Desequilíbrios globais em perspectiva crítica

Coluna do articulista Ambrose Evans-Pritchard disponível online na página do jornal britânico The Telegraph, ‘Trade protectionism looms next as central banks exhaust QE’ (24/02), traz uma interessante discussão sobre o estado da economia global. A crise que estourou mundialmente em setembro de 2008 ainda não está equacionada e os programas de expansão da austeridade fiscal na eurozona criaram um enorme estresse social no Velho Continente. O impasse político italiano de quase-ingovernabilidade seria apenas a ponta desse iceberg.

A coluna citada sugere serem os vilões da ausência de recuperação econômica global os países superavitários. China e Alemanha precisam compreender que se desejam manter superávits nas suas contas correntes do balanço de pagamentos então alguém precisará realizar déficits. Guerras cambiais e/ou comerciais revelam, por sua vez, a impossibilidade de todos os países fazerem superávits nas suas transações correntes ao mesmo tempo, assim como a preferência pela liquidez não pode ser buscada impunemente por todos os agentes econômicos concomitantemente em uma economia. Conforme já discutimos outras vezes no espaço do “Livre Pensar”, caso o setor privado busque o superávit em um país, o balanço governamental doméstico será pressionado a mergulhar em déficit, considerando-se que o balanço externo esteja razoavelmente equilibrado. 

O gráfico do Fundo Monetário Internacional (IMF, em inglês), que segue logo abaixo, mostra que o problema econômico da zona do euro pode ser resolvido internamente caso a Alemanha compreenda o seu papel na manutenção do bloco. Sem disporem da capacidade de exercerem política monetária, países da eurozona detentores de dificuldades fiscais estão com grandes problemas de promover rodadas de sacrifícios sociais por uma corrida ao fundo (race to the bottom), ou seja, reformas que visem flexibilizar os mercados de trabalho.


Existem, por outro lado, muitas questões complexas que ultrapassam as clássicas fronteiras geográficas nacionais. Para Evans-Pritchard, a “China está distorcendo o sistema [econômico] global, executando investimentos próximos aos 50% do PIB e comprimindo o consumo a 35%. Nada disso foi visto antes nos tempos modernos”. Ele continua o seu artigo da seguinte maneira: “Em um mundo de demanda deficiente e excesso de poupança, cada país vai tentar adquirir uma parcela maior da demanda global através das exportações. Os vencedores serão os Estados deficitários. Os perdedores serão os Estados superavitários que não poderão retaliar. A lição de 1930 é que os credores são impotentes”.

Há quem desconfie que os seres humanos possam de fato aprender com as experiências passadas e, nesse sentido, uma marcha insensata não deveria nos causar maior espanto no presente. Keynes sabiamente argumentou na década de 1930 que num contexto de precárias condições, que se esperava que fossem perdurar por muito tempo, que se “fizesse de conta, para nós mesmos e para todo mundo, que o certo é errado e o errado é certo; porque o errado é útil e o certo não”. O problema econômico do presente não é um imbróglio clássico de escassez à la ciência sombria, mas ainda assim alguns preferem venerar os velhos deuses – usura, avareza e precaução. Existem por certo grandes interesses pecuniários em jogo e, portanto, esperar por uma neutralidade analítica absoluta mostra-se muito pouco sensato. Afinal, não há um estado único de natureza socioeconômica ótimo a ser alcançado por regimes democráticos. Nesses mesmos contextos, cabe institucionalmente ao jogo político civilizado mediar e articular em alto nível os seus equilíbrios possíveis.

Muitas dúvidas são encontradas no presente. Precisaremos de outro conflito bélico de escala global para equacionar os problemas econômicos vigentes? Espero que não, pois o poder destrutivo dos seres humanos aumentou muito desde 1945. Quem sabe haja ainda alguma esperança adormecida e distante na coordenação econômica global no âmbito do G-20? Veremos logo adiante.

Rodrigo Medeiros (D.Sc.)

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