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Argentino que jogou no Boca hoje chora por defender Brasil no hóquei na grama

Redação Folha Vitória

Rio -

Ex-companheiro do são-paulino Chavez na base do Boca Juniors, Joaquin Lopez quase foi preso na final da Copa do Mundo de 2014. Ao tentar furar a barreira policial e se aproximar do Maracanã aproveitando-se do córrego por baixo de um viaduto, foi capturado. Na lábia, trocou a ida à delegacia por 50 flexões e assistiu à final na TV de um bar ali perto. Na Olimpíada, a camisa 8 da Argentina vai ficar guardada. Agora, é a bandeira brasileira que faz o jogador de hóquei sobre a grama rir e chorar.

Quando o hino tocou e a bandeira brasileira começou a ser hasteada na cerimônia de boas vindas ao Time Brasil na Vila dos Atletas, domingo, Joaco era, possivelmente, o membro mais improvável da delegação. Um sonhador argentino que veio ao Rio de ‘Xaneiro’ com a mochila nas costas para tentar disputar a Olimpíada por um país que não era e talvez nunca viesse a ser o dele.

Não é difícil entender porque Joaco chorou. Ainda que siga achando que Maradona foi melhor do que Pelé, ele tem todas as características que o fazem se reconhecer brasileiro. Mais do que isso: carioca. Do tipo de malandro que, durante a Copa do Mundo, sublocou seu apartamento na Nossa Senhora de Copacabana para tanta gente “mais gringa” do que ele, que, com o dinheiro arrecadado, passou um ano vivendo no bem bom.

A história de Joaco com o Brasil começou pela irmã, Belen, que viveu um amor de verão de cinco anos com o carioca Valber. Foi o ex-cunhado que deu a ideia maluca: vir ao Rio e tentar disputar a Olimpíada como jogador de hóquei da seleção brasileira. “Você vai ser o Messi do hóquei brasileiro”. Era julho de 2013. Nas contas de Joaco, ele teria a cidadania depois de três anos como residente no Brasil. Dava tempo.

“Sempre fui muito desorganizado, gosto de viajar, de não fazer planos, mas pela primeira vez na vida eu me organizei. Foi um cálculo de três anos para ter ao menos um respaldo.”, conta. Chegou e encontrou outro argentino, o papa, no Rio para a Jornada Mundial da Juventude. “Falei: 'C… isso aqui (o Rio) é muito f…'”.

Só que o Rio do seu amor de verão não era o Rio que o recebeu: a zona Norte. Após um mês e meio no Irajá, conseguiu uma vaga em uma república em Copacabana e um emprego de garçom. Não haveria um lugar mais propício: no Sem Vergonha. É que o bar é exatamente em frente ao seu apartamento. Como tantos sonhadores que são garçons fora de casa, aprendeu não só a servir clientes, mas também a falar o português. “A maioria dos brasileiros têm muita paciência. Me ajudaram muito”, recorda.

Sem vergonha, Joaco entrou na equipe do Carioca Hockey e já em 2014 passou a receber Bolsa Atleta - não há impedimento para pagamentos a estrangeiros, desde que atinja o critério de ser ouro, prata ou bronze no Campeonato Brasileiro. Pediu também para treinar com a seleção, mas não foi atendido. Era argentino, afinal.

Mas não seria esse empecilho a atrapalhar o sonho do menino crescido em Neuquén, perto de Bariloche. Defendia o time de futebol do Independiente Neuquén quando, aos 11 anos, o clube montou também um time de hóquei sobre a grama. Habilidoso com os pés e com as mãos, jogava como meia-esquerda nos dois campos. Chegou à seleção de base da Argentina no hóquei sobre patins, quando recebeu o convite para defender o Boca Juniors no futebol.

“Treinei por cinco meses com a equipe juvenil do Boca. Eles queriam me inscrever, mas meu passe era do Independiente Neuquén, onde eu não jogava mais futebol. Como não conseguiram, acabaram me emprestando”, lembra Joaco, torcedor do Racing. O primo Leandro Marin jogou até recentemente entre os profissionais do Boca.

Tivesse um pouco mais de disciplina e uma alma menos inquieta, poderia ter também ele se tornado jogador de futebol. Tivesse menos disciplina e uma alma mais inquieta, não estaria na Olimpíada. Os pais foram contra a aventura de se mudar para o Rio, mas depois entenderam a decisão. Ao pai, falecido no começo do ano, prometeu que realizaria seu sonho. Sempre foi "testa dura", afinal.

Para alcançar o objetivo, não mediu esforços. Fez até o impensável para um cara de espírito livre como ele: casou. Conheceu Daniele em 2014, por meio de uma amiga em comum, uma argentina jogadora de hóquei. Assinou os papeis no ano passado, para agilizar a documentação, e há quatro meses eles moram juntos. Após ler a história da húngara que forjou um casamento para defender o Brasil na esgrima, Daniele avisou, brincando, que agora ele come na mão dela.

A origem argentina não faz de Joaco menos brasileiro. Em um grupo que tem cinco jogadores de dupla nacionalidade criados na Europa, a quem chama de “gringos”, é ele quem melhor se dá com os companheiros. Joaco não tem sangue, mas tem o espírito brasileiro. Dois anos depois de cantar que "Maradona és mejor do que Pelé", cantou o hino nacional à capela com o restante do Time Brasil. E chorou.

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