Petróleo e Desenvolvimento – Final. O que tem sido feito no Brasil?

Tenho discutido neste espaço, em dois artigos anteriores, os desafios que os países com grandes dotações de recursos naturais enfrentam para se desenvolver. Em particular, os produtores de petróleo buscaram enfrentar a mencionada “maldição dos recursos naturais” com a utilização das rendas governamentais para investimentos em infraestrutura, reinvestimento nas empresas petrolíferas, apoio à agregação de valor à cadeia do Petróleo, políticas de diversificação produtiva, financiamento de política de bem-estar social, e a constituição de fundos de caráter intergeracional ou de estabilização. Termino a reflexão do tema com este artigo, que aborda experiências e tendências observadas no Brasil.

Conforme a regulação brasileira adotada em 1997, os recursos das rendas governamentais petrolíferas podem ser aplicados no Brasil em qualquer função pública, seja custeio ou investimento. Existe apenas a vedação para pagamento de dívidas e do quadro permanente de pessoal, ressalvado o pagamento de dívidas dos entes federados para com a União e suas entidades. Os recursos originários das compensações financeiras podem ainda ser utilizados para a capitalização de fundos de previdência.

Recentemente, o governo federal aprovou novo marco para regular, no âmbito federal, a aplicação dos recursos provenientes Pré-sal, já sob o novo regime de Partilha adotado em 2010. Foi criado um Fundo de natureza contábil e financeira (FS), com a finalidade de constituir poupança pública de longo prazo com base nas receitas auferidas pela União, oferecer fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional, e mitigar as flutuações de renda e de preços na economia nacional decorrentes das variações na renda gerada pelas atividades de produção e exploração de petróleo e de outros recursos não renováveis. Os investimentos e aplicações deverão ser destinados preferencialmente para ativos no exterior; e os rendimentos provenientes do retorno sobre o capital, para aplicação nos programas e projetos sociais.

Está previsto um Comitê Gestor para definir o montante a ser resgatado anualmente, assim como as condições e as regras para assegurar a sustentabilidade financeira. A destinação de recursos é condicionada à prévia fixação de metas, prazo de execução, e planos de avaliação, em coerência com as disposições estabelecidas no orçamento plurianual.  O Conselho deverá submeter os programas e projetos à criteriosa avaliação quantitativa e qualitativa durante todas as fases de execução, monitorando os impactos efetivos sobre a população e nas regiões de intervenção, com o apoio de instituições públicas e universitárias.

O desenho parece atender às prescrições teóricas, embora ainda não tenha havido aporte de recursos destinados ao Fundo. A adoção do regime de partilha, contudo, foi criticada por alterar o marco anterior, recentemente adotado e bem avaliado no alcance do equilíbrio entre incentivos à produção, instituições reguladoras, e modelo redistributivo das compensações pelo processo exploratório.

Contudo, o anúncio da descoberta de reservas petrolíferas em águas profundas desencadeou pressões tanto para mudanças no modelo de exploração e remuneração governamental, com a adoção do regime de Partilha, além de pressões para redistribuição desses recursos para os estados não-produtores. Com potencial estimado de 9,5 bilhões de barris, podendo chegar a 14 bilhões, a descoberta do pré-sal praticamente dobra as atuais reservas do Brasil, até então de 14 bilhões de barris.

De fato, a persistir o atual nível de produção e exploração, mesmo antes do acesso aos recursos do pré-sal, é preciso refletir sobre o impacto da aplicação dessas rendas, provenientes de recursos não renováveis. E o mesmo questionamento valeria para a exploração de minérios.

O valor dos royalties e participações especiais pagos no Brasil multiplicou-se por quatro entre 2001 e 2011 e alcançou a cifra (atualizada) de R$ 200 bilhões. Destes, 40% ficaram com a União, 35% com os estados e 22% com os municípios (e o restante em depósitos judiciais). O estado do Espírito Santo apropriou-se de R$ 5,5 bilhões no período, R$ 3,2 bilhões para o estado e R$ 2,3 bilhões para os municípios. Somente em 2011 foram arrecadados R$ 25 bilhões no Brasil e repassados R$ 1,7 bilhão ao estado do Espírito Santo e seus municípios. O valor recolhido ao Erário estadual já corresponde à maior parte da sua capacidade de investimentos com recursos próprios.

