A vida em A morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói

A morte de Ivan Ilitch

Algumas pessoas arrepiam os pelos quando pensam em ler algum livro russa, mas a verdade é que ela tem umas pérolas que enriquecem – e muito – a literatura mundial. E a minha dica não poderia ser outra: quem quer se aventurar por lá pode ir sem medo em A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói, considerada por muitos críticos a melhor novela de todos os tempos. Não se espante se você encontrar Liev Tolstói, trata-se do mesmo gênio que escreveu essa história que, se não tomarmos cuidado, poderia ser a história de todos nós, e tudo em menos de 100 páginas. Fique aqui comigo para saber o porquê.

Sobre Leon Tolstoi

Vamos começar por quem começou com tudo. Leon Tolstói (1828-1910) foi um escritor russo que se tornou famoso pelo livro Guerra e Paz, um dos maiores livros da literatura mundial, tanto em tamanho quanto em importância histórica e filosófica. A obra reconstrói a Rússia no tempo de Napoleão e das campanhas travadas na Áustria, passando pela invasão e retirada do exército francês no território russo. 

Depois vem outro clássico, Ana Karenina, vários outros livros com uma pegada mais cristã – um reflexo da nova linha religiosa do autor após abandonar a religião ortodoxa oficial – e, no fim de sua vida, em 1886, A Morte de Ivan Ilitch. Sua vida foi marcada por muitas perdas: pai, mãe, uma tia e três filhos, o que o ajudou a ser um homem bastante reflexivo e filosófico em seus textos. Leon Tolstói morreu de pneumonia na estação ferroviária de Astapovo, atualmente chamada de Leon Tolstói), na província de Riaz, Rússia, no dia 20 de novembro de 1910.

A Morte de Ivan Ilitch

A história da vida de Ivan Ilitch foi das mais simples, das mais comuns e portanto das mais terríveis.

O livro começa quando três colegas de Ivan Ilitch veem no jornal a notícia de seu falecimento (não é spoiler, afinal, o título diz exatamente isso). A morte em si não é novidade, afinal, ele já estava bastante doente, apesar dos seus 45 anos, mas, tão logo passa o susto, o primeiro pensamento a tomar a conversa é que vem assumir o importante posto deixado vago na magistratura russa e, consequentemente, como será a dança das cadeiras. 

No velório, a viúva, Praskovia Fiodorovna, chama um desses amigos para perceber como poderá obter um benefício maior pelo falecimento do marido, já que ele ocupava um importante cargo no governo russo. E assim, logo no início, Tolstoi já dá uma pincelada do que ele irá falar ao longo das páginas: a vida é um grande jogo de interesse.

Nos próximos capítulos, vamos conhecer a vida de Ivan Ilitch: um homem comprometido com o status social e tudo o que era bem-visto na aristocracia. Desde cedo ele já havia percebido o importante era o que os outros pensavam a seu respeito.

Como estudante, ele já era exatamente o que viria a ser para o resto da vida: um jovem muito capaz, alegre, sociável, de boa paz, embora rígido no que considerava serem suas obrigações – e ele considerava suas obrigações o que quer que os seus superiores assim considerassem.

O casamento foi exatamente assim. Não é que ele morria de amores, mas Praskovia Fiodorovna era

bem relacionada e uma jovem doce, bonita, comme il faut. Dizer que Ivan Ilitch estava casando apaixonado e porque sua noiva partilhava de suas opiniões seria tão falso quanto dizer que ele só se casava porque seu círculo social aprovava a escolha. Ivan Ilitch considerava sobretudo dois aspectos: o casamento lhe traria satisfação pessoal ao mesmo tempo em que estaria fazendo o que era considerado correto pelas classes mais altas.

Mas Praskovia se revela cada vez mais irritante e exigente (na opinião de Ivan, que, lembremos, não era o marido perfeito) e ele se refugia cada vez mais no jogo de cartas com os amigos e no trabalho, que, esse sim, era a sua realização. Lá ele era quem mandava e desmandava, braço direito do governador, alguém importante.

Ivan Ilitch nunca abusou de sua autoridade, ao contrário, tentava suavizar o peso desta. Mas a consciência desse poder e a possibilidade de amenizar esse efeito só aumentavam o fascínio pela posição que ocupava.

