Arteterapia e autismo

Por Terezinha Gomes Barbosa Fanti

A minha graduação foi em Artes Plásticas por gostar muito de desenhar. Naquele momento não conseguia imaginar a minha vida sem desenhos, nem sem a beleza das cores e formas que tanto me atraíam. Lecionei alguns anos como professora de artes no ensino fundamental, pois gostava de história da arte e nessa função trabalhava a vida e a obra dos artistas, o que me preenchia. O tempo passou e aos trinta e cinco anos de idade me tornei mãe. Foi um amor tão grande que comecei a ter muitas experiências com o universo infantil e pude perceber que a pureza e a liberdade de expressão das crianças comunicam, desde cedo, as suas emoções o que gera mais saúde e equilíbrio.

Os rabiscos que as crianças fazem traduzem emoções que as acalmam, outras vezes trazem autonomia, liberdade, confiança e em outros momentos se transformam em estórias que dão asas à imaginação que alegram o indivíduo. Diante desse cenário, percebi a mina de ouro que estava escondida na livre expressão e que precisava ser explorada. Por essa razão, pesquisei o que tinha no mercado nesse sentido e encontrei a Arteterapia que havia iniciado no Espírito Santo por Glícia Manso. Nessa época levei a minha filha com cinco anos para fazer Arteterapia, isso ocorreu há vinte anos.

Devido às demandas da minha vida não pude fazer a especialização. Quando minha filha fez dezoito anos eu estava com tempo suficiente e pude iniciar a especialização em Arteterapia, o que transformou o meu olhar diante da vida. Fiz estágio em alguns lugares porque queria conhecer públicos diferentes, mas quando fui fazê-lo na AMAES – Associação dos Amigos dos Autistas do ES, que até então eu não conhecia, foi um divisor de águas na minha vida. Lá pude realizar um trabalho com as mães e vi a possibilidade de transformação ao vê-las ressignificarem seus medos, inseguranças e superarem crenças limitantes o que gerou um fortalecimento para quem quisesse mergulhar em si mesmo. A AMAES foi amor à primeira vista e me senti em casa como me sinto até hoje.

No ano seguinte, meu trabalho arteterapêutico na Associação passou a ser diretamente com as crianças. Nesse ano, senti que precisava me aprofundar um pouco mais, razão pela qual fiz especialização em psicologia analítica, uma vez que estava diante de algo novo e desafiador e isso me deu muita disposição para buscar mais conhecimentos que pudessem me dar insumos para ajudar a outras pessoas. Mas afinal, o que é Arteterapia?

A Arteterapia é um fazer que se desenvolve num processo mediado pelas linguagens expressivas que privilegia a livre expressão, o incentivo à criatividade e o resgate da autoestima. As linguagens expressivas como as colagens, fotografias, pinturas, desenhos, mosaicos, modelagens, construções, contações de histórias, expressões corporais irão criar uma ponte entre o inconsciente e a consciência o que traduz em imagens e formas os sentimentos que muitas vezes não conseguimos verbalizar.

Cada material utilizado tem as suas especificidades que irão acessar em cada indivíduo a sua essência, e assim acontece um diálogo da pessoa com ela mesma pelo caminho da sua livre expressão. Esse processo ocorre em cada pessoa de forma diferente porque somos seres únicos. Quando começamos a fazer contato conosco enxergamos além do que os olhos vêem, pois dentro de nós há um desbloqueio do fluxo criativo que libera conteúdos adormecidos que surgem por meio de imagens, símbolos que nos comunicam algo sobre nós. O arteterapeuta é o facilitador desse processo que vai acolher e amparar a pessoa que está sendo atendida.

Toda essa trajetória me proporcionou uma descoberta de mim mesma, uma vivência e um resgate da minha essência. Pude olhar para os meus medos, meus traumas, minha potência de vida. Sabemos que todos temos essa potência de vida e quando conseguimos acessá-la um portal se abre e ganhamos pertencimento.

Mas por que Arteterapia com pessoas do espectro do autismo? Porque ela permite acessarmos o atendido como um todo. Ao experimentar os materiais o atendido acessa a criatividade e a imaginação que são pontos importantes para serem trabalhados no espectro do autismo. Com afetividade ajudamos os nossos atendidos a se permitirem, a flexibilizarem suas atitudes, seus movimentos, seus pensamentos, sem medo de errar porque não há compromisso com acertos.

O nosso espaço se propõe a ser mágico e convida, a partir de ações lúdicas, a materializar as emoções o que proporciona ao atendido o poder de dar significado à sua criação e dessa forma expandir a sua percepção, além de desenvolver a coordenação motora fina, a atenção e a memória. Toda essa experiência ocorre em um espaço seguro, com suporte emocional, em que eles não se sintam invadidos e possam se entregar a momentos prazerosos, o que traz todo o seu corpo e seu coração para aquele momento. Assim trabalhando de forma sensível abrimos espaço para a sensibilidade e a percepção comparecer.

No contato com os autistas procuro valorizar cada conquista, estimular a autonomia e ouvir o atendido, mesmo aqueles que não falam, pois é preciso saber ouvir o que os olhos, os movimentos e os comportamentos dizem. Dou espaço para que ele possa se expressar da forma que ele consiga. Esse cenário proporciona confiança, segurança, respeito e dignidade para a pessoa além da possibilidade da interação social, pois na vivência do lúdico a inteiração se faz sempre presente.

Dessa forma, um dos meus compromissos com os atendidos da Arteterapia na AMAES é oportunizar um maior contato com eles mesmos por meio das sensações que os diversos materiais oferecem, podendo assim perceber em que momento a criança está e o que ela consegue fazer sem se sentir incomodada. Acolho sempre o que ela traz porque tudo que ela me apresenta é importante e tem uma razão de ser. Quando chego à Associação deixo as minhas certezas e opiniões do lado de fora e me permito ser guiada pela sensibilidade.

À medida que identifico as dificuldades procuro oferecer experiências que promovam bem-estar e superação, sejam nas questões sensoriais, nas formas de se expressar, na insegurança, na ansiedade e o vínculo com o atendido se fortalece. Muitas crianças querem fazer sempre a mesma coisa e do mesmo jeito e nesse momento eu procuro, com carinho e atenção, mostrar que podemos fazer diferente. Isso oxigena o pensamento e ajuda na quebra de padrões repetitivos, dessa forma caminhamos respeitando os atendidos na sua totalidade.

Sinto que trabalhar com crianças do espectro do autismo me fez dar valor a cada detalhe na vida e me tornei uma pessoa melhor, mais atenta com a vida, com mais paciência, empatia, tenho consciência de que aprendo todos os dias. Busco sempre estudar para percorrer esse caminho cheio de sinceridade e pureza, mas também com tantos desafios a serem desvendados. Fiz grandes amizades e ao me colocar como facilitadora do processo do outro eu também vivo o meu processo intensamente.

Terezinha Gomes Barbosa Fanti é arteterapeuta – nº registro 129

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