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Longe de casa: conheça três histórias de capixabas que decidiram mudar para Portugal

Dados do relatório anual do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) apontam que mais de 204 mil brasileiros vivem legalmente em Portugal. Esse é o maior número já registrado

Foto: Pixabay

Qualidade de vida, trabalho, estudo e segurança. As motivações para os capixabas deixarem suas vidas no Brasil para construir uma nova história em Portugal não têm sido poucas. Enquanto a crise econômica brasileira se agrava e o custo de vida aumenta, o sonho de cruzar o oceano por uma vida melhor nunca foi tão frequente.

Em 2021, segundo informações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), do governo português, 204.694 brasileiros estavam vivendo legalmente no país. Esse é o maior número de imigrantes do Brasil já registrado pelo órgão. O número não considera pessoas que vivem clandestinamente em terras portuguesas e nem quem tem dupla cidadania.

Os dados do relatório anual do SEF apontam ainda que os brasileiros são a maior comunidade estrangeira no país e representam 29,3% de todos os imigrantes.

Portugal também tem a segunda maior comunidade de brasileiros fora do Brasil no mundo. O último relatório do Ministério das Relações Exteriores, referente a 2020, estima que 4,2 milhões de brasileiros vivam fora do país. 

A maior parte deles, 1,77 milhão, tiveram como destino os Estados Unidos. Portugal vem em seguida. A estimativa do Itamaraty é de que 276.200 brasileiros moravam no país (entre legais e ilegais), em 2020. Com o aumento da imigração apontada pelo SEF, a probabilidade é de que esse número seja ainda maior.

Imigrantes brasileiros vivendo legalmente em Portugal

2017 – 85.426
2018 – 105.423
2019 – 151.304
2020 – 183.993
2021 - 204.694

(Fonte: SEF)

Não há levantamentos, no entanto, nem do Ministério de Relações Exteriores e nem do SEF de quais Estados brasileiros saíram esses emigrantes. Dessa forma, não é possível saber quantos capixabas vivem fora do Brasil.

Mestrado

A publicitária Amanda Santana já tinha o sonho de fazer um mestrado fora do Brasil quando passou no processo da Universidade da Beira Interior, em Covilhã. Na balança para escolher definitivamente Portugal pesaram dois fatores: a língua e a família. O irmão de Amanda já morava no país e a mãe dela a acompanhou na empreitada.

“Eu sempre tive o desejo de fazer um mestrado fora do País. Esse, sem dúvida, era um dos meus grandes sonhos. Então quando realmente decidi concretizar, escolhi Portugal porque eu já tinha família aqui. Meu irmão mora aqui há 11 anos. O idioma também foi um ponto positivo, mas no início não foi tão fácil assim”, contou Amanda, que mudou do Espírito Santo durante a pandemia.

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Amanda Santana em frente à universidade em Portugal

Assim que chegou em Portugal, o país entrou em um severo lockdown como medida sanitária para controle da Covid-19. 

“Só podíamos sair de casa para ir ao supermercado e coisas emergenciais. As aulas foram para modo on-line. Estar em um país que não é o seu, sem conhecer quase ninguém e sem ter uma visão clara de como seria o futuro, foi uma das coisas mais desafiadoras da minha vida”, revelou.

Superados os desafios iniciais, Amanda vê como um dos principais lados positivos para a mudança o encontro com pessoas de vários países e culturas diferentes. Para ela, a vida em Portugal é uma oportunidade de conhecer outros lugares e países próximos.

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Trabalho

Foi uma oportunidade de emprego que levou o desenvolvedor de software, Matheus Risso, a se mudar para Portugal no início deste ano. Depois de 5 meses trabalhando para a empresa portuguesa em esquema de home office no Brasil, por conta de medidas restritivas da pandemia de coronavírus, Risso embarcou para o novo país e revelou que o fator saudade é o que mais pesa para a permanência.

“Tem muitas empresas aqui que recrutam brasileiros. Então, foi uma oportunidade porque já tinha o desejo de conhecer outros lugares. Acho que eu tô passando pela parte mais chata da mudança. No início é tudo muito novo, depois você vai sentindo saudades das coisas. Espero que essa saudade estabilize e sinto que está chegando nesse ponto”, comentou Matheus, que atualmente mora em uma cidade na região metropolitana do Porto.

A receptividade do povo português foi um aspecto destacado por Risso que facilitou a adaptação dele. Ele ressalta, no entanto, que teve conhecimento de episódios de xenofobia contra brasileiros. Além disso, Matheus também ponderou o preço dos aluguéis. Depois de passar por um processo de gentrificação, a região da cidade do Porto se tornou mais cara para moradia.

“O transporte público é bom, você gasta bem pouco se você quiser comer bem. Normalmente, as pessoas não ganham absurdamente bem, mas você consegue viver uma vida tranquila”, relatou.

Empreender

Quando saiu do Brasil com o filho pequeno em 2018 para cursar um doutorado na área de Gestão, na cidade de Coimbra, a capixaba Amire Taiul não imaginava que a rede de apoio que ela criou poderia virar um negócio. Atualmente, ela administra 25 grupos em um aplicativo de mensagens com os mais diversos fins, como para anúncio de vagas de emprego, para prática de vôlei e até mesmo dicas para pais de pets no exterior.