Ao ser promovido e mudar de cidade, Ivan Ilitch está lá todo feliz decorando a casa com vários objetos que ele comprou um antiquário, mas que davam à casa o ar aristocrata que ele tanto buscava, até que cai enquanto tentava pendurar uma cortina e bate a costela no alpendre da janela. No início a dor não é nada demais, mas, com o passar do tempo, a família percebe que ele anda mais irritado e magro. A esposa insiste para que procure um médico e ele, após perceber que realmente algo não ia bem, decide aceitar o pedido.

Agora ele também não pode negar: seu corpo está morrendo. Como assim, logo ele, que viveu a vida tão direitinho? A morte não pode chegar para alguém como ele. Mas vai chegando, se instalando com dor e sofrimento, primeiro emocional, depois físico. É ao lutar contra a morte que Ivan Ilitch vai se dando conta de como foi sua vida: uma vida vazia de sentido. Enquanto ele é um fardo para todos e não consegue nem cuidar da própria higiene, descobre que não soube viver. O problema é que isso só foi percebido por causa da sombra da morte, já era tarde demais.

Toda sua dor, sua agonia, não passava de um incômodo e descaso para sua esposa e filhos, seus médicos, seus colegas. Os especialistas não têm uma resposta para esse mal, tampouco uma cura. É como é, ele se simplesmente se foi como deveria ter sido.

Como se eu estivesse caindo montanha abaixo, imaginando estar subindo. E era assim mesmo. E na opinião dos outros eu estava o tempo todo subindo e todo o tempo minha vida deslizava sob meus pés. E agora acabou tudo e é hora de morrer. Mas do que se trata afinal? Por que tem de ser assim? Não pode ser que a vida seja tão detestável e sem sentido. E se é realmente tão detestável e sem sentido, por que então devo morrer e morrer nessa agonia? Há alguma coisa errada.Talvez eu não tenha vivido como deveria.

Veja também: Ler ou não ler dois livros ao mesmo tempo? Eis a questão.

A análise da vida em A Morte de Ivan Ilitch

É impressionante como uma escrita tão simples aborda verdades tão profundas do ser humano da época de Tolstói e da nossa. É a doença física de Ivan Ilitch que revela o que realmente o matou enquanto estava em vida: a busca pela vaidade vazia, pela aprovação de outros que nunca estiveram interessados em pessoas, mas em posições.

Até a doença é frívola. Embora Tolstói não revele qual era de fato (eu penso que era câncer, pelos sintomas), tudo veio à tona quando Ivan Ilitch estava decorando a casa para se parecer de gente com posses. 

Na realidade, o efeito não passava do que normalmente é visto nas casas de pessoas que não são exatamente ricas, mas que querem parecer ricas e o máximo que conseguem é parecer-se com todas as outras pessoas de sua classe: havia damascos, ébano, plantas, tapetes, enfeites de bronze, tudo muito sóbrio e bem polido, tudo aquilo que as pessoas de uma determinada classe social possuem para parecerem outras pessoas.

Tudo isso escorre pelas suas mãos diante de uma verdade: ele vai morrer. Não sabe o motivo, aliás, nem os “especialistas” sabem. Cada um diz uma coisa, Ivan Ilitch pensa positivo, repensa, se olha no espelho, toma os remédios, deixa de tomar os remédios, se lamenta, se rebela, mas nada disso muda o fato de que ele vai morrer.

E é diante dessa verdade que todas as mentiras expostas por Ivan Ilitch vão caindo. Sua vida de futilidade revela escolhas mesquinhas, vazias e que não servem de nada diante da agonia da morte. Nada era real em sua vida: sua família, seu trabalho, seus amigos, sua vida… apenas a morte.

E assim Tolstói nos chama para a realidade em A Morte de Ivan Ilitch, não apenas para a morte física, mas para aquela que nos leva um pouquinho a cada dia diante da falsidade que mantemos em nossas escolhas e na nossa vida em busca da aprovação alheia. Perdemos a vida ao querer vivê-la para o que os outros pensam. Esse livro é profundamente incrível e muito fácil e rápido de ler. Dá facilmente para ler em 1 dia. Aliás, além dele, eu listei mais 9 livros para ler em 1 dia aqui, você pode clicar e conferir.

Aguardo os comentários de vocês para falarmos mais sobre esse livro ou lá no meu instagram. No clima de Ivan Ilitch, vou deixar um adeus em russo aqui: До свидания (se bem que mirei no Ivan Ilitch e acertei na Masha e o Urso, mas deixa quieto).

 

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