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Sobrevivente de desabamento em Vila Velha fala sobre a explosão, o resgate e a perda dos familiares

20 dias após o acidente, Larissa Morassuti concedeu uma entrevista exclusiva ao apresentador Douglas Camargo, do Balanço Geral Espírito Santo

Foto: TV Vitória

A única sobrevivente do desabamento de um prédio, ocorrido no último dia 21 de abril, Larissa Morassuti, concedeu uma entrevista exclusiva ao apresentador Douglas Camargo, do Balanço Geral Espírito Santo. 

20 dias depois do acidente que matou o pai, a irmã e a sobrinha, ela contou as recordações daquele dia, os momentos de aflição durante o resgate e a tristeza em perder os familiares.

Era feriado de Tiradentes. Larissa, que trabalha como doceira, estava com várias encomendas prontas para a entrega. Na casa, de três andares, estavam o pai dela, Eduardo Cardoso, de 68 anos; a irmã, Camila Morassuti Cardoso, de 34 anos; e a sobrinha, Sabrina Morassuti, de 15 anos. 

Imagens de câmeras de videomonitoramento da rua mostravam que às 7h14, após uma explosão todo o prédio foi destruído.

"...vi que era bem cedo..."

"Eu estava dormindo na sala, no sofá. Eu acordei. Olhei pela janela da sala que ficava sempre aberta. Pelo sol, vi que era bem cedo, mas não cheguei a olhar o horário no celular. Decidi dar mais uma enrolada para levantar. Era feriado. Eu me virei no sofá e foi quando aconteceu a explosão.".

"...eu voei de olho aberto e caí de olho aberto..."

"A explosão me lançou para o alto e eu quase bati no teto da minha sala e caí. Quando eu caí, já foi nos escombros. Caiu a laje inteira em cima de mim, mas só fui saber disso depois do resgate. Eu estava consciente a todo tempo. Eu voei de olho aberto e caí de olho aberto e escureceu tudo. Tudo do terceiro andar que caiu em cima de mim, fazia poc, poc, poc como se fosse uma chuva de granizo. Depois, silêncio absoluto."

"...elas gritavam: Meu Deus. Me ajuda!'

Ouvi a minha irmã gritar, minha cachorrinha chorar e minha sobrinha gritar. Elas gritavam: 'Meu Deus, o que é isso? Meu Deus. Me ajuda!' Era igual um filme de terror. Ela [a sobrinha] gritava sem parar. Eu não gritei porque eu sabia que ainda não tinha chegado ninguém e demoraria um tempo para o socorro chegar. Mesmo achando que eu iria morrer, eu mexia os meus pés, meus pulsos e sabia que existiam bolsões de ar. Por isso eu respirava de vagar. Ou que tudo iria desmoronar e me esmagar, porque tinha algo pressionando a minha cabeça. Falei uns versículos bíblicos. Conversei com Deus. Questionei Deus porque ele havia escolhido para mim uma morte tão dolorosa."

Foto: TV Vitória
"Dali de dentro eu já comecei a confortar meu coração."

"Encontraram a minha irmã, como ela estava mais abaixo, ela devia estar mais acessível, e eu escutava ela conversando com outras pessoas e parei de escutar minha sobrinha gritar. Como meu pai era idoso, eu já não achava que ele teria sobrevivido. Dali de dentro eu já comecei a confortar meu coração de que eu não veria mais meu pai. A minha sobrinha, quando ela parou de gritar, eu também achei que não a veria mais, mas eu tinha esperança de ver a minha irmã. Eu ouvia ela conversando nitidamente, falando o nome dela, os bombeiros perguntavam quem estava na casa e ela falava. Era minha irmã mais nova."

"Eu já estava me conformando que eu iria morrer..."

"[tive esperança] quando abriu um feixe de luz, como se você pegasse um palito de dente e furasse um queijo. Era daquele tamaninho, menor do que uma cabecinha de fósforo. Foi o primeiro feixinho de luz que eu vi. Ali eu não tive a esperança de que eu iria sair, mas de que eles estavam chegando perto de mim. Neste momento, eu entrei em pânico. Eu já estava me conformando que eu iria morrer, mas quando os bombeiros começaram a chegar e eu senti eles chegando, eu pensei: tenho esperança e já que tenho esperança, eu quero sair logo. Ouvi os bombeiros falando: 'pare a máquina. Eu acho que o barulho assustou ela'. Não era o barulho me assustando. Era a esperança de sair ou não. Eu falei 'bombeiro, pode continuar. O barulho da máquina não está me incomodando'. Daí voltei para a calma e eles continuaram o resgate."

"Eles começaram a cavar com a mão e eu tirava em volta de mim."

"Eu comecei a sentir pingos de água em mim, porque eles jogam água para tirar o entulho, por causa da poeira. Eu chamei o bombeiro e disse que eles estavam chegando perto. Eu falava 'o entulho que vocês estão tirando está perto do meu pé'. Eu pedia para tirar da minha cabeça, porque doía, mas estava escuro e eu não sabia que a laje inteira estava sobre mim. Eles começaram a cavar com a mão e eu tirava em volta de mim. Minha TV prendeu meu quadril e eu estava presa de lado, sem conseguir me mexer. Eles quebraram com a britadeira, mais ou menos, até o meu joelho. Era uma laje maciça. Eles tiravam, pedacinho por pedacinho."

"Eu machuquei meus cotovelos quando eu me arrastei..."

"Eu estava tentando forçar para sair, mas meu quadril estava preso e eu voltei na posição mais reta. Nessa hora, eu já tinha soltado meu cabelo. Estava preso e eu puxei. Eu falava para puxar meu pé, mas, obviamente, eles não iriam me puxar. Eles iriam fazer outra avaliação de qual era minha situação quando eu me virei. Antes que desse tempo de eles fazerem isso, eu machuquei meus cotovelos quando eu me arrastei. Daí eles gritaram pedindo a maca, pois não tinham noção que eu iria sair de um jeito tão rápido."

Foto: TV Vitória
"A saudade está começando agora..."

"Parece que estou em outro mundo. Não é o meu mundo mais. Eu nasci ali. A saudade está começando agora. No começo era muito tumulto, muita gente. A Sabrina amava pepino. Toda vez que eu fizer uma salada de pepino, vou me lembrar dela. É isso que eu me questiono: por que tanto sofrimento para ela? Ela sofreu muito. Isso me machuca, além da saudade. Mas saber que ela ficou 12 horas sofrendo é o que mais me machuca todos os dias".

"Se eu tivesse escolha, eu nem tentava recomeçar..."

"O recomeço é uma obrigação. Eu não tenho escolha. Se eu tivesse, eu nem tentava. Mas eu tenho uma filha e ela era apaixonada pelo avô dela. Agora não tenho nem casa para ela ficar quando vier aos finais de semana. Eu não sei como vai ser".

Após o desabamento, Larissa ficou internada por seis dias no hospital. Para arrecadar fundos que vão ajudar neste recomeço, uma vaquinha online foi criada por parentes de Larissa. Quem quiser colaborar com qualquer valor, basta acessar o link oficial: https://voaa.me/larissa-sobrevivente.

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