Livre Pensar com Carlos Aguiar – A madeira e o café: trampolim para o salto capixaba

DivulgaçãoQuando cheguei ao ES em 1981, o estado vivia uma fase de transição de um modelo que por muitos anos baseou-se na produção agricola, madeireira, café, frutas etc., e que vinha se esgotando como fator modernizante e sustentavel, para um novo modelo baseado na industrialização. Diria que até um tanto tardiamente quando comparado com outros estados do Sul e Sudeste. Vim para morar no municipio de Aracruz que, àquela época, tinha carências nos diversos campos da atividade humana.

Faltavam moradias, escolas, clínicas, centros comerciais, tratamento de água e de esgoto. Tínhamos apenas dois ou três bancos, faltavam redes de energia, telecomunicação, enfim, tudo o que torna a convivência humana sociável e produtiva. Posso dizer que tínhamos àquela época uma vida típica de pioneirismo, onde praticamente tudo teria ainda de ser suprido pelo Estado ou pela iniciativa privada para se atrair profissionais e serviços adequados a um empreendimento de porte que ali se instalara.

A nova empresa, compreendendo os problemas e carências da região, construiu mais de 1200 residências, implantou uma escola particular de alto nível, doou terreno e material para a construção de escola pública, um tratamento de águas que atendeu posteriormente o crescimento populacional da orla, tratamento de efluentes, além de clínicas, clubes, centros de treinamento, pousadas, entre outros investimentos. Após quase 40 anos, são estes os equipamentos que ainda sustentam o bem-estar de uma população que  quase dobrou, desde aquele tempo.

Além disso, tínhamos também carências de mão de obra local treinada e capacitada a operar uma indústria que empregava altas tecnologias, de serviços de apoio como manutenção, transportes, construção civil etc., carência de comunicação de dados, de energia, como era natural em quase todo o interior do nosso estado. O porte do empreendimento permitiu que fossem feitos investimentos na transmissão de dados, o que beneficiou toda a região. A própria empresa era  autossuficiente em energia elétrica e até exportava os excedentes para a indústria que veio para o munícipio, atraída pelo grande projeto. Além disso, a empresa construiu uma infraestrutura portuária, que evitaria uma sobrecarga nos portos de Vitória, transformando o Portocel num dos mais eficientes portos do mundo.

Na prática, embora tão próximo, vivíamos virtualmente distantes de Vitória, sem ponte sobre o rio Piraque-Açu. Uma ida à capital para compras ou lazer podia se tornar uma aventura com uma viagem que, às vezes, levava de 3 a 4 horas, já que tínhamos uma balsa para atravessar o rio e a estrada até Nova Almeida era de terra, ficando muitas vezes intransitável durante os períodos das chuvas.

Naquela época, os grandes projetos sofriam críticas, que poderão ser relembradas  nos arquivos da imprensa. Desde razões que os penalizavam por serem aprovados durante o período militar, sendo supostamente gestados em Brasilia à revelia do Estado, até questões mais nacionalistas por conta da presença de sócios estrangeiros, embora o BNDES fosse o sócio mais importante de todos eles e com vários capixabas ilustres trabalhando na formulação destes projetos. Gente como Dr. Eliezer Batista e Dr. Marcos Viana fizeram muito pelo estado e pelo pais àquela época. Falava-se muito também dos impactos destes grandes empreendimentos no âmbito social, ambiental e político, muitas vezes com um viés de baixa, o que era natural para o momento de transição de nosso estado.

Havia uma forte tensão  provocada pelas mudanças e transformações  trazidas pela industrialização, com quebras de paradigmas e introdução de novos conceitos e novas tecnologias, além dos impactos próprios desta nova fase. 

Somando-se a isso, a empresa para a qual vim trabalhar – a Aracruz Celulose, hoje Fibria –, por necessidade da época, trabalhava na solução das carências regionais tentando assumir sozinha quase todos os serviços, desde o corte e transporte de madeira, até mesmo a fabricação de placas para sinalização de suas estradas, alimentação, educação etc. Com isso ela tinha poucos aliados que se beneficiavam de sua presença no município e no estado.

Tinha ainda o problema do odor que perdurou nos primeiros anos de operação, enfrentando críticas constantes na mídia e nos formadores de opinião. Tudo isso sem falar nas profecias da desertificação de nossas terras, nas críticas sobre a monocultura do eucalipto, na perda de produtividade dos solos e tantas outras tão divulgadas àquela época.

