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Mostra Mundo Árabe chega à 11ª edição

Redação Folha Vitória

São Paulo - Consolidada no calendário cultural de São Paulo, a Mostra Mundo Árabe chega à 11.ª edição com o objetivo declarado de contemplar o tema do tempo e da busca por imagens em que o passado irrompe de forma intempestiva. "Esse olhar dos cineastas é essencial para a criatividade política de que necessitamos atualmente", explica o curador Geraldo Adriano Godoy de Campos. Para a abertura do evento, nesta quarta, 10, ele selecionou o longa Os Homens de Argila, de Murad Boucif, com Jawad El Boubsi. O diretor e o ator chegaram nessa terça, 9, pela manhã à cidade. Possuem ascendência marroquina. Murad contou como foi difícil montar a produção. Foram 12 anos até a conclusão do projeto. "Ninguém queria saber de um filme contando como os norte-africanos libertaram a Europa, no fim da 2.ª Guerra, principalmente no momento atual, quando os magrebinos são demonizados por causa dos ataques do terror", conta o diretor. "Finalmente, minha mulher e eu decidimos fazer o filme de qualquer jeito. Só de filmagem foram seis anos. Em vários momentos, tentávamos captar hoje para filmar a cena de amanhã."

Se fosse um filme pequeno, não haveria problema. Mas um filme grande, de guerra, com cenas de batalhas? "Os filmes que denunciam a guerra, como Glória Feita de Sangue, de Stanley Kubrick, e O Resgate do Soldado Ryan, de Steven Spielberg, exigem recursos, porque você tem de mostrar a carnificina. No nosso, a guerra é vista de ‘dos’ (de costas), no microscópio. Quanto mais falava com os veteranos, na fase de preparação, mais me dava conta de que devia ser assim mesmo. Não é um filme sobre o heroísmo na guerra, é mais sobre o anonimato." E Murad Boucif cita sua grande referência, Terrence Malick. "Não quis fazer um filme no estilo dele, porque é um autor único, mas queria que a natureza fosse minha primeira personagem e que o filme atingisse uma transcendência", explica.

Os Homens de Argila é sobre um jovem marroquino que é recrutado para integrar as forças francesas que se uniram aos aliados contra os nazistas. Como ele, foram 950 mil africanos das colônias que participaram da epopeia da 2.ª Guerra. Parte dessa história já foi contada por Rachid Bouchareb em Indigènes, que passou em Cannes e provocou o repúdio das associações de veteranos franceses, que se recusam a admitir o papel dos egressos das colônias no combate ao nazismo. "Preconceito e xenofobia permanecem fortes na Europa", diz o ator Jawad El-Boubsi. Com 29 anos, parece ainda mais jovem ao vivo. Começou jogando futebol, e por isso está feliz de estar no Brasil. "Pelé!", cita o nome com entusiasmo. Espera poder ir a um estádio com Murad. Jawad faz teatro. Foi seu primeiro filme e Murad o fez passar por um duro treinamento. "Me fazia caminhar ao sol carregando uma mochila pesada." O desconforto físico ajudava na construção da psicologia do garoto tirado do seu meio e lançado numa guerra que não entende. "Os ‘indigènes’ eram usados como bucha de canhão e discriminados pelos demais soldados, que se sentiam superiores. Conheço esse sentimento. Olhe para mim, sou esse cara franzino, normal, mas os produtores e diretores só querem me chamar para papéis de durões e criminosos. Não é fácil superar o clichê."

Murad faz cinema para celebrar a diversidade cultural. Considera-se um produto dessa diversidade e reclama do poder econômico que quer fazer do cinema uma ferramenta para a manutenção do status quo. "Acredito que eventos como esse (a Mostra do Mundo Árabe) são importantes e necessários para fazer avançar a discussão sobre os problemas do mundo real e estabelecer o diálogo. O radicalismo se alimenta da discriminação e do preconceito, que geram insatisfação e ódio. Existe um público interessado na diversidade (e ele se entusiasma ao saber que a cidade abriga também uma mostra de cinema coreano. Murad ama Kim Ki-duk), mas o capital só pensa em ‘businéss’ e lucro. Só os poetas e os loucos ainda acreditam no humanismo." Jawad, que ouve o que ele diz, arremata - "Esse cara (Murad) é um tremendo poeta." A poesia manifesta-se na luz de Os Homens de Argila. "É como se ela emanasse das pessoas", diz o diretor. "No mundo sombrio, a luz tem de vir das pessoas. E tento não discriminar. O filme não é maniqueísta. Nós, as vítimas, contra o mundo. Até o comandante nazista tem sua aura."

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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