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Ivana Arruda Leite lança romance e se firma como voz independente

Redação Folha Vitória

No epicentro da crise que tirou Dilma Rousseff (PT) da Presidência, em abril de 2016, a escritora Ivana Arruda Leite promoveu um encontro em seu apartamento para cozinhar, ouvir música e beber, como sempre gostou de fazer.

A "confraternização" entre amigos, colegas de profissão e agregados, terminou em um intenso debate político e partidário, com dois convivas praticamente chegando às vias de fato. Aos 67 anos de idade, Ivana achou melhor dar um tempo nas festas e se dedicou a concluir o romance Breve Passeio Pela História do Homem (editora Reformatório), que tem novo lançamento nesta terça-feira, 15, em São Paulo.

De que lado Ivana estava na discussão? Do lado do bom senso e do debate civilizado, guiado por princípios como educação, respeito e liberdade de expressão. Mas aqui vão algumas pistas sobre o pensamento político da autora: ela é favor da reforma da Previdência e acha algumas privatizações necessárias. Ah, ela também defende as investigações da Lava Jato na linha do "doa a quem doer" e não acha Lula a "alma mais honesta" do País, como ele próprio se definiu em 2016.

Portanto, num ambiente literário dominado pelas correntes de esquerda, é impossível deixar de reconhecer a coragem de Ivana. "É ótimo que os artistas se manifestem sobre política. Eu só lamento que os petistas e lulistas se outorguem porta-vozes da categoria porque eles não são", diz Ivana, que defende ideias claras (e caras) e se define como uma "liberal", sobre tudo nos costumes.

Seu novo romance não surfa nas marolas "do golpe" que dominam o debate na literatura, no cinema, na TV, na música e nas artes plásticas nos últimos anos. Nem por isso deixa de ser atual e, sobretudo, independente, assim como a autora. A protagonista do romance (o terceiro dela) é Lena, uma paleontóloga que ministra um curso livre sobre a história do homem. A trama é ambientada na São Paulo atual e a narrativa alterna as histórias, entremeadas por contos. Há um sabor de autoficção, ainda que Ivana faça questão de considerar o gênero literário da moda "um sintoma de egocentrismo que virou uma epidemia". No final do livro, há, inclusive uma ode à ficção.

Porém, entre os traços mais evidentes de similaridade, está o fato de a protagonista ministrar cursos, assim como Ivana, que atualmente ensina aspirantes a escrever e a cortar palavras em aulas sobre escrita de ficção. "Meu foco neste romance é a mulher, uma de 75 que perdeu o marido para uma de 20", conta Ivana, uma das pioneiras na já longa safra de autoras que elegeram os temas relacionados ao feminino ao feminismo como o coração de seus trabalhos. E neste ponto também outra marca da independência de Ivana. A mulher na obra dela não transforma a causa do feminismo numa militância acima de qualquer ponto de vista. Como antídoto à tentação da pregação, humor e inteligência são destacados numa prosa precisa e cortante. "A mulher de meu livro não é politizada no sentido chato. A militância dela é pela liberdade", diz a autora.

Foi assim desde seu primeiro livro Falo de Mulher (editoria Ateliê), uma seleção de contos que situou Ivana na chamada "Geração 90", grupo de autores paulistanos do qual fazem parte Marcelino Freire, Nelson de Oliveira (que estará hoje do evento de Ivana) e Andrea Del Fuego, entre outros.

Foi a primeira publicação de Ivana, então com 50 anos. "Eu escrevo desde os 14 anos. Nos anos 70, eu era totalmente uma outsider que queria ser publicada, mas não conseguia. Então, fui tocando minha vida paralelamente." Ivana se formou em Ciências Sociais e entrou na administração pública da cidade de São Paulo na gestão Luiza Erundina (1989-1992). Fez carreira no Campo Limpo, periferia da zona sul, até se aposentar na gestão Fernando Haddad (2013-2016).

"Sempre trabalhei esperando o dia da aposentadoria para poder me dedicar integralmente à literatura. Muitos amigos escritores dizem que invejam a minha aposentadoria. Eu respondo que eles jamais conseguiriam ter aguentado o que aguentei no serviço público."

Depois da estreia tardia, em 2001, Ivana não parou mais de publicar, com destaque para Hotel Novo Mundo (Editora 34) e Alameda Santos, (Iluminuras), ambientado no Brasil da década de 80, da morte de Tancredo Neves e da eleição de Fernando Collor.

Sobre este mais recente trabalho, o escritor Nelson de Oliveira disse: "Este romance poderia ser um grito angustiado contra a morte e a falta de sentido da vida. Mas passa muito longe disso. Sorte nossa. O que mais me agrada na literatura de Ivana Arruda Leite é a serenidade. Seus personagens caminham muito perto do abismo trágico, mas jamais escolhem cair".

ENCONTRO COM LEITORES

Livraria Zaccara. R. Cardoso de Almeida, 1.356, 3384-0908. Hoje, 19h30. Com Nelson de Oliveira e mediação de Marcelo Nocelli

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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