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'A gente perde saúde por falta de educação', diz professora da FGV

Claudia Costin vê risco em unificar os gastos mínimos de saúde e educação, como o governo federal propôs no dia 5 de novembro

Estadão Conteúdo

Redação Folha Vitória
Foto: Divulgação

Ministra de Fernando Henrique Cardoso, secretária estadual em São Paulo e uma das vozes mais respeitadas quando se fala em educação no País, Claudia Costin garante que um bom sistema educacional incorpora a discussão de gênero, que ficou de fora da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). "Os preconceitos de gênero podem e devem ser combatidos na escola", diz Claudia, que dirige o Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas.

Promover esse debate ajudaria a evitar a gravidez na adolescência e suas consequências: evasão escolar, casamento precoce e vulnerabilidade social. "A menina que se mantém na escola constrói um caminho profissional que garante autonomia", explica. "Logo, fica menos sujeita a aceitar uma relação agressiva."

Claudia vê risco em unificar os gastos mínimos de saúde e educação, como o governo federal propôs no dia 5 de novembro. De acordo com ela, a educação seria a mais prejudicada. "Ninguém morre de falta de educação. Não imediatamente", afirma. "A gente perde saúde por falta de educação, aumenta a taxa de fertilidade e cria subprodutos que promovem um menor desenvolvimento."

Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista:

Pesquisas mostram que os preconceitos de gênero da sociedade acabam sendo reproduzidos em sala. É papel da escola impedir que isso ocorra?

Os preconceitos de gênero podem e devem ser combatidos na escola. Hoje, existe cuidado inclusive na escolha dos livros didáticos, para verificar se as imagens que estão ali não reproduzem preconceitos existentes na sociedade. Bons sistemas educacionais incorporam essas discussões. Tanto sobre os desafios da mulher quanto sobre diversidade. Não apresentar essas questões tira a possibilidade de a criança entender o que vê nos meios de comunicação e na rua. Infelizmente, nos debates sobre a BNCC, esse tipo de orientação foi retirado para não constranger determinados grupos religiosos.

Quais seriam os efeitos de essa discussão ser feita na escola?

A grande vantagem de tratar o assunto na escola, de uma maneira mais científica, é poder desarmar preconceitos, permitindo que se viva de forma menos agressiva as relações interpessoais. Tudo o que é diferente causa um certo medo na criança e no adolescente. E o medo, muitas vezes, gera agressividade. Mostrar o que a ciência diz sobre gênero pode ser uma maneira de desarmar a violência e construir uma convivência pacífica.

A redução dos índices de gravidez na adolescência também pode ser uma consequência positiva do debate?

Sim. Algumas famílias têm o preparo necessário e até preferem discutir essas questões. Mas isso não invalida que a escola fale do aparelho reprodutor da mesma maneira que fala do digestivo. Faz parte do currículo de ciências dar as informações para se evitar gravidez precoce. Quando se permite que medos e temores sejam verbalizados e possam ser endereçados, você prepara essa adolescente para retardar a gravidez ou o casamento. Ambos levam à evasão. Se houver o abandono, as chances de empregabilidade e a possibilidade de a garota se realizar no futuro tendem a diminuir.

Há diferença entre a evasão escolar de meninos e meninas?

O menino sai da escola por uma série de razões. Todo mundo desconfia que é para trabalhar. Não, não é. Pesquisas mostram que eles saem porque acham a escola desinteressante. O menino não vê sentido no que está aprendendo ou foi acumulando fragilidades ao longo da sua escolaridade. Mas os garotos também saem da escola porque descobrem que podem ganhar prestígio se trabalharem para o tráfico ou para grupos de milícia. Ele ganha mais dinheiro e prestígio.

E o que ocorre com as meninas?

Temos de olhar para algumas questões sérias, como a gravidez e o casamento precoce. Mas também é necessário dar atenção para algo de que se fala menos: o trabalho de cuidar dos irmãos mais jovens. Quando a mãe sai para trabalhar, muitas meninas acabam se dividindo entre a escola e a rotina com os irmãos. Isso atrapalha muito.

Há uma correlação entre evasão escolar de meninas e aumento da violência contra a mulher?

A menina que consegue se manter na escola constrói um caminho profissional que garante autonomia, inclusive financeira. Logo, ela fica menos sujeita a aceitar uma relação agressiva, uma relação que a faça sofrer. Infelizmente, por uma questão até de sobrevivência econômica, muitas mulheres no passado tiveram de aguentar um casamento infeliz ou violento.

Acabar com a evasão escolar requer uma política pública específica?

Uma política importante é a educação em turno único com sete horas de aula, como fazem países que têm bons sistemas educacionais. O Brasil, infelizmente, tem aulas de manhã e à tarde. Ter um turno único com crianças e adolescentes estudando no mesmo horário libera os pais para trabalhar e permite que os adolescentes tenham um aprendizado mais aprofundado.

O atual governo tem um projeto consolidado para a educação?

O Brasil teve a sorte grande de construir a BNCC antes desse governo. E a etapa que estamos vivendo hoje é de tradução dessa base em currículos estaduais e municipais. Em certo sentido, os Estados, o Conselho Nacional de Secretários de Educação e a União dos Dirigentes Municipais de Educação estão assumindo protagonismo no processo de garantir as condições de aprendizado. Assim como o Conselho Nacional de Educação, ao revisar as diretrizes para docência. Continuamos trabalhando pelo futuro.

Como avalia a unificação dos pisos mínimos de gastos com saúde e educação, prevista na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto Federativo?

A ideia de descentralizar é positiva. Mas juntar educação e saúde em um pacote e acabar desvinculando a obrigação constitucional que existe hoje é um risco tremendo. Os países que têm bons sistemas educacionais enfatizaram a área mesmo em períodos de crise fiscal. Ninguém morre de falta de educação. Não imediatamente. A gente perde saúde por falta de educação, aumenta taxa de fertilidade da mulher e cria outros subprodutos que acabam promovendo um menor desenvolvimento. Como a emergência imediata é da saúde, os governantes terão a tendência de aumentar o gasto em saúde e diminuir de forma importante os gastos em educação.

A senhora disse que a ideia de descentralizar não é ruim. Por quê?

Alguma descentralização dos gastos precisa ocorrer, mas é preciso criar um sistema nacional de educação, como existe na saúde. Nós deveríamos fazer o Sistema Único de Saúde (SUS) da educação, cabendo ao governo um papel de coordenação e articulação.

O MEC (Ministério da Educação) anunciou o programa Educação em Prática, cuja proposta é aumentar a nota de universidades particulares que oferecerem espaços ociosos para escolas públicas. Qual a opinião da senhora?

Isso pode mascarar a ineficiência do ensino superior. Poderia haver duas notas: uma de apoio e outra com o desempenho da universidade em ensino e em pesquisa. A USP (Universidade de São Paulo) desenvolve projetos com o ensino médio e, às vezes, até com o fundamental 2 (do 6.º ao 9.º ano) de escolas públicas. É uma medida positiva que vai ao encontro do que se faz no mundo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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