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Vitória 466 anos: o carisma, as histórias e as gerações de libaneses na Capital

Alguns fugindo da guerra, outros em busca de parentes, os libaneses vieram a Vitória e se instalaram com seu carisma e tino para o comércio

Proprietário de um bar localizado no bairro Jucutuquara, Said Ghraizi Sleiman veio do Líbano em 1989, época em que o seu país de origem ainda passava por um longo período de guerra civil. Ainda preservando o sotaque, Said que a motivação, foi conhecer a família que já estava instalada em Manhuaçu (MG).

“Meus dois irmãos já moravam no Brasil e eu sempre tive o sonho de conhecer a família. Decidi vir para o Brasil. Mas quando conheci o Estado e a cidade de Vitória, vi que era para ficar. A cidade sempre foi muito bonita e me encantou”, relembra.

No começo, Said conta que vendia roupas para se manter. Depois se instalou em Vitória.

“Abri um trailer ao lado da Rádio Espírito Santo. Por conta disso, boa parte dos frequentadores eram jornalistas. Depois que saí dali, abri um bar no bairro Jardim Camburi, depois Centro de Vitória. Sempre seguido pelos meus clientes”. Atualmente, o Bar do Said, como é conhecido, funciona em Jucutuquara e é decorado com posteres e quadros de seu país de origem.

Said conta que se adaptou fácil e não sentiu muito o choque cultural por conta de sua orientação política e ideológica. “Eu sou espiritualista, nunca tive radicalismo religioso por conta disso. Lá no Líbano, também fiz parte do partido socialista e atuei na militância”.

Como não podia ser diferente, Said serve uma série de quitutes de origem árabe em seu bar, mas o que o ele faz mesmo questão de frisar é o fato de cidadão de Vitória. “Eu me considero brasileiro e sou cidadão de Vitória”, demonstra com orgulho o título que recebeu da Câmara de Vitória. 

As histórias (e gerações) dos “Jamil”

Um mesmo nome, com um significado que facilmente poderia ser remetido a Vitória, e três histórias diferentes, porém interligadas. É assim que começa a história dos libaneses Jamil, que em árabe significa "belo". Pai, filho e primo. Da mesma família. De gerações diferentes e que têm a cidade de Vitória como um dos tantos pontos em comum.

O primeiro Jamil, Jamil Toufic Letaif, o mais velho dos três, chegou ao Brasil em 1954, aos 20 anos, vindo do Líbano numa agitada viagem de navio.

“Fiz curso para ser padre no Líbano e, por isso, tinha conhecimento de várias línguas, dentre elas o latim. Por conta disso, fui chamado pelo comandante para auxiliar dentro do navio, fazendo diversas atividades. Entrei no navio para ficar na terceira classe, mas quando saí já estava dormindo na primeira classe, após fazer amizade com as pessoas importantes do navio”, recorda.

Seu destino final seria o Porto de Santos, no litoral de São Paulo, mas sua viagem terminou no Rio de Janeiro, quando seu tio, que já morava em Vitória e seria a pessoa responsável por cuidar dele, o buscou.

Ao chegar em Vitória, assim como a maioria dos imigrantes libaneses, começou a trabalhar no comércio, auxiliando o tio em uma de suas lojas. Pouco tempo depois, arrendou um negócio da família em Maruípe, onde trabalhou e morou durante toda a vida, criando os quatro filhos.

“Vitória era uma cidade muito diferente quando eu cheguei. Lembro que ainda tinha o bonde, o centro de Vitória era muito vivo, cheio de comércio. Brinquei muito carnaval nas ruas, ia para a praia. Por saber latim, logo que cheguei a Vitória eu rezei uma missa no Convento da Penha”, confidencia Jamil.

O segundo Jamil, o primo

Já nascido em Vitória, Jamil Letaif Mansur, o segundo Jamil da família, tinha apenas cinco anos quando seu pai chegou em casa com um primo vindo do Líbano - o próprio Jamil Toufic.

“Foi meu pai que foi buscá-lo no Rio de Janeiro. Eu lembro que a primeira vez que ele chegou aqui, minha mãe fez um banquete para recepcioná-lo”, disse Jamil falando do primo e fazendo questão de lembrar sempre de uma premissa dos árabes de manter a mesa farta e acolher e cuidar dos seus.

Com 68 anos e mesmo com as raízes libanesas extremamente fortes, ele se derrete por Vitória: “Eu não troco Vitória por nada nesse país. Acho tudo aqui fantástico. A vista da Baía de Vitória, a Catedral, o Teatro Carlos Gomes, o centro da cidade, eu gosto de tudo”.

Engenheiro durante a juventude, Jamil se tornou famoso em Vitória pelos dotes culinários e pela deliciosa comida que serve em seu restaurante, o Baruk, que funciona na Mata da Praia desde 1996.

“Eu aprendi a cozinhar olhando. Minha mãe era uma banqueteira, todos os pratos eram feitos em casa, nosso quibe era frito no pilão de pedra que veio do Líbano. Todos os pratos são bastante trabalhosos, mas muito gostosos”, ressalta.

Jamil Filho

Para seguir com as tradições árabes, Jamil Toufic Letaif Filho recebeu o mesmo nome de seu pai, que anos antes tinha chegado a Vitória para ficar na casa do tio.

Nascido e criado em Maruípe, passou a infância e juventude como os outros tantos capixabas da época: estudando e trabalhando no comércio da família.

Tendo morado em Vitória durante toda sua vida, considera bastante a localização de Vitória, além das praias da cidade: “As coisas em Vitória são todas próximas e, além disso, daqui é possível sair para qualquer lugar, seja praia ou montanha, com uma hora. Gosto muito da orla da cidade também. As praias são meu local favorito”.

Tendo acompanhado não só a evolução econômica e tecnológica da cidade, mas também o crescimento habitacional da cidade, os Jamil fazem coro quanto a um ponto em que é preciso melhorar: a violência. Para os três, Vitória vem deixando de ser um lugar seguro como era antes.

O que disseram

A Prefeitura de Vitória foi procurada para comentar e informou que investiu na ampliação do videomonitoramento em toda a cidade, contando hoje com 230 câmeras, ampliou para 24 horas por dia o horário de funcionamento da Guarda Municipal e vem realizando em conjunto com a Polícia Militar ações de manutenção da ordem pública.

Reportagem: Denys Lobo e Susana Kohler

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