“Hoje eu estou empreendendo em Portugal. Montei uma associação para ajudar os empresários. Em 2018, quando eu fui para Coimbra, eu estava sozinha com meu filho pequeno e precisava fazer amigos. Acabei criando um grupo de WhatsApp. Hoje são 25 grupos, com 7 mil pessoas espalhadas por eles. A gente se tornou uma comunidade com o apoio de aproximadamente 40 empresas parceiras. As empresas pagam um valor e publicam nos nossos grupos e no nosso Instagram”, contou Amire.

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

A brasileira explicou que o trabalho dela é como o de uma diretora de associação. E esse é o objetivo, formalizar o “Amigos em Coimbra” como cooperativa.

“É uma espécie de cooperativa, só que juridicamente ainda não é, mas na prática um ajuda o outro a crescer, divulgar o seu trabalho. Nós somos muito unidos. Nessas quase 40 empresas [que apoiam o grupo] têm mecânico de carro, tem cabeleireira, tem a moça que faz docinho, tem a barbearia, tem depilação a laser, tem venda de passagem aérea, tem até afiador de alicate para manicures brasileiras”, enumerou.

Apesar de já viver há quatro anos em Portugal, Amire disse que a segurança pública é o que mais pesa para a permanência dela lá.

“No início foi difícil, doloroso, a gente sente muita saudade da família. O primeiro inverno é difícil, muito frio. Os fatores que pesam para continuar vivendo em Portugal são vários, mas, para mim, é a questão da segurança. Você tem uma qualidade de vida maior e melhor. Eu não pago escola para meu filho, eu não pago plano de saúde e ele tem acesso à educação e à saúde”.

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Desesperança

Enquanto o custo de vida aumenta no Brasil, um estudo da FGV Social, publicado em junho do ano passado, mostrou que também tem crescido a desesperança dos jovens com o futuro no país.

Quase metade dos adolescentes e jovens, com idades entre 15 e 29 anos, ouvidos na pesquisa revelaram que deixariam o país se tivessem possibilidade. O estudo ainda mostrou que 51,9% desses jovens consideram o Brasil um país pobre. Da América Latina, os brasileiros também são os que menos acreditam numa possível progressão dentro do emprego.

A pesquisa foi citada pelo professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ednelson Dota para explicar o fluxo migratório ao país que o Brasil partilha a língua.

O professor salientou que faz parte do imaginário social, por uma questão histórica de desigualdade de desenvolvimento econômico, a idealização que a vida é melhor nos países do Norte. Essa projeção, segundo Dota, fica mais evidente em períodos como o atual, no qual a população brasileira enfrenta desemprego, inflação e crises econômicas e sociais.

“O contexto de crise que o país vive desde 2015, intensificado pela pandemia, depois da crise inflacionária de 2014 e 2015, corrói a condição de vida das pessoas e dificulta a vida cotidiana. Isso aumenta o desejo por uma emigração. Buscar novos rumos. No imaginário popular, viver na europa é melhor que viver aqui.”

O professor explica ainda que Portugal recebe dois tipos de migração brasileira. Umas das classes mais altas, incentivadas a investir no país, e outra de classes mais baixas, que encontram em Portugal a possibilidade de acessar serviços básicos.

“Nos últimos anos, Portugal abriu oportunidades para a população de média e alta renda investir lá. Essas pessoas foram atraídas na intenção de fugir de problemas estruturais típicos do Brasil, principalmente em relação à segurança e o desânimo com a corrupção.”

Em contraponto às classes altas, de acordo com o Dota, as classes mais baixas são atraídas também por aspectos como acesso a empregos e oportunidades. “São grupos com necessidades distintas. A população de renda alta não tem problema de acesso a serviços básicos. As demandas são outras.”

Pandemia

Além dos fatores econômicos e sociais destacados por Ednelson Dota, o advogado Kamylo Costa Loureiro observou para o aumento no número de imigrantes após a reabertura das fronteiras portuguesas durante a pandemia de Covid-19.

“A gente percebe o aumento da emigração de brasileiros desde 2013. Muitos escolhem Portugal por não existir a barreira da língua e por enxergarem o país como uma porta de entrada para outros países da Europa. Com a reabertura das fronteiras, após o período mais crítico da pandemia, há um número gritante de pessoas indo para Portugal, grande parte pela facilidade de regularização”, explicou Loureiro. Segundo dados do SEF, de 2020 para 2021 o aumento de imigrantes brasileiros foi de 11%.

O advogado explicou que a pandemia de coronavírus fez com que o governo português adotasse novas medidas para regularizar aqueles que estavam no país e não conseguiram voltar para casa por causa do fechamento das fronteiras.

“A recessão econômica, sozinha, não justifica o número. Neste ano, algumas regras foram alteradas. Por exemplo, se brasileiros que estão no país de forma legal tiverem um filho, o bebê é considerado original nato e os pais são naturalizados. Se os pais de um bebê nascido em Portugal são ilegais, eles também podem conseguir a naturalização se provarem que estão residindo há mais de cinco anos no país”, explicou o advogado. 

*Texto da estagiária Luiza Marcondes, com supervisão da editora Ana Carolina Monteiro

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