Trajetória do cineasta Juan Orol é retratada em longa
São Paulo - Juan Orol teve vida de aventureiro. Nasceu na Espanha, tentou a sorte em Cuba e depois no México, como auxiliar de cabaré, jogador de beisebol e lutador de boxe, toureiro e piloto de automóveis, quebrando a cara em todas essas modalidades. Por fim, resolveu dedicar-se ao cinema e transformou-se no mais famoso produtor e diretor de filmes B (ou C, talvez) mexicanos, assinando títulos como Eterna Mártir (1937), Mujeres Sin Alma (1934) e Madre Querida (1950) entre muitos outros. Cinquenta e sete longas-metragens, no total.
O melhor da história é que o tipo de fato existiu. O nome Juan Orol pode ser encontrado nas enciclopédias de cinema, nas quais consta também seu nome de batismo - Juan Rogelio García y García, nascido em Ferrol, província da Galícia, Espanha, em 1897. Essa é a história que conta o diretor Sebastián Del Amo em O Fantástico Mundo de Juan Orol, título que nada tem de exagerado. A vida de Orol foi mesmo fora do comum, como a de tantos pioneiros do cinema.
A decisão de dar a essa biografia tom de farsa se mostra acertada. Tão rocambolesca é a trajetória do galego que descrevê-la em tom documental, ou mesmo num docudrama convencional, seria traí-la. Melhor ceder à imposição do próprio material e dar-lhe um ar levemente fantástico e bufo.
A vida do futuro produtor e cineasta é descrita desde a sua infância na Galícia, onde a mãe, querendo casar-se de novo, vê no menino um estorvo. Livra-se dele enviando-o a Cuba, com a vaga informação de que lá haveria parentes a esperá-lo.
Logo o menino descobre que deverá se virar por conta própria, o que para um tipo desenvolto como ele não trará grandes dificuldades. Orol, desde jovem, tem a faculdade de encantar as mulheres e estas, se bem escolhidas, servirão para subir na vida, embora tirem-lhe a escada repetidamente, e quando ele menos espera.
O recurso narrativo para contar a vida tem como polo o interior de um cinema decadente, onde um envelhecido Orol vê um dos seus sucessos de outrora ser assistido por meia dúzia de gatos pingados. Para matar o tédio, o projecionista puxa conversa com o idoso e se encanta quando este lhe diz que se casou com cinco atrizes do cinema, entre elas a deusa cubana Maria Antonieta Pons. Orol passa a contar sua vida para o projecionista e, obviamente, para nós.
É uma vida de cinema, claro, e em período e lugar muito específicos. De acordo com a história, Orol (Roberto Sosa) era casado com a filha de um general mexicano, que incumbiu o genro de filmar um fuzilamento. Seria nessa ocasião pouco inspiradora que o futuro cineasta tomou contato com a máquina de filmar, que o encantou e definiu sua futura profissão.
E, sim, há o México dos anos 1930 e 1940, pátria do melodrama, com sua violência endêmica, mas também seu romantismo tempestuoso, feito de tiros, ciúmes mortais, vinganças sibilinas, tequila, mulheres geniosas e boleros fatais. Há muita maraca e bongô na vida de Orol, assim como mulheres voluptuosas e ambiciosas, de cinturas finas, seios fartos e intensas cabeleiras negras, que o acompanham na ascensão e viram-lhe as costas no descenso. Ele nunca desiste. E, em meio a mágoas de amor, e a exaltação de novas paixões, vai fazendo filme após filme e, neles, desenvolvendo não apenas um estilo próprio, mas um gênero em si.
Pode-se dizer que constrói uma obra, na qual recicla gêneros e os adapta à temperatura local, criando a modalidade "gângster tropical", e obtendo, aos olhos da intelectualidade, o título de "surrealista involuntário". Qualquer que seja o juízo crítico sobre a qualidade dos seus filmes, o fato é que Orol faz parte da história do cinema mexicano. Escreve a pesquisadora Silvia Oroz, autora de Melodrama - O Cinema de Lágrimas da América Latina: "Seu nome é parte inseparável da história do cinema sonoro mexicano". A estudiosa destaca que Orol se valia da proximidade entre o melodrama cinematográfico e o rádio teatro para realizar um cinema de baixo custo, porém eficaz, e que falava aos sentimentos do público. No filme, Orol comenta o veredicto de um crítico sobre um dos seus lançamentos: "Malo, pero taquillero" (Ruim, mas bom de bilheteria), dizendo que esta não era uma crítica de todo negativa.
De fato, nesse cinema popular, o que importa é satisfazer as aspirações do público. Há uma cena engraçada do encontro entre Orol e o cineasta Emilio "Índio" Fernandez que, bêbado como sempre, o desafia para uma briga. Após algumas tequilas, resolvem, pelo contrário, unir forças. Índio Fernandez era famoso pelas histórias de "charros" (caubóis); Orol por seus gângsteres tropicais. Por que não juntá-los? Nasce, assim, o psicodélico Gângsteres contra Charros, de 1947.
A vida de Orol não é composta apenas de episódios engraçados ou folclóricos. Sofreu com o abandono da mãe e, depois, com as sucessivas separações das mulheres que descobria, com as quais se casava e transformava em estrelas. Era uma vida de rupturas. Dessa matriz de desgosto, conclui Silvia Oroz em seu livro, nasceu essa extraordinária "propensão ao sentimentalismo e à nostalgia pela família", que encontrava na estrutura do melodrama a fôrma ideal.
A história toda encanta ao nos mergulhar num mundo do cinema em que tudo era feito de maneira mais ou menos selvagem, em contraste com o atual sistema burocratizado e de certo modo asfixiante. Há certa nostalgia aí, em todo semelhante àquela às vezes devotada à Boca do Lixo paulistana. Era quando a produção do cinema era vivida mais nos bares e cabarés, entre fumaça, bebida e mulheres, do que no carpete e ar condicionado dos burocratas e diretores de marketing. Tudo somado, é daquele ambiente mais respirável que se tem saudades e não dos filmes em si. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.