Reflexões sobre as possíveis perdas fiscais capixabas com a mudança na distribuição dos royalties

Um sucinto passeio pela história humana revela que as mudanças nas regras do jogo são normais. Há por certo consequências e efeitos intertemporais complexos que emergem desse processo. Esse não é um processo histórico linear, bem comportado, harmônico, isento de sobressaltos e tensões sociais difusas. Revoluções e mudanças de regimes políticos foram muito estudas ao longo do século XX.

Recente votação ocorrida no Congresso visou derrubar os vetos da presidente Dilma Rousseff quanto ao conjunto das regras vigentes de distribuição dos royalties do petróleo. Pouco espaço houve na respectiva sessão para a civilizada discussão política. Alguns parlamentares do bloco minoritário da questão alegaram que o regimento foi desrespeitado e já podemos encontrar espalhadas na mídia diversas projeções das perdas fiscais capixabas provocadas pelas mudanças nas regras do jogo, aproximadamente R$10 bilhões até 2020. Caberá ao STF a palavra final. Sabemos que esses recursos financeiros fariam muita falta no Espírito Santo. Afinal, os capixabas poderiam contar efetivamente com as promessas políticas de compensações? Quem conhece a realidade da Lei Kandir (1996) suspeita que não. Entretanto, há quem prefira se apegar ao sebastianismo na espera por expressivos investimentos em infraestrutura da parte do governo federal no Espírito Santo.

O clássico ‘Raízes do Brasil’ (1936), de Sérgio Buarque de Holanda, ainda nos oferece interessantes reflexões sobre a formação do país. No quinto capítulo, o autor afirma que: “a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade – daremos ao mundo o ‘homem cordial’”. Mais adiante, Buarque de Holanda continua: “Seria um engano supor que essas virtudes possam significar ‘boas maneiras’, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante”. A lógica fria e impessoal da racionalidade weberiana não encontrou ambiente fértil nos trópicos. Observamos inclusive que em muitos casos as ideias importadas estão muito fora do lugar. Esse, definitivamente, não é um fenômeno novo entre nós e, portanto, não nos deveria causar maior espanto que a federação brasileira esteja vivendo um conflito fratricida novamente.

No livro ‘Problemas de política objetiva’ (1930), Oliveira Vianna descreveu como o espírito de clã e de campanário afeta a vida brasileira, pois “nosso grande mal é justamente, de um lado, a ausência de um ideal nacional, a fraqueza do sentimento do interesse coletivo, a debilidade do instinto político; de outro, a exacerbação do espírito do localismo, de faccionismo” (capítulo I). Ele ressaltou inclusive a necessidade de um poder coordenador para “corrigir o nosso espírito de facção, as competições do personalismo e do politiquismo; numa palavra, os inconvenientes das lutas de cl㔠(idem). Passados tantos anos, essas palavras mostram-se bem atuais.

Analisei em outro artigo publicado neste espaço do jornal Folha Vitória como o peso do passado influencia os nossos dilemas do presente.  Recorro novamente ao clássico de Sérgio Buarque de Holanda, capítulo três: “Como esperar transformações profundas em país onde eram mantidos os fundamentos tradicionais da situação que se pretendia ultrapassar?” Dilemas dessa natureza ainda persistem no Brasil e os partidos políticos brasileiros comportam-se nesse contexto como autistas em um processo histórico no qual as tensões federativas se acumulam.

Rodrigo Medeiros (D.Sc.)

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