Keynes e a ordem econômica liberal

Não tenho dúvidas de que John Maynard Keynes (1883-1946) destacou-se entre os maiores pensadores econômicos do século XX. Foi sem dúvidas um liberal que buscou se libertar das abstrações teóricas dos modelos mais ortodoxos de seu tempo. Sua formação elitista pesou para que essa luta intelectual interna entre os valores sob os quais fora criado e a visão crítica das perspectivas socioeconômicas na Europa após a Grande Guerra (1914-1918) colidissem. A ordem econômica liberal encontrava o seu ocaso no período entre guerras.

De acordo com a visão de Keynes: “Em economia não se pode condenar o opositor por erros, só se pode convencê-lo de que os cometeu. E mesmo que estejamos certos não conseguimos convencê-lo (…) se a cabeça dele já estiver cheia de noções erradas” (citado por Paul Davidson, ‘John Maynard Keynes’. Actual Editora, 2011). Existem diversos keynesianismos, inclusive um de corte militar. Destaco, entretanto, que Keynes não defendeu essa perspectiva belicista.

Sua visão socioeconômica era generosa e humanista. O Estado deveria sustentar a demanda agregada em momentos de contrações econômicas. Para tanto, ele deveria estimular pelas vias do gasto público deficitário as demandas domésticas de consumo e investimento para reativar a economia até que o pleno emprego fosse atingido. Keynes recomendou que se gastassem em coisas úteis os recursos públicos – infraestruturas física e social, por exemplo. Ele foi avesso ao planejamento centralizado e sua concepção de intervenção estatal era minimalista, ou seja, o Estado não precisava controlar os meios de produção para estimular as atividades econômicas.

Lorde Keynes possuía um senso de humor refinado e até certo ponto mordaz. Conta-se que em um jantar em sua homenagem na Royal Economic Society no ano de 1945, Keynes fez um brinde à “economia e aos economistas, que são os depositários não da civilização, mas das possibilidades de civilização”. Keynes se libertou das amarras ortodoxas dos economistas neoclássicos de seu tempo e conduziu a análise econômica para uma abordagem mais realista e que incorporou a incerteza como um dos elementos centrais dos grandes impasses que ainda vivemos sob o capitalismo. As incompreensões foram muitas.

Keynes foi um grande pensador liberal. No entanto, ele reconheceu na Conferência de Bretton Woods (1944) os limites de uma ordem econômica internacional que viesse a buscar efetivar o princípio do mercado autorregulado e que estivesse atrelado ao poder emissor de uma moeda nacional. Sua proposta de arquitetura financeira internacional foi vencida e a visão norte-americana prevaleceu na reconstrução do sistema internacional no pós-guerra, sob a hegemonia do dólar em um contexto de Guerra Fria.

Naquele contexto de bipolaridade, o que se convencionou chamar de América Latina não tinha muitas alternativas. Buscou-se intensificar em alguns países da região políticas de substituição de importações, sendo que Brasil e México foram considerados casos exitosos pela dimensão e potencial dos seus mercados. Esses países foram apanhados pela crise da dívida externa da primeira metade dos anos 1980 quando os EUA defenderam a hegemonia do dólar e iniciaram o ciclo conservador neoliberal que agoniza no presente.

Keynes é ainda figura polêmica no presente. Alguns acadêmicos defendem existir uma espécie de “barganha faustiana” no pensamento de Keynes. Vejamos um motivo. Para ele, o sistema capitalista funcionava razoavelmente bem para gerar riquezas; o problema estaria na distribuição arbitrária e desigual das rendas e na incapacidade do sistema em proporcionar e sustentar o pleno emprego. Intervenções macroeconômicas inteligentes de Estado seriam necessárias para que o equilíbrio do sistema capitalista não se processasse recorrentemente abaixo do pleno emprego, reproduzindo iniquidades sociais.

Aponto dois interessantes livros sobre keynesianismo para os interessados: ‘Sistema financeiro e política econômica em uma era de instabilidade’ (Elsevier, 2012), de André Modenesi e outros; e ‘Keynes, crise e política fiscal’ (Saraiva, 2012), de José Roberto Afonso. Boa leitura! 

Rodrigo L. Medeiros (D.Sc.) é membro da World Economics Association (WEA)

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