JULGAMENTO DO CASO MILENA GOTTARDI

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Caso Milena Gottardi: defesa de Hilário apresenta à Justiça e-mail enviado pela médica ao ex-marido

No e-mail, enviado no dia 6 de abril de 2017, Milena se mostra arrependida de ter ingressado com uma medida judicial, na qual ela conseguiu o direito de sair de casa com as filhas

Rodrigo Araújo

Redação Folha Vitória
Foto: TV Vitória

A defesa do ex-policial civil Hilário Antonio Fiorot Frasson, acusado de ser um dos mandantes do assassinato da ex-esposa, a médica Milena Gottardi, em setembro de 2017, incluiu nos autos do processo um e-mail encaminhado pela vítima ao réu cerca de cinco meses antes do crime.

A ata notarial registrada em cartório há dois anos, que comprova que o e-mail foi encaminhado de Milena para Hilário, foi anexada ao processo na última segunda-feira (16), uma semana antes do início do julgamento dos seis réus acusados de envolvimento no assassinato da médica — entre eles, Hilário.

A prova foi obtida por meio do computador do ex-policial civil. "Ele me forneceu a senha e me autorizou a entrar em sua nuvem, onde está o e-mail", explicou o advogado Leonardo Gagno, responsável pela defesa de Hilário Frasson.

No e-mail, enviado no dia 6 de abril de 2017, Milena se mostra arrependida de ter ingressado com uma medida judicial, na qual ela conseguiu o direito de sair de casa com as filhas — na época, o casal estava em processo de separação.

Ao longo do texto, a médica afirma estar confusa com a situação, que procurou a Justiça por ter sido "incentivada por algumas pessoas" e que estava com a consciência pesada diante de "postura um tanto precipitada".

"Talvez eu esteja precisando de um tempo para pensar e confesso que estou confusa, porque não imagino ficar sem você. Entrei com uma medida judicial porque na verdade fui incentivada por algumas pessoas e acabei fazendo isso, muito embora não tenha motivo para isso", diz um trecho da mensagem.

"Estou lhe enviando esse e-mail porque minha consciência pesou diante da minha postura um tanto precipitada", diz a médica, em outro trecho.

No dia anterior ao envio do e-mail, Milena Gottardi havia registrado em cartório uma carta, na qual ela afirmava, entre outras coisas, que sofria ameaças do ex-marido, que se sentia refém dentro da própria casa e que a relação deles sempre foi de posse. Disse ainda que temia pela vida dela e das duas filhas.

Segundo Gagno, o e-mail enviado pela médica mostra que a carta registrada um dia antes não tem valor. "De acordo com o e-mail, também registrado em cartório, Milena afirma que o conteúdo da carta não era verdadeiro. Ela própria escreveu que foi induzida a entrar com uma ação contra o Hilário", destacou.

"Na ocasião em que o e-mail foi escrito, Hilário não sabia da existência da carta que foi registrada em cartório, a qual foi escrita no dia 5 de abril de 2017. O e-mail foi enviado no dia 6 de abril. É notória a existência de uma sincronia entre as duas provas, a qual confirma o ato de arrependimento de Milena. Há a questão temporal, uma ação foi realizada em seguida da outra. Ou seja, Hilário não tinha como abordar um assunto sobre algo que ele nem imaginava, visto que ele somente soube da carta após a morte da Milena", completou o advogado.

Gagno destacou ainda que a médica foi orientada por suas advogadas, na época, para registrar a carta, para que, dessa forma, ela tivesse uma prova contra Hilário, uma vez que os dois estavam em processo de separação.

"As advogadas acreditavam, portanto, que essa prova seria uma evidência positiva para a médica, na eventualidade do caso ir para esfera de família. Elas usariam a carta para Milena obter a guarda das meninas", ressaltou.

O advogado afirmou ainda que o ex-policial, ao tomar conhecimento da autorização judicial obtida por Milena, para deixar a casa com as filhas, se prontificou a deixar o local. 

"Quando Hilário fica ciente sobre essa medida, ele próprio sai de casa. Milena continuou na casa do casal, com as filhas, sem qualquer tipo de empecilho colocado por parte do marido", frisou.

Defesa afirma que Hilário não era controlador

No e-mail, Milena falou também sobre seus sentimentos e a postura de Hilário, enquanto marido e pai. "Também sei que sempre foi você quem literalmente cuidou das crianças em função da minha profissão e carga horária. Não fique chateado porque você é o melhor pai do mundo e eu ainda te amo, mas como disse estou confusa", diz a médica.

