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MPC pede suspensão do aumento da tarifa do ônibus em Vitória

Orgão aponta a existência de indícios de ilegalidade no cálculo das tarifas do sistema de transporte coletivo da capital e solicita o retorno dos valores anteriores ao reajuste

MPC solicitou o retorno das antigas tarifas dos ônibus municipais de Vitória Foto: Divulgação/Prefeitura

O Ministério Público de Contas (MPC) pediu a suspensão imediata do reajuste das passagens dos ônibus municipais de Vitória, em vigor desde 16 de janeiro. Além disso, o MPC solicita o retorno da tarifa dos ônibus convencionais para R$ 2,70 e do sistema seletivo para R$ 3, até uma decisão final do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) sobre o caso.

O pedido do Ministério Público de Contas foi protocolado no final da tarde de terça-feira (16), no Tribunal de Contas. A representação aponta que o aumento das tarifas dos ônibus de Vitória foi dado sem nenhuma motivação e indica ausência de transparência e falta de divulgação da planilha de custos que originou o reajuste da tarifa.

O MPC ressalta que, após a concessão do reajuste das tarifas, recebeu diversas denúncias indicando a abusividade e ilegalidade do aumento. A partir das denúncias, foi instaurado procedimento preliminar averiguatório e os responsáveis encaminharam manifestações e planilhas com dados que supostamente indicam o valor que deve ser considerada a tarifa do transporte público coletivo de Vitória. Também foram encaminhadas as atas das reuniões do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte de Vitória (Comuttran) dos anos de 2016 e 2017.

De acordo com o MPC, a partir da análise dos documentos apresentados, em especial das planilhas de custo, verificou-se a existência de fortes indícios de que o reajuste “está maculado por vício de forma, ilegalidade, inexistência de motivação e transparência”, tornando nula a equação dos custos e, consequentemente, o Decreto Municipal 16.930/2017 da Prefeitura de Vitória. O decreto definiu novas tarifas dos ônibus municipais, sendo R$ 3,15 para os convencionais e R$ 4 para os seletivos.

Cálculo da tarifa

O sistema de transporte coletivo de Vitória é gerido pela Secretaria Municipal de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana (Setran), à qual cabe as atribuições de planejar, coordenar, gerenciar e fiscalizar o serviço de transporte de passageiros. Ele funciona mediante permissão de serviço para três empresas – Viação Grande Vitória, Viação Tabuazeiro e Unimar Transportes – e oferece serviços nas modalidades ônibus convencional e seletivo, micro-ônibus e vans (ou minibus), de acordo com prescrições previstas em contrato.

Para subsidiar as revisões das tarifas, a Setran utiliza metodologia conhecida como “planilha GEIPOT”, desenvolvida conjuntamente pelas já extintas Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (GEIPOT) e Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU). A metodologia é usada para o cálculo da “tarifa técnica” oferecida pela Setran à Câmara Temática de Transporte Público de Passageiros do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito.

Em linhas gerais, a planilha GEIPOT parte da premissa de que a tarifa é o rateio do custo total dos serviços entre os passageiros pagantes e tem como seus elementos essenciais para o cálculo: a quilometragem percorrida, o número de passageiros transportados e o custo total.

A quilometragem mensal é obtida multiplicando-se a extensão de cada linha pelo respectivo número de viagens programadas, observando-se o número de dias úteis, sábados, domingos e feriados, discriminados segundo as Ordens de Serviço Operacional, acrescida da quilometragem percorrida entre a garagem e o ponto inicial/final da linha. O custo dos serviços em Vitória é rateado pelo denominado passageiro equivalente, o qual inclui o quantitativo de pagantes da tarifa integral, os pagantes parciais e não pagantes. A confiabilidade do cálculo da tarifa depende necessariamente da perfeita apuração dos custos e despesas do sistema e a confiabilidade dos dados operacionais.

Seis valores de “tarifa técnica”

Contudo, segundo o Ministério Público de Contas, o rigor apontado pela Setran no cálculo da “tarifa técnica” não se sustentou diante da tabulação dos dados enviados ao MPC. Ao tabular os dados, o órgão ministerial verificou “ausência de fidedignidade tanto dos dados operacionais como da base de dados de custos facilmente manipuláveis, além de apresentarem inconsistências, com reflexo direto sobre o cálculo da tarifa”.

Foram verificadas cinco diferentes quantidades de passageiros, sendo quatro apresentadas pela própria Setran e diferentes da quantidade informada pelas permissionárias, resultando na possibilidade de fixação de cinco “tarifas técnicas” distintas, com variação entre R$ 1,91 e R$ 3,63.

Conforme a representação, a soma da quantidade de passageiros de cada empresa tem como resultado um total de 3.054.164 passageiros. Entretanto, na planilha consolidada, que deveria espelhar a participação das três empresas, a quantidade é de 3.088.349 passageiros. 

Esses números, segundo o MPC, diferem daqueles constantes na planilha sintética da Setran, segundo a qual a demanda equivale a 2.025.813,13 passageiros, e divergem também dos fornecidos pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Espírito Santo (Setpes) – 2.048.280,96 passageiros -, e do constante no demonstrativo de passageiros equivalente fornecido pela Prefeitura de Vitória em ofício ao MPC – 2.017.738 passageiros em média, em 2016.

