Lisca mira 'se firmar entre 12 grandes' e vê duplo efeito de apelido folclórico
"Palmeiras e Grêmio estão mostrando mais estrutura de time. Já Internacional e São Paulo são trabalhos novos, de reestruturação"
Nos próximos dias, é capaz de Muricy Ramalho receber um telefonema inesperado. Do outro lado da linha, estará Luiz Carlos Cirne Lima de Lorenzi, o Lisca Doido. Recentemente, o agora comentarista esportivo disse em um programa de TV que o técnico do Ceará era bom, mas seu jeito não o levaria muito longe. "É muito bom treinador, só tem de acabar com esse negócio de louco", opinou Muricy.
Não que Lisca não goste da segunda parte do apelido que o tornou personagem querido no futebol, principalmente dos torcedores das equipes que dirige. O problema é ser visto apenas da forma folclórica, pejorativa. "Chamou a atenção, porque o Muricy é um cara renomado e comentou isso. Vou ligar pra ele", promete.
Alucinado por futebol, mas também por qualquer esporte que esteja passando na televisão e do qual possa tirar conceitos táticos para aplicar no seu trabalho, Lisca, de 46 anos, é do tipo metódico. Diz que acorda às 6 horas da manhã desde os 10 anos. Em Fortaleza, isso significa correr na praia e dar um mergulho antes de pensar no Ceará, que luta para se manter na Série A do Nacional.
Lisca vive solitário, já que a mulher, Danielle, e as filhas Giovanna, 12 anos, e Antônia, 9, moram em Porto Alegre, cidade onde iniciou a trajetória, treinando as categorias de base do Internacional. Lisca não foi jogador. Nas horas vagas, estuda. Lê, assiste, escuta. E fala, muito, sem freios, como nesta entrevista ao Estado.
Até que ponto ajuda o lado engraçado de ser o Lisca Doido, e até que ponto atrapalha na sua ascensão como treinador?
Lisca - Depende muito de quem está recebendo a mensagem. Tem o Lisca Doido superpositivo, que as crianças gostam, a torcida tem empatia, que é doido por aquilo que faz, apaixonado pelo trabalho. Mas tem o lado pejorativo. Acompanho os programas, alguns colegas teus que nem conhecem o que acontece, mas o negócio do Doido vira um adjetivo pejorativo.
Tem superstição ou mania?
Lisca - Sou treinador desde 1990, já ganhei de um jeito, perdi de outro, usando o mesmo tênis, dando ré com o ônibus, três pulinhos... Já foram tantas vitórias e derrotas de tantas maneiras. Em alguns jogos, fico mais agitado. Em outros, dou uma meditada antes, tento relaxar.
Costuma apelar mais ao aspecto emocional ou tático nas preleções?
Lisca - Depende do momento. Em alguns casos, posso trabalhar mais o emocional. Mas a preleção é o resumo final da preparação para o jogo, da parte tática. É preciso cuidado para o jogador não receber muita informação. A parte mental entra também, dependendo da situação, como quando é necessário acender o botão da competitividade do time.
Gosta de utilizar citações de livros, por exemplo?
Lisca - Frequentemente. Eu uso livros do Phil Jackson (técnico campeão 11 vezes na NBA). Gosto muito de Onze Anéis e Cestas Sagradas. Fala sobre compaixão, coração, mas tem um enfoque diferente do esporte de alto nível. Ele dá um padrão para os atletas, mas eles podem criar coisas diferentes em cima disso. Acho interessante no futebol não robotizar o jogador. Uso isso do basquete.
Gosta da tática do basquete?
Lisca - Gosto, mas também gosto de futsal, de rúgbi. No rúgbi, você usa os passes laterais, mas sempre em progressão. O futebol mudou muito, o sistema defensivo evoluiu.
Você tem uma trajetória rara, pois nunca jogou profissionalmente. Como foi sua formação?
Lisca - Eu vim de uma família com mais condições. Quando fiz 17 anos, fui fazer Educação Física para mexer com esporte. Acabei sendo convidado para um estágio nas escolinhas do Inter. Isso mudou minha vida.
O que pensa sobre o cenário político atual, de intensa polarização, opiniões extremadas...?
Lisca - Está tudo muito extremado. Não acho legal isso. Já me envolvi mais com política, quando tinha uns 18, 22 anos. Acreditei muito no PT, mas me decepcionei. Eu era meio contestador, queria uma mudança, mas que no fim das contas não aconteceu. Só se vê roubalheira em tudo no Brasil.
Você se considera alguém de direita ou de esquerda?
A tendência é ser de esquerda, mas não consigo mais comprar o que o Lula (ex-presidente Luiz Inácio da Silva) vende. Ele foi minha decepção.
Tem opinião formada sobre a legalização da maconha?
Lisca - Acho um assunto complicado. Tem o exemplo do Uruguai, que deu uma funcionada num primeiro momento, mas no segundo se viu que não diminuiu tanto assim a violência e acontece um monte de situação envolvendo a saúde. É um assunto que precisa ser discutido, mas do jeito que está o tráfico no Brasil, fica difícil.
Você ainda é novo. O que planeja para o futuro na carreira?
Lisca - Estou deixando acontecer. Meu sonho é me firmar no mercado dos 12 maiores clubes do País. Seria uma realização pessoal, profissional, sinal de que vou estar bem. Fiz todo o caminho, passei por todas as divisões de base, depois profissional... Essa é a melhor preparação que o treinador pode ter, vai te dando estrada, vivência, know how. Não posso reclamar, sou realizado. Pretendo fazer um curso da Uefa intensivo em Portugal, já andei pesquisando. Talvez, no meio do ano que vem, eu vá.
Qual time, do Brasil ou do exterior, mais lhe agrada?
Lisca - Gosto de ver o City, do Guardiola. A Juventus de Turim, sou apaixonado! Se um dia pudesse escolher qual clube gostaria de treinar, diria esse. Desde pequeno, meu vô tinha uma paixão grande. Gosto de ver Grêmio, Bayern de Munique...
Quem são suas referências como treinador de futebol?
Lisca - Gosto do Abel (Braga), é referência de profissionalismo com caráter. O futebol é um meio complicado, mas o Abel é exemplo. O Mano (Menezes), é um cara que respeito. Em 2000, ele era do juvenil do Inter, eu do juniores. É um cara que sei de onde veio e como cresceu na profissão.
Quem será o campeão brasileiro?
Lisca - Palmeiras e Grêmio estão mostrando mais estrutura de time. Já Internacional e São Paulo são trabalhos novos, de reestruturação.
Qual jogador mais te impressionou? Com o qual já trabalhou...
Lisca - Vários. Trabalhei com o Kaká quando ele tinha 13 anos. Era magrinho, já chamava a atenção. Trabalhei com o Marcelo (Real Madrid) no Flu, em 2005. Mas, de todos, foi o Alexandre Pato, pela qualidade, domínio do fundamento, categoria de fazer o gesto técnico, bater de direita e esquerda, cabecear, chute... Ele era completo.