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Mostra destaca as raízes do abstracionismo de Wassily Kandinsky

Redação Folha Vitória

São Paulo - Entre manchas alaranjadas e azuis, "distinguem-se contornos de rochas e as figuras da princesa e do cavaleiro derrotando o dragão" - diz a legenda de São Jorge, uma das primeiras pinturas abstratas do russo Wassily Kandinsky, datada de 1911. Ao lado dela, vê-se também no quarto andar do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de São Paulo uma têmpera sobre madeira do século 16 com a representação do santo que, antigamente, era tanto padroeiro dos príncipes russos como protetor dos pecuários e lavradores. "As cores da obra de Kandinsky são referenciais ao ícone", afirma Evgenia Petrova, do Museu Estatal Russo de São Petersburgo. No início do século 20, quando o artista formulava a sua teoria da abstração, completa a curadora, ele voltava-se para a tradição pictórica de seu país.

Entretanto, não apenas os ícones bizantinos (pinturas de imagens sacras) influenciaram Kandinsky (1866-1944) em seu caminho para o abstracionismo. As fortes tonalidades e formas dos objetos de arte popular da Rússia podem ser reconhecidas em suas criações, assim como arcos, flechas e conceitos dos rituais xamânicos do norte da Mongólia atraíram o artista e "etnógrafo" que escreveu uma das mais importantes referências da história da arte do século 20, o livro Do Espiritual na Arte, de 1911. Há, ainda, a música (e o diálogo com o compositor austríaco Arnold Schönberg) como elemento primordial das experiências artísticas do russo, um dos fundadores do grupo O Cavaleiro Azul, em Munique, e professor da Bauhaus alemã. Todos esses temas e questões vão se desdobrando no percurso da exposição Kandinsky: Tudo Começa num Ponto, que será inaugurada na terça-feira, 7, para convidados, e na quarta-feira, 8, no CCBB paulistano.

"Normalmente, as exposições de Kandinsky são muito centradas em suas próprias obras. Essa o coloca dentro do contexto de suas influências", explica Evgenia Petrova, que assina a curadoria da mostra com Joseph Kiblitsky. Funcionária há mais de 30 anos do Museu Estatal Russo de São Petersburgo, ela diz que é a primeira vez que um conjunto significativo de obras da instituição, cujo acervo conta com cerca de 400 mil peças, fica tanto tempo fora de seu país.

Afinal, a apresentação de Kandinsky: Tudo Começa num Ponto em São Paulo, com mais de 150 trabalhos do artista e de seus contemporâneos (Pável Filónov, Aleksei Georgievich Jawlansky e Gabriele Münter, uma de suas mulheres), além de objetos da cultura russa (procedentes também de museus e coleções europeias), marca 11 meses de itinerâncias da exibição pelo Brasil - depois de passar por Brasília, Rio e Belo Horizonte, a exposição, já visitada por 900 mil pessoas, encerra sua temporada.

Sentimento

A exposição, projeto apresentado ao CCBB por Rodolfo de Athayde, diretor da Arte A Produções, e orçado em R$ 7 milhões, percorre a trajetória de Kandinsky entre o fim do século 19 e a década de 1920, quando o artista, que já havia vivido na Alemanha, decide, decepcionado com o regime socialista, deixar de vez a Rússia. "Depois de sua saída para a Europa e, sobretudo, depois de seu período na Bauhaus, seu estilo acabou sendo profundamente modificado", afirma a curadora.

Das experiências iniciais do russo como pintor, destaque para suas paisagens figurativas - desde Igreja Vermelha, de 1901, até o óleo sobre cartão Murnau, Paisagem Estival, de 1909, composição pré-abstrata, feita com áreas de cores berrantes - e suas belas xilogravuras dos anos 1910. Das pinturas abstratas de Kandinsky, estão presentes o São Jorge de 1911, e criações como Improvisação 11, de 1910, Crepuscular, de 1917, Quadro com Pontas e Dois Ovais, de 1919, e No Branco, de 1920 - este último, mais puro, e apresentado também em diálogo com o ícone bizantino São Nicolau com 'A Vida dos Santos', do século 17.

"A abstração muito específica de Kandinsky, repleta de narrativas, está diretamente relacionada com o que ele conta em Do Espiritual na Arte, no sentido de que é possível traduzir cada sentimento, cada pensamento através da composição e da cor", diz Evgenia Petrova. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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