Como líderes desta indústria, sabíamos por outro lado que seus fundamentos eram excepcionais não só para ela, mas  para a pauta de exportação de nosso país que necessitava de moeda estrangeira. Sabíamos que gerávamos uma quantidade importante de empregos de qualidade no campo e na indústria, que os investimentos em pesquisa começavam a comprovar para os clientes estrangeiros a qualidade de nossa fibra, antes tida como de segunda classe e hoje desejada mundialmente.  Sabíamos que nossas florestas vinham tendo produtividade crescente, fruto de anos de pesquisas e de melhoria dos solos pela deposição de matéria orgânica das próprias árvores, pela redução da erosão.

E sabíamos também que, apesar de ser considerado um grande projeto, éramos ainda uma empresa pequena e precisávamos ganhar escala para competir no mundo que já iniciava seu processo de globalização. Enfim, precisávamos crescer para virar gente grande nas mentes de nossos clientes, ganhando respeito e fidelização deles, precisávamos crescer para absorver custos crescentes de nosso pais, precisávamos consolidar uma das indústrias de maior competitividade que o Brasil tem até hoje, baseada justamente em raízes sustentáveis.

Mas como fazer isso diante das críticas, dos entraves e das dificuldades práticas para dobrarmos de tamanho? Como adquirir mais terras para os plantios? Como resolver o processo de licenciamento ambiental com relatórios de impacto ambiental tão complexos e especializados? Todos tínhamos de estudar como enfrentar essa necessidade de crescimento que as empresas e as sociedades têm, para cumprir suas metas de geração de emprego, de renda, de impostos e perenizar seus bons atributos, tornando o balanço final positivo para todos.

Em paralelo, o mundo avançava. Caía o Muro de Berlim, o Brasil tinha uma nova Constituição e a globalização avançava com pressa, podendo ao mesmo tempo melhorar o bem-estar dos povos e aumentar a competição entre empresas e países. Precisávamos andar rápido para não perder o bonde da história.

Resolvemos reunir as melhores cabeças pensantes da casa e de fora e estudamos o que precisávamos propor para mostrar à sociedade que tínhamos um projeto bom para os municipios de nossa atuação, para o estado e para o país. Para aumentar nosso diálogo com a sociedade e com os poderes do Estado, reduzir nossa autossuficiencia e passar a agregar parceiros que pudessem trazer melhorias aos nossos processos e, ao mesmo tempo, que desenvolvessem a região com seus espíritos empreendedores, mostrando enfim ao capixaba que nosso projeto tinha pontos positivos. Teríamos de nos aproximar dos formadores de opinião de nosso estado para, de forma honesta e transparente, entender suas críticas e demandas e, ao mesmo tempo, explicar nossas necessidades de crescimento e os impactos positivos dele advindos.

Fizemos um plano de trabalho e o pusemos em prática, testando-o à medida que avançava. Com erros e acertos, mas sempre com a determinação de ganharmos cada vez mais credibilidade em nosso estado, uma vez que no cenário nacional e internacional nossa imagem era de uma empresa vitoriosa, que investia em ciência e tecnologia, que atendia seus clientes com transparência e desenvolvimento, que negociava com seus fornecedores de maneira equilibrada, que tratava seus empregados como um bem muito importante para sua evolução. Enfim, uma imagem de empresa admirada, que sempre nos deixava intrigados com a contradição com nossa imagem local.

Este plano incluía, entre outros esforços, entender e resolver a questão do odor, buscar serviços de terceiros, desenvolver fornecedores capixabas para serviços mais especializados, passar nossas tecnologias de clonagem do eucalipto para outros plantios da região, melhorar o uso da terra dando financiamentos e tecnologias aos fazendeiros do estado para produção de madeira em suas áreas degradadas, aumentar programas de difusão de nossa imagem, participar ativamente de entidades de classe, projetos sociais, divulgar os resultados científicos obtidos em nossos laboratórios ou no de universidades contratadas no Brasil e no exterior, abrir nossas portas para dialogar com familiares, estudantes, políticos, religiosos, comunidades e ONGs, visando um melhor entendimento de todos os lados.

Tudo isso sem perder de vista nossa estratégia de termos escala, foco e capacidade de nos manter entre as melhores e mais competitivas empresas do setor florestal mundial. Sem perder de vista a agregação de valor aos acionistas da empresa, sem deixar de treinar, investir em nossos empregados, melhorando salários e beneficios sempre que conseguíamos novos ganhos de produtividade. Achávamos que se este plano funcionasse relativamente bem, aprovaríamos o nosso projeto de duplicação de nossa capacidade produtiva, posteriormente chamado de Fábrica-B.

Falarei mais sobre este plano de trabalho, nos próximos artigos. 

Carlos Aguiar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *