente nossa organização de consultoria investiu recursos próprios para delinear o que seria um “Sistema de Saúde” no Brasil. Vários especialistas, empresários e autoridades foram entrevistados e conseguimos fazer um mapa do Sistema e as interações entre as partes dos subsistemas operacionais de prevenção, correção, regulamentação e atividades privadas desde a indústria farmacêutica, hospitais, laboratórios e seguradoras. Foi um trabalho estressante mas conseguimos visualizar as interações entre as partes do sistema, como fluem as regulamentações, os recursos, os serviços e, principalmente, quais eram as verdadeiras fronteiras do Sistema de Saúde com o cidadão (Cliente!). Tendo em mãos este mapeamento do Sistema de Saúde pode-se então delinear as suas funções e por consequência os seus “Indicadores Principais” e os secundários, a partir dos quais os problemas do Sistema podem ser entendidos, analisados e resolvidos.

Gerenciar é resolver problemas ou atingir metas o que é o mesmo. Onde estão os verdadeiros problemas da saúde, educação e segurança? A resposta é:  junto ao cidadão! Se desejamos resolver os problemas de saúde temos que ir para as funções do Sistema de Saúde e perguntar se estas funções estão sendo cumpridas. O não cumprimento destas funções são as “Disfunções do Sistema” ou “Problemas” e o primeiro ataque deve ser sempre gerencial. Antes que haja uma sequência de esforços para conhecer estas funções, seus indicadores, levantar fatos e dados, entender os problemas, conhecê-los melhor por sua variação geográfica, temporal, tipo e sintomas, analisá-los e, a partir desta análise, estabelecer os Planos de Ação, não se pode falar em “recursos adicionais”. No entanto, o que mais temos ouvido de ministros que assumem este cargo é dizer, logo no primeiro dia, que precisam de dezenas de bilhões de Reais para resolver os “problemas da saúde” que, na verdade, não conhecem na profundidade necessária.

Somente para exemplificar o que seria uma ação gerencial na interface do Sistema de Saúde com o cidadão vou citar o caso dos Hospitais de Emergência. A maioria destes hospitais, senão a sua totalidade, está em crise e não consegue atender às demandas da população. Levantamos algumas informações e verificamos, por exemplo, que o “Tempo Médio de Permanência” do doente nestes hospitais era de 10 a 15 dias. Temos trabalhado com dezenas de hospitais particulares no Brasil e, em geral, o “Tempo Médio de Permanência” nestes hospitais é de 4 dias (em muitos casos menos!). Isto quer dizer o seguinte: uma atuação simplesmente gerencial nos hospitais públicos poderia, ao final de pouco tempo, pelo menos dobrar a capacidade de atendimento do subsistema hospitalar brasileiro sem nenhum investimento. Exemplos como este existem em várias frentes dos Sistemas de Saúde, Educação e Segurança. A solução dos problemas de um Sistema deve sempre começar por suas interfaces com o Cidadão e entrar no Sistema apenas em caso de necessidade. Por exemplo, só vou trabalhar um processo de aquisição de medicamentos se tiver impacto forte nos problemas prioritários que afetam o atendimento final do Cidadão. Da mesma forma, é óbvio que teremos que investir continuamente nos Sistemas de Saúde, Educação e Segurança, mas só poderemos fazer isto, de forma responsável, se for parte de um Plano de Ação decorrente de profunda análise de informações que garantam sua prioridade e seus benefícios à população. O que não podemos é investir em mais hospitais para que também tenham “Tempo Médio de Permanência” de 15 dias. Antes de investir temos que gerenciar!

Os verdadeiros problemas estão na fronteira dos principais Sistemas do Estado com o Cidadão. Os primeiros a atacar estes problemas devem ser as pessoas que ali trabalham. É trabalho para a Maquina Operacional do Estado. Falta domínio de conhecimentos em gestão para que isto aconteça!

Desejo-lhe um excelente Governo.

VICENTE FALCONI, 74, é sócio-fundador e presidente do Conselho da FALCONI Consultores de Resultado. Membro da Academia Brasileira da Qualidade – ABQ. Esta é uma das três cartas sobre a boa gestão endereçadas à presidente da República.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *