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Consciência Negra também na estética para recuperação da auto estima

O Folha Vitória conversou com mulheres negras para saber como elas enxergam a própria auto estima e a beleza

Foto: Reprodução/Pexels

Há mais de 55 milhões de mulheres negras no Brasil. Altas, baixas, magras, curvilíneas, cacheadas ou não. Mulheres negras são símbolos de força e estão cada vez mais ativas na luta por igualdade de direitos e por representatividade, seja por meio do ativismo, da música, da arte ou mesmo na Academia. 

Neste sentido, não ficam de fora questionamentos que trazem a estética e o corpo como forma de consciência de um povo. 

Para a psicóloga Janaina Coelho, de 31 anos, uma questão fundamental é a valorização da própria identidade. "Eu penso que as mulheres negras tiveram sua auto estima abalada porque foi colocado um padrão de beleza único, de corpo, rosto e cabelo, de traços caucasianos. A origem dessa baixa auto estima dos negros vem da padronização de beleza", explicou a especialista.

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
A psicóloga Janaina Coelho realiza trabalhos voltados à problematização da negritude

O que é inegável é que o processo de auto percepção tem mudado. "As mulheres negras estão perdendo a vergonha de mostrar para o mundo que se sentem bonitas, e aí não importa mais se o outro acha ou não acha, essa afirmação positiva de si está acontecendo", acrescentou Janaina.

A psicóloga acrescentou ainda que não há volta para o que já se alcançou, de modo que não existe mais atenção à regras que dizem que cabelos de pessoas negras não podem ter volume. Os cabelos volumosos, como os "black power", por exemplo, têm um poder simbólico e de afirmação. "A gente vê então que cada vez mais mulheres estão com os cabelos volumosos, cacheados ou crespos, e também percebemos até que as mulheres brancas, que têm o cabelo ondulado e alisaram, estão também deixando o alisamento para trás", comentou.

O poder dos cachos

As madeixas cacheadas fazem parte do 'empoderamento' negro feminino e, para isso, as mulheres têm buscado, por exemplo, o procedimento conhecido como transição capilar, que traz de volta o crespo natural.

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

A enfermeira Giselle Ribeiro, de 28 anos, passou pelo processo. "Relutei bastante em assumir meus cachos, na verdade em grande parte da minha vida. Desde criança fui submetida a todo tipo de procedimentos químicos, já com oito ou nove anos. Na escola sempre tive dificuldades de interação com colegas devido ao meu cabelo cacheado, porque me sentia diferente, já que também sou filha adotiva, sempre estudei em escola particular, em que poucas crianças tinham cabelo cacheado. Sempre buscava ter o cabelo liso perfeito como o das minhas colegas", contou ela. 

Apesar da dificuldade, Giselle não se arrepende. "Pro meu tipo de cabelo, o alisamento durava cerca de 3 meses. Parte da raiz ia crescendo e ficando cacheada. Eu não aceitava nem isso. Eu pedia para a cabeleireira deixar o produto por mais tempo no meu cabelo, que eu aguentaria o ardor, e assim comecei a perceber que isso era patológico. O processo de transição tem sido fantástico. É a melhor revolução que eu tive em relação a mim mesma. Eu amo meu cabelo e não trocaria nunca mais. Dá trabalho e requer cuidado, mas o cabelo cacheado é divino, algo da natureza, que deve ser regado todos os dias", revelou a cacheada.

Dia de comemoração e luta

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Priscila Gama é blogueira e trata das questões da negritude em suas mídias

O Dia da Consciência Negra, que foi criado em homenagem à morte, em 1695, de Zumbi de Palmares, é hoje dia de reflexão e de luta. Atuante no movimento em diversas frentes, blogueira e atualmente presidente do Instituto das Pretas, Priscila Gama trata de como a sociedade ainda olha para a aparência do negro. "A gente tá falando de uma estética que precisou, durante muito tempo, ser embranquecida, passou por opressão", revelou.

Sobre a transição capilar, a ativista relata que é preciso coragem para recuperar as raízes culturais e ancestrais de matriz africana, mas garante que esta é uma escolha que permite reconexão intrapessoal e reconstrução da própria história. 

A história que rendeu livro para crianças 

O livro intitulado "Flavia e o Bolo de Chocolate", escrito por Miriam Leitão, conta a história da administradora Flavia Herkenhoff, de 26 anos, que recentemente se descobriu como confeiteira e empresária. 

"O livro conta da busca por aceitação, que começou desde criança, não só pela questão da cor, mas também pela adoção. Sou filha de pais brancos, um até com olho claro, descendente de alemão. Foi aí que comecei a me questionar e dizer que eu não queria mais ser 'marrom'. Minha mãe me ajudou muito, trabalhando aceitação e o amor pela minha cor, fazendo com que eu passasse a perceber que as diferenças físicas entre as pessoas não são importantes", contou a empreendedora.

Foto: Google Images
Obra de Miriam Leitão

Com relação ao cabelo, Flavia traz outra perspectiva igualmente válida, ela acredita que cada mulher deve ser livre para escolher ser como quiser.

"Comecei a alisar o cabelo com 8 anos. Minha mãe não sabia cuidar do meu cabelo, já que o dela é liso. Quantas vezes eu ia no salão para desembaraçarem meu cabelo. Hoje sou questionada por isso e foi aí que me perguntei 'ninguém questionou minha mãe quando ela quis pintar o dela de loiro'. As pessoas precisam ter a noção de que a gente pode ser do jeito que a gente quiser, com cabelo roxo, lilás, liso ou crespo", declarou, por fim. 

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