Ao compactuar com a humilhação de um mulher, o Poder Judiciário humilha todas as mulheres

Por Flávia Oleare 

Uma das pautas mais importantes da semana foi a divulgação da audiência de julgamento do estupro de Fomos tristemente surpreendidos com a vítima sendo “julgada e condenada” moralmente pelo advogado de defesa do Réu que contou com o silêncio cúmplice do juiz e do promotor do caso.

O que aconteceu não pode ser encarado com um caso isolado, pois o machismo no Brasil é estrutural e está arraigado nas entranhas de todos os Poderes e como não poderia deixar de ser, também no Poder Judiciário. O ocorrido na audiência é um símbolo eloquente desta triste realidade.

Bem, para quem não sabe do que se trata, vamos lá: um empresário rico e famoso foi acusado por uma jovem de estupro. Houve investigação, o Ministério Público decidiu por denunciar o empresário e ele passou a ser Réu em um processo criminal. Na audiência virtual estavam presentes o juiz, o Promotor de Justiça, o advogado de defesa do Réu, o próprio Réu e a vítima.

O advogado, de forma agressiva, baixa e desrespeitosa falou impropérios para a Vítima.
Para que vocês entendam, vou reproduzir aqui, algumas das vergonhosas falas do advogado:

“Graças a Deus não tenho uma filha do teu nível e também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher como você… pra dar o seu showzinho… seu showzinho, você vai dar no Instagram depois, para ganhar mais seguidores.. Tu vive disso! É Seu ganha pão a desgraça dos outros, manipular esta história de virgem… não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lágrima de crocodilo.”

A conduta do advogado foi reprovável. Defender um cliente com firmeza e veemência é uma coisa, desrespeitar a vítima do processo com palavras vis e acusações levianas e ofensivas, é outra muito diferente. E o silêncio do juiz foi estrondoso. Gritante. Em momento algum o juiz advertiu o advogado de que a conduta dele era inapropriada e o obrigou se calar. Ao contrário. Ficou mudo.  Para quem não sabe como funciona este ato processual, esclareço que o “chefe” da audiência é o juiz. É ele quem preside o ato.

A Vítima desrespeitada e humilhada IMPLOROU literalmente pela intervenção do juiz:

“Eu gostaria de respeito, doutor, excelentíssimo! Eu estou implorando por respeito, no mínimo! Nem os acusados, nem os assassinos são tratados da forma como eu estou sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente!”

E ele? Perguntou se ela queria que suspendesse o ato para ela se recompor. Mas em momento algum advertiu o advogado. Ele o deixou livre para continuar em suas agressões à moral e à dignidade da vítima. Vejam que não estou aqui sequer questionando o mérito do processo, se houve ou se não houve estupro.

Minha revolva é em relação à violência contra a mulher perpetrada pelo Estado Brasileiro, que naquele ato estava sendo representado por um juiz de Direito, cuja omissão configurou uma crueldade não só contra Mariana Ferrer, mas contra todas as mulheres deste país.
E fico aqui pensando… se, numa capital da Região Sul do país, em uma audiência gravada, acontece algo tão bárbaro, o que não devem sofrer as mulheres em delegacias e fóruns em cidades mais afastadas no interior do país.

O único consolo é esperar que este caso, ao menos, sirva de exemplo para que as mulheres, ao contrário do juiz que se acovardou perante o advogado, sejam corajosas como Mariana e não se calem.  Afinal, o barulho feito por Mariana arrebatou o país.

Flávia Oleare é advogada civilista, especialista em direito de família e sócia da Oleare e Torezani Advocacia e Consultoria.

 

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