Livre Pensar com Carlos Aguiar: A boa gestão faz a diferença

Nos artigos anteriores, escrevi sobre as estratégias de crescimento de uma das maiores empresas de celulose do mundo, suas dificuldades, seus pontos fortes, sua busca pela competitividade e produtividade, envolvendo o emprego das melhores tecnologias na proteção do meio ambiente, no crescimento das florestas  e no desenvolvimento de seu produto; o poder de decisão nos momentos de crise; a gestão da dívida;  o foco no cliente e o desenvolvimento das pessoas.

Enfim,  tratamos dos diversos componentes de um modelo de gestão que tende a dar certo em qualquer empreendimento, grande ou pequeno, desde que bem entendido e liderado. Esta é a parte que as empresas podem fazer  diretamente, pois está sob o seu controle. Mas para que possam tornar-se de fato competitivas numa economia globalizada, elas  precisam de um ambiente favorável em suas regiões e em seu país.

O Brasil tem um enorme potencial de crescimento, mas também inúmeros desafios. Tais  desafios devem ser enfrentados através da busca contínua do aumento da competitividade em seu sentido mais amplo, o que envolve a criação de um ambiente macroeconômico estável, a redução do custo Brasil, a melhoria da infraestrutura e redução dos  gargalos, a educação como ferramenta de desenvolvimento e inclusão social, e o uso sustentável dos recursos naturais.  Para que dê certo, essa visão deve ir além da esfera federal e abranger também a estadual e a municipal.

A questão do município é a primeira que vem à tona por estarmos em ano de eleições para prefeitos e vereadores, um evento muito importante, pois nos dá a oportunidade de escolher os líderes de nossos municípios, onde de fato a vida acontece, os problemas nos afligem, e onde uma boa gestão pode trazer bem estar e desenvolvimento à população.

No passado, quando prevalecia no Brasil e no mundo um modelo mais estanque, os municípios precisavam preocupar-se apenas consigo mesmos e com seus eleitores. Hoje o cenário mudou, e os municípios passaram também a precisar competir em um cenário global, de forma a que os seus produtos possam ser vendidos não apenas em outros municípios, estados e países, como em seu próprio território, não raramente invadido por produtos baratos fabricados do outro lado do mundo.

Isso impele a que a gestão das prefeituras também precise ser guiada pela ótica da competitividade, de forma a criar o ambiente e condições propícias à convivência com essa nova realidade.

Por isso, penso que as prefeituras precisam ser geridas dentro de uma visão de longo prazo, através de um modelo de gestão que vise atingir metas e resultados ao final de cada mandato, mas que além disso estejam alinhadas a metas de longo prazo estabelecidas em conjunto com a população.

Mas como? Uma prefeitura não é uma empresa que tem de competir no mercado. No entanto, um município compete com outros, pois pode atrair ou afastar empreendimentos novos ou já existentes, e pode reter ou ver emigrar a mão de obra mais bem preparada e remunerada.  Os municípios mais bem geridos e com melhor qualidade de vida atrairão certamente os melhores quadros [e os melhores empreendimentos], ofertarão os melhores empregos, aumentarão sua arrecadação  e acelerarão o seu desenvolvimento. E, se bem trabalhados, atrairão turismo, outra importante fonte de renda. Portanto, vejo aí uma competição que tem de ser ganha por cada cidade, para poder elevar seu padrão de vida e sua competitividade.

Temos inúmeros exemplos de boa gestão pública no país. Aqui mesmo no Espírito Santo, onde os recursos públicos para investimento foram mínimos durante longos anos, assistimos à reversão desse quadro, o que possibilitou que de alguns anos para cá fossem disponibilizados  entre 1 e 1,5  bilhão de reais por ano, numa demonstração clara do que a boa gestão pode fazer. No Ceará,  a substituição dos grandes coronéis por governantes preparados e com uma visão moderna deu início a um novo ciclo de desenvolvimento. Outro exemplo é o Acre, onde uma nova geração de políticos tirou o estado de uma situação de quase falência, dotando-o de uma visão estratégica de governo que tem promovido o desenvolvimento de forma conciliada à preservação da Floresta Amazônica.

Os prefeitos são eleitos pelo povo, que num paralelismo à visão empresarial, torna-se depois o seu grande  cliente. Ao conferir aos prefeitos o poder de gerir o município, o povo espera que exerçam seu mandato com ética e justiça, adotando métodos de gestão modernos que gerem valor para suas cidades, promovendo a melhoria da educação, saúde, transporte, limpeza urbana e segurança ? um portfólio de desejos nem sempre simples de serem atendidos, mas perfeitamente alcançáveis através de um ciclo virtuoso de gestão que não mire o imediatismo ou o populismo.

Será que os candidatos deveriam fazer promessas sem base concreta, e muitas vezes sem qualquer garantia  de que poderão ser cumpridas? Será que nós, eleitores, não deveríamos conhecer mais os indicadores de gestão de nossos municípios, para vermos se as promessa dos candidatos estão alinhadas à realidade da arrecadação, custos e investimentos?

Isso só será possível se nos organizarmos para mudar o processo político, reduzindo o enorme fosso que hoje existe entre eleitores e eleitos, e que faz com que muitos eleitores nem se lembrem daqueles em que votaram. Em um sistema assim, como controlá-los, retribuindo com votos na próxima eleição para aqueles que fizerem uma boa gestão, e punindo com a perda dos votos os que não corresponderam?