De acordo com a defesa de Hilário, a mensagem escrita por Milena demonstra que a relação do casal não era permeada pelo ódio, conforme anunciado pela acusação. 

Foto: Reprodução/Facebook

"Hilário sempre disse existir cumplicidade e o amor entre o casal. Durante uma separação, é normal haver momentos acalorados, quando palavras não desejadas podem ser ditas e, na maioria das vezes, posteriormente ocorre o arrependimento", afirmou o advogado.

Gagno também rebateu a alegação sustentada pelo Ministério Público Estadual (MPES), de que Hilário era controlador, ao instalar um rastreador no veículo do casal e também câmeras na casa da família

"O Hilário colocou o rastreador no carro devido à regra contratual para contratação do seguro do veículo. Tratava-se de uma exigência da própria seguradora", explicou.

"Sobre as câmeras na residência, o objetivo era o de monitorar o dia a dia das crianças. Conforme consta na mensagem escrita pela própria médica, a rotina de trabalho dela era muito intensa. As crianças ficavam sozinhas com uma empregada doméstica. É uma prática tida como normal na sociedade atual. Ademais, as câmeras não foram implantadas, a fim de evitar qualquer especulação sobre o assunto, visto que a separação já estava em andamento", acrescentou o advogado.

MPES diz que prova tenta 'confundir os jurados'

Por meio de nota, o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) informou que os promotores de Justiça do Júri de Vitória avaliam que o ingresso de novos documentos ao processo faz parte de uma estratégia da defesa de Hilário para tentar confundir os jurados. 

"O MPES informa ainda que essa técnica de confundir para ludibriar jurados e opinião pública será trabalhada e rebatida no plenário e a verdade será demonstrada de forma cabal, com o objetivo claro de se buscar a condenação de todos os envolvidos nesse crime cruel que abalou a sociedade capixaba, praticado a mando de Hilário Frasson, com auxílio do pai, e com os outros quatro comparsas", destacou a nota do MPES.

Sobre as alegações do Ministério Público, o advogado Leonardo Gagno explicou que a prova foi anexada agora ao processo porque o Código de Processo Penal permite que as partes juntem documentos até três dias antes do julgamento pelo plenário do júri. Dessa forma, segundo ele, a inclusão do documento nos autos está totalmente dentro das regras. 

"Não entendemos o alarde da acusação sobre esse assunto. Provavelmente, se deve por saberem que a prova apresenta extrema relevância. Outro fator se deu em respeito também com a família da vítima. O intuito foi o de preservá-los de uma possível espetacularização do processo", afirmou.

A reportagem do Folha Vitória também fez contato com a assessoria de imprensa do advogado Renan Sales, um dos assistentes de acusação do caso, mas a informação é de que ele só vai se pronunciar sobre o assunto na próxima sexta-feira (20), quando concederá uma coletiva de imprensa.

Relembre o assassinato de Milena Gottardi

O assassinato de Milena Gottardi aconteceu na tarde do dia 14 de setembro de 2017 e ganhou grande repercussão no Espírito Santo. A vítima atuava como pediatra oncológica no Hospital das Clínicas, em Maruípe, Vitória.

Quando saía de um plantão, acompanhada de uma amiga, a médica foi abordada, no estacionamento do hospital, por um homem armado, que chegou a anunciar um assalto.

Foto: Reprodução

Milena e a amiga chegaram a entregar os pertences ao suposto assaltante. Quando elas se dirigiam ao carro, o criminoso atirou três vezes em direção à pediatra, atingindo a mesma na cabeça e na perna, e fugindo posteriormente. A médica foi socorrida e internada em um hospital, mas morreu no dia seguinte.

A Polícia Civil agiu rápido e, dois dias após a médica ser baleada, dois suspeitos de envolvimento no crime foram detidos: Dionathas Alves Vieira, acusado de ser o executor do crime, e Bruno Rodrigues Broetto, apontado pela polícia como o responsável por conseguir a moto utilizada por Dionathas no dia do assassinato.

A prisão dos suspeitos aconteceu praticamente ao mesmo tempo em que o corpo de Milena era sepultado em Fundão, município onde a médica nasceu e foi criada e onde grande parte de sua família ainda mora.

Com a prisão da dupla, a polícia começou a desvendar o crime e provar que Milena não havia sido vítima de um latrocínio — como fez parecer o autor dos disparos — mas sim de um crime de mando. Faltava, no entanto, chegar aos mentores do assassinato.

Para conseguir as provas necessárias, a Polícia Civil conseguiu, junto à Justiça, que as investigações corressem sob sigilo. Isso porque o principal suspeito de encomendar a morte de Milena era o ex-marido dela, o então policial civil Hilário Antônio Fiorot Frasson, que atuava como assessor técnico do gabinete do Chefe da PC, Guilherme Daré.