Para o MPC, é inaceitável que a quantidade de passageiros equivalente, que impacta diretamente no cálculo da tarifa cobrada aos passageiros do sistema de transporte municipal de Vitória, tenha quatro números diferentes nos cálculos da Setran, nenhum deles igual àquele trazido pelo Setpes, “cada uma produzindo uma “tarifa técnica” capaz de iludir o Conselho Tarifário”. Há, ainda, um sexto valor, indicado na ata da reunião do Comuttran realizada em 12 de janeiro de 2017, quando o representante da Procuradoria-Geral de Vitória fez menção a uma planilha apresentada em reunião com fixação do valor da tarifa em R$ 3,49.

Ao avaliar a ata da reunião de 2017 do Conselho Municipal de Trânsito e Transportes de Vitória, o órgão ministerial observou “indícios veementes de que os atores que participaram da reunião não sabiam sequer o que continha as planilhas, nem tampouco como era realizada a composição de custos para se chegar ao valor final da tarifa”. Na ata também consta relato de participante que estava votando a favor do valor de R$ 3,15 “pelo motivo de que este era menor do que o valor apresentado pelas empresas permissionárias”.

“Não se está aqui a falar que o reajuste não é devido, até por que vivemos em um país com carga inflacionária, mas os responsáveis não demonstraram o mínimo condizente para tal reajuste, não trazendo informações transparentes sobre os custos do transporte, nem tampouco alinhamento de dados, não se sabendo, até o momento, calcular o valor real da tarifa municipal”, ressalta o MPC na representação.

Acrescenta, ainda, que “ao eleger o método da ‘Planilha GEIPOT’ como instrumento para fixar a tarifa técnica do sistema, a Setran teria a inequívoca obrigação de assegurar o cumprimento dos requisitos básicos nela exigidos. No entanto, optou por simular o que não vê e dissimular o que vê, e enveredou por caminho no qual desvirtuou o método e o transformou em mero instrumento de cálculo, despojado de conteúdo, distorcido da realidade e produtor de arremedo de cálculo tarifário, travestido unicamente na aplicação da forma, em manifesto prejuízo à sociedade usuária e, também, não usuária, mas que reflexamente é atingida (externalidades)”.

Com isso, o MPC conclui que os valores de “tarifa técnica” apresentados são ilegítimos e houve violação dos princípios da legalidade, da publicidade, da motivação e da transparência no aumento das tarifas dos ônibus de Vitória. Ressalta também que o aumento muito acima da inflação, sem o devido planilhamento de custos, onera e penaliza milhões de usuários do sistema de transporte coletivo.

“O uso inadequado da metodologia chamada planilha GEIPOT, a falta de atualização de seus coeficientes, os erros na coleta, tratamento e aferição das informações da base de dados, aliados à inexistência, ineficácia e ineficiência na execução dos meios fiscalização e auditoria, previstos na Lei nº 5.432/2001 e no Decreto nº 12.163/2004, refletem na apuração dos custos do sistema de transporte e na eficiência do sistema, gerando externalidade negativa”, alega o Ministério Público de Contas. Por conta disso, o órgão considera que o reajuste concedido deve ser anulado.

Responsáveis

O MPC destaca não haver dúvidas da responsabilidade do prefeito de Vitória, Luciano Santos Rezende e do presidente do Comuttran e secretário municipal de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana de Vitória, Oberacy Emmerich Junior. Segundo o órgão, o secretário deu impulso ao reajuste e o prefeito editou o Decreto Municipal 16.930/2017, “chancelando o irregular reajuste em favor das empresas permissionárias”.

Também foram apontados como responsáveis os seguintes integrantes do Conselho Municipal de Trânsito e Transportes de Vitória: os representantes da Prefeitura de Vitória no Conselho, Iohana Krouling, Leonardo Leal Schulte e Alessandra Costa F. Nunes; o representante do Setpes, Jaime Carlos de Angeli; o representante do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários no Espírito Santo (Sindirodoviários), Alessandro Vieira da Silva; e o representante da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) no Comuttran, Ortemio Locatelli Filho.

Foram excluídos da lista de responsáveis o representante da Câmara Municipal no Comuttran, Denninho Silva, e o representante do Conselho Popular de Vitória, Evandro Figueiredo Boldrine, por terem se manifestado na reunião sobre a planilha enviada pela Setran e votado pelo “congelamento” da tarifa.

Pedidos

Liminarmente, o MPC pede a concessão de medida cautelar para suspender a planilha de composição de custos das tarifas do sistema de transporte público municipal de Vitória e o Decreto Municipal 16.930/2017, o qual definiu novas tarifas dos ônibus convencionais e seletivos de Vitória, e o retorno da tarifa do convencional para R$ 2,70 e do seletivo para R$ 3 até decisão final de mérito na representação.

Ao final, pede que seja aplicada multa aos responsáveis e sejam expedidas determinações ao secretário municipal de Transportes e Trânsito de Vitória relacionadas à efetiva fiscalização do sistema de transporte coletivo e à transparência dos dados do sistema. A representação vai tramitar no Tribunal de Contas e terá como relator o conselheiro José Antônio Pimentel.

Por meio de nota, a Prefeitura de Vitória informou que ainda não foi notificada sobre esse posicionamento do Ministério Público de Contas do Espírito Santo e fará todos os esclarecimentos necessários no tempo devido.

Já a Findes informou que não vai, por enquanto, se pronunciar sobre o assunto.

A reportagem do Folha Vitória também entrou em contato com os representantes do Setpes e do Sindirodoviários citados pelo MPC, mas até o momento eles ainda não se pronunciaram sobre o assunto.

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