Isso requer que os diversos segmentos da sociedade, de forma organizada (em associações de moradores ou empresários, e instituições diversas) esforcem-se para acompanhar mais de perto e fazer um controle mais próximo da gestão pública, que em última essência, é a gestão do nosso bem comum. Nesse sentido, é necessário levantar dados dos principais indicadores já existentes em órgãos de controle, de forma a criar um entendimento que qualifique a interlocução com os candidatos, verificando se eles estão a par de tais números, o que farão para melhorá-los e como o farão, e oferecendo ideias a partir da nossa própria experiência individual ou coletiva. A sociedade brasileira já avançou muito nesse processo, através de entidades empresariais como o Movimento Espírito Santo em Ação, ONGs e associações de moradores, mas para que o processo seja de fato forte ainda resta um longo caminho a percorrer.

É fundamental, por exemplo, que se conheça de antemão o total da arrecadação dos municípios e suas fontes, os gastos públicos nas atividades fins (saúde, educação, etc.), o número de funcionários e sua folha de pagamento, os indicadores de cada área e os recursos que poderão ser disponibilizados para investimentos. A partir desse conhecimento, é necessário fazer-se a comparação com outros municípios de tamanho e características similares, no estado ou fora dele, assim como discutir as metas que poderão ser traçadas e a disponibilidade de recursos que permitam viabilizá-las. Penso que essa deveria  ser nossa ambição.

Todos sabemos  que os gestores públicos se debatem com um cipoal de leis, burocracias e controles que dificultam e freiam as decisões, atrasando as ações. Ao pensarmos em competitividade dos municípios, estados e país, precisamos também pensar  sobre esses fatores, procurando separar aqueles que são de fato essenciais a uma gestão efetiva, honesta e transparente daqueles que existem para servir a si mesmos, com os mais variados fins. Se é fundamental ter processos e controles eficientes, é também fundamental reduzir a burocracia ao máximo, pois isso também tem um peso enorme na comparação da competitividade com outras regiões.

Dito isto, penso que um candidato realmente preparado deveria se comprometer em montar  um plano estratégico para seu primeiro mandato, que, a partir dos indicadores do quadro atual, defina as metas orientadoras da sua gestão e as ações e recursos que possibilitarão alcançá-las. Uma vez estabelecido, esse plano deveria ser tornado público e o seu cumprimento ser relatado de forma transparente a toda a população.  Isso é por exemplo o que já acontece com as empresas privadas, sobretudo a que têm ações negociadas em bolsa, que trimestralmente prestam conta de  seus resultados ao  mercado, clientes, fornecedores, investidores e a todas as demais partes interessadas.

Como sabem, sou um administrador com longa experiência no setor privado, sem qualquer passagem pelo setor público ou ambição de vir a ter. Ao escrever esse artigo, procurei simplesmente  projetar para a gestão pública alguns conceitos da gestão empresarial. A dinâmica empresarial é certamente diferente da gestão pública, e é possível que nem todas as ideias aqui expressas possam ser realizadas.

No entanto, aí estão direções gerais, que são as mesmas para uma empresa, município, estado ou país. Até mesmo para nossa casa. Afinal, salvo casos isolados e com alto risco de fracasso, não pode haver uma empresa competitiva no longo prazo em um estado que não seja competitivo, assim como não pode haver um estado próspero  em que suas empresas não sejam competitivas. Entender isso e alinhar a competitividade entre  empresa e estado é uma tarefa de todos nós.

Ao concluir esse artigo, meu pensamento volta-se para o Espírito Santo e o Brasil.

Em um estado pequeno e exportador como o nosso Espírito Santo, que sempre sofreu com as crises internacionais, que está perdendo o FUNDAP, que atrai populações pobres de outros estados, e que poderá em breve aumentar a arrecadação advinda do petróleo e gás, deveríamos nós cidadãos ter mais interesse na análise da  gestão da coisa pública, ter métodos de medição mais claros sobre sua eficiência, buscar elevar nosso nível educacional ao patamar dos melhores do mundo e aumentar a produtividade do estado e dos municípios pela modernização de suas estruturas, podendo, com os mesmos recursos, atender a novas demandas que virão com o aumento da renda per capita da população. Talvez seja uma boa hora para refletir sobre o assunto e desenvolver nosso plano estratégico.

Em termos de Brasil, olho o mundo e vejo que a Europa levará anos para pagar a conta feita no tempo das vacas gordas, onde se criaram benefícios socialmente justos mas sem a devida contrapartida que os sustentassem. Os Estados Unidos não foram tão longe na ?bondade?, mas suas guerras e sua hegemonia militar cobram  um preço elevado. A China, que precisa incluir 100 milhões de habitantes a cada dez anos, também está pagando outro tipo de preço, que é o aumento das exigências dos incluídos e a ansiedade dos que ainda não entraram no salão de festas.

Nossos vizinhos, à exceção de dois ou três países, não aprenderam as reiteradas lições da vida real e continuam a testar modelos heterodoxos na economia, deteriorando rapidamente sua competitividade. Como vivemos em um economia globalizada e interdependente, o Brasil não está naturalmente imune a todas essas crises vindas de fora, como os dados econômicos mais recentes começam a mostrar. Está claro que nosso pais precisa ter um plano mais estruturado e de mais longo prazo, ao invés de apenas apagar  o fogo a cada momento. A crise pode estar nos dando grandes oportunidades, e temos de fazer todo o possível para aproveitá-las plenamente.

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