A ideia da Secretaria de Estado da Justiça (Sesp) era justamente impedir que Hilário tivesse acesso às provas obtidas pela Delegacia Especializada em Homicídios Contra a Mulher (DHPM), que conduzia o inquérito.

A prisão de Hilário aconteceu no dia 21 de setembro, exatamente uma semana depois do assassinato de Milena. Ele foi preso na Chefatura da Polícia Civil e encaminhado para um anexo da Delegacia de Novo México, em Vila Velha, onde ficam os policiais civis que são presos.

Mais cedo, no mesmo dia, a polícia havia prendido o pai dele, Esperidião Carlos Frasson, apontado como o outro mandante do crime, e Valcir da Silva Dias, acusado de ser um dos intermediadores do assassinato.

Segundo a polícia, o outro intermediador foi Hermenegildo Palauro Filho, o Judinho, que foi preso no dia 25 de setembro.

Todos os seis suspeitos de envolvimento no assassinato de Milena Gottardi foram autuados pela Polícia Civil, que concluiu o inquérito referente ao crime no dia 18 de outubro. O inquérito foi encaminhado ao Ministério Público Estadual (MPES), que, no dia 27 de outubro de 2017, denunciou os seis indiciados à Justiça.

A denúncia foi aceita no dia 1º de novembro daquele ano pelo juiz da 1ª Vara Criminal de Vitória, Marcos Pereira Sanches, que decretou a prisão preventiva dos seis acusados — que até então cumpriam prisão temporária. Caso sejam condenados, eles poderão pegar até 30 anos de prisão.

Hilário, Esperidião, Valcir, Hermenegildo e Dionathas foram denunciados pelos crimes de homicídio qualificado, feminicídio e fraude processual. Já Bruno responde pelo crime de feminicídio.

Entenda a participação de cada réu no caso

As investigações concluíram que Hilário e Esperidião encomendaram o assassinato de Milena Gottardi por não aceitarem o fim do casamento entre ela e o então policial civil. Para isso, eles teriam contratado Valcir e Hermenegildo para dar suporte ao crime e encontrar um executor.

Ainda segundo a polícia, Dionathas Alves foi o escolhido para executar o "serviço" — como os envolvidos se referiam ao assassinato da médica. Para isso, ele receberia uma recompensa de R$ 2 mil.

Foto: Arte/ Júlio Lopes

Dionathas teria usado uma moto, roubada pelo cunhado Bruno, para seguir de Fundão até Vitória e matar Milena.

O veículo foi apreendido em uma fazenda em Fundão, no mesmo dia em que Dionathas e Bruno foram presos. O executor confesso do assassinato disse à polícia que o crime foi planejado durante cerca de 25 dias.

O inquérito, no entanto, aponta que o planejamento do homicídio começou pelo menos dois meses antes do crime. Segundo as investigações, os seis acusados de envolvimento na morte de Milena Gottardi trocaram 1.230 ligações e formaram uma rede de comunicação antes e após o crime.

Depoimentos de quatro suspeitos de envolvimento do crime detalharam como foi o planejamento do assassinato da médica.

De acordo com informações da Secretaria de Estado da Justiça, Hilário Frasson está preso na Penitenciária de Segurança Média I; Esperidião Frasson, no Centro de Detenção Provisória de Viana II; Valcir, no Centro de Detenção Provisória de Vila Velha; Hermenegildo, no Centro de Detenção Provisória da Serra; e Dionathas e Bruno, no Centro de Detenção Provisória de Guarapari.

Hilário foi expulso da Polícia Civil em 2020

Hilário Frasson foi oficialmente expulso da Polícia Civil do Espírito Santo em junho do ano passado. A decisão foi confirmada pelo Conselho Estadual de Correição (Consecor), presidido pela Secretaria de Controle e Transparência do Estado (Secont).

O Consecor, última instância administrativa no Estado para servidores civis e militares, manteve, após análise do processo, a decisão do Conselho de Polícia Civil, que decidiu pela expulsão de Hilário Frasson dos quadros da corporação, no dia 25 de setembro de 2019.

Por causa da acusação de ser um dos mandantes do assassinato da médica, Hilário recebeu a pena máxima prevista do Estatuto da Polícia Civil, que é a demissão. Além disso, ele fica impedido de exercer outro cargo ou função por dez anos.

A demissão de Hilário é resultado do julgamento do Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) que o servidor respondia, referente ao homicídio de Milena Gottardi.

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