Em sinal de isolamento de Maduro, ONU aprova 1ª resolução contra Venezuela
As Nações Unidas aprovaram pela primeira vez uma resolução contra o governo da Venezuela, pressionando o país para que aceite ajuda humanitária e dando um mandado explícito para que a entidade inspecione possíveis violações de direitos humanos em Caracas.
A aprovação no Conselho de Direitos Humanos da ONU mostra, na interpretação de diplomatas, que o regime de Nicolás Maduro está cada vez mais isolado. O texto ainda reconhece, também pela primeira vez, que o país vive "uma crise humanitária".
A votação também foi marcada pelo apelo de Brasil, México e Europa contra qualquer iniciativa do governo de Donald Trump de usar uma intervenção militar para dar um fim à crise.
A Casa Branca e mesmo a direção da Organização dos Estados Americanos (OEA) têm falado abertamente sobre a possibilidade de uma ação militar para derrubar Maduro.
Caracas denunciou na ONU nesta quinta-feira a aprovação da resolução como "o início da escalada intervencionista" contra a Venezuela.
O documento foi aprovado com 23 votos a favor, 7 contra e 17 abstenções. Ficaram ao lado de Caracas apenas Cuba, Congo, China, Paquistão, Burundi e Egito.
Para o Grupo de Lima, a aprovação do texto foi uma "importante vitória diplomática", depois de anos tentando driblar a blindagem que Maduro havia estabelecido em órgãos internacionais com a ajuda de Rússia, China e seus aliados africanos. No resultado final, velhos aliados de Maduro, como o Equador, votaram a favor da solução.
Nos bastidores, os chavistas pressionaram e enviaram seu chanceler para se reunir com diversos países para tentar convencê-los a não apoiar o documento. O temor do governo é de que a crise seja declarada como um desastre humanitário e que a possível comprovação de violações de direitos humanos deem justificativas para uma intervenção militar.
A reportagem do jornal O Estado de S. Paulo foi a primeira a revelar o conteúdo do documento, há duas semanas. No texto aprovado nesta quinta, as instâncias internacionais monitorarão de forma permanente a situação em Caracas.
Maduro não autoriza a entrada do escritório de Direitos Humanos da ONU no país desde 2013. Mas a nova alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, espera negociar um acesso com Caracas.
De acordo como texto, os governos pressionam a Venezuela para que "aceite assistência humanitária para lidar com a falta de alimentos e remédios, o aumento da desnutrição, em especial entre crianças, e o surto de doenças que haviam sido previamente erradicadas ou estavam sob controle na América do Sul".
O texto ainda "expressa profunda preocupação com as sérias violações de direitos humanos", e qualifica a crise de "humanitária". Entre os autores da proposta, poucos têm ilusões de que o texto faça Maduro mudar seu posicionamento. Mas a aprovação mostra que o líder chavista está cada vez mais isolado.
Peru, em nome de onze países, garantiu que não existe "desejo de interferir na Venezuela" e que existe um "respeito à soberania" do país.
"Mas estamos preocupados com a crise que levou a um êxodo de 2,3 milhões de pessoas. A meta é a de dar voz aos milhões que sofrem e numa crise sem precedentes na região. Pedimos que o governo venezuelano aceite a oferta generosa de ajuda", disse a delegação de Lima representada pelo diplomata Claudio Julio de la Puente Ribeyro.
A delegação mexicana, falando também em nome do Brasil, descreveu a situação como uma "crise humanitária", mas defendeu que haja uma "negociação pacífica" para a situação e rejeitou qualquer ação que possa envolver uma ameaça de intervenção ou ação militar.
Brasil
Em discurso, a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, deixou claro que o País defende a resolução. Ela disse que o governo nacional trabalha para a restauração da democracia na Venezuela e quer que isso ocorra por meio de uma "negociação pacifica". "Vamos continuar a promover iniciativas nesse sentido e dentro da lei internacional", disse a embaixadora.
Mas ela também deixou claro que o Brasil não tolerará apelos à intervenção militar na Venezuela. "Repudiamos qualquer pedido de ação ou declaração que poderia implicar numa intervenção militar ou exercício do uso da violência na Venezuela", declarou.
Ainda assim, a diplomata pediu que Maduro "coloque fim às violações de direitos humanos, libere prisioneiros políticos e respeite autonomia de poderes do Estado".
Em nome da Europa, que votou totalmente a favor do texto, a Eslováquia afirmou estar "profundamente preocupada com o fracasso de proteger os direitos, além do enfraquecimento de instituições democráticas". Mas também deixou claro que a intervenção não pode ser o caminho. "A Venezuela precisa de uma solução democrática e de um processo de diálogo", defendeu.
Ataque
O embaixador da Venezuela, Jorge Valero, fez um duro ataque contra os governos que votaram à favor da resolução. "Nunca uma iniciativa foi tão hostil contra a Venezuela como essa", disse. "É uma interferência em meu país e viola o diálogo. Trata-se de uma manipulação política."
Para ele, o sofrimento da população é causado pelo embargo estrangeiro e por governos que querem "tutelar sobre a Venezuela".
Valero disse que é "falso chamar a crise de humanitária". "Os países que promovem isso querem derrubar Maduro. Denunciamos, portanto, essa resolução como o início de uma escalda intervencionista", completou.
Saindo ao apoio de Maduro, o governo da China deixou claro que "sempre defende a não intervenção". "Os venezuelanos tem capacidade de lidar sozinhos com seus problemas e temos de apoiar uma reconciliação", disse.
Cuba, que votou contra a resolução, denunciou o documento por ser "uma interferência em assuntos domésticos da Venezuela". "Estão usando os direitos humanos para politizar um ataque contra o governo", denunciou.
Ao atacar a ideia de uma resolução, o chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, criticou o uso dos direitos humanos como uma arma para justificar uma intervenção. Segundo ele, a assistência humanitária é "cínica".
"Eles nos enforcam e depois querem nos salvar", disse, acusando as sanções americanas e europeias como a razão pela crise que sofre o país. "Estamos em uma guerra econômica", declarou.
Numa apresentação diante do Conselho de Direitos Humanos, ele ainda insistiu que, apesar da crise, seu governo garante educação, saúde e alimentos aos venezuelanos.