A primeira dificuldade para se identificar a destinação e o impacto dos recursos vem da contabilidade pública. As rendas governamentais provenientes da exploração de recursos não renováveis não são apartadas das demais receitas e não possuem identificação própria capaz de rastrear e identificar sua aplicação. Assim, elas entram no “bolo” geral da arrecadação tributária ordinária, o que dificulta o controle e a avaliação do seu impacto. Além de permitir apartar as receitas ordinárias ou “permanentes” das receitas temporárias, o tratamento contábil diferenciado teria o efeito didático de promover maior transparência sobre o uso desses recursos.

A transparência dos resultados, muito mais do que os controles contábeis e processuais, é a principal ferramenta para alinhar as escolhas públicas à execução dos recursos propriamente dita. Foi e tem sido a peça-chave, no contexto dos regimes democráticos, para assegurar o processo de desenvolvimento de países produtores de petróleo e de recursos naturais.

A segunda dificuldade diz respeito ao pouco tempo de “experimentação” do Brasil no uso desses recursos. As evidências acabam por revelar desperdício, baixo esforço tributário, e corrupção em municípios onde a fonte das rendas petrolíferas responde por mais de 50% do total da arrecadação.

Mas também pode revelar usos qualificados, em especial nos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, os dois maiores produtores. Ambos utilizaram parte desses recursos para uma mudança de direção nas suas contas públicas: a antecipação de royalties negociada há quase dez anos  foi acompanhada pelo ajuste fiscal, o que resgatou para ambos os estados o papel da poupança pública. Em particular, no caso do Espírito Santo, a sustentação do ajuste fiscal ao longo do tempo assegurou uma das mais elevadas taxas de investimentos do País, com recursos próprios estaduais.

Ambos os estados também possuem iniciativas na área ambiental: parte dos recursos de royalties municipais da capital do Rio de Janeiro vem sendo utilizada para o saneamento e requalificação da região da Barra da Tijuca e do complexo lagunar de Jacarepaguá. No Espírito Santo, foi criado o FUNDÁGUA, a fim de sustentar o Programa inovador de pagamento de serviços ambientais para produtores de água em bacias hidrográficas específicas.

Existe ainda outra vertente para o desenvolvimento a partir do petróleo. A riqueza que gira no entorno do processo exploratório pode ativar negócios privados e o uso de novas tecnologias, além de absorver mão de obra qualificada. Movimenta recursos com grande capacidade de encadeamento, tanto na produção de equipamentos quanto em serviços, de diversas naturezas. Isso fica muito claro na experiência no Espírito Santo: os projetos com petróleo e gás já chegaram a responder por mais de um terço dos investimentos anunciados. O ciclo de alta do petróleo no estado, além de explicar em grande medida o aumento da produção nacional, produziu coesão em torno de um projeto de desenvolvimento. Assim, junto com a prosperidade do petróleo, veio uma governança pública reconhecida nacionalmente, o que promoveu uma notável melhoria institucional.

Mas é possível avançar sobre essa Agenda, no Brasil, com o aprimoramento das regras de contabilização e transparência; gestão qualificada dos ativos associados aos negócios do petróleo e às rendas governamentais derivadas; construção de incentivos positivos para os gestores locais responsáveis pelo uso dessas rendas; e enfim, com o monitoramento e avaliação das aplicações governamentais e construção da solidariedade geracional.

No Espírito Santo, as rendas petrolíferas poderiam ser fonte para a constituição de fundos públicos, capazes de lastrear empréstimos remunerados ao setor privado por intermédio do BANDES; promover a equalização transparente de taxas de juros para empréstimos para projetos relacionados com a política de desenvolvimento estadual; e garantir parcerias público-privadas em áreas estratégicas. Enfim, é possível, sim, construir alternativas para o período pós-Fundap e também para as gerações pós-petróleo.

*Ana Paula Vescovi é economista, servidora federal em exercício no Senado, coordenadora da Câmara de assuntos Fiscais e de Tributação do IBEF-ES.

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