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Capixaba pedala por sete Estados para conhecer todo o percurso do Rio São Francisco

Gilson Soares programou o Circuito São Francisco com o objetivo de percorrer toda a extensão de um dos mais importantes rios brasileiros em três meses

Reportagem: Gustavo Fernando

O escritor e ciclista Gilson Soares, 62 anos, é um verdadeiro aventureiro. Acompanhado da "magrela", como carinhosamente apelida a bicicleta que o acompanha, já realizou grandes viagens pelo Espirito Santo e pelo Brasil.

Pedalando, viajou pelo litoral sul e pelas montanhas do Espírito Santo; passou por todo o litoral norte e região noroeste do Estado, e realizou o "Circuito Rio Doce", no qual atravessou toda a extensão do rio, desde a nascente no Rio Piranga, em Minas Gerais, até a desembocadura, na Vila de Regência, em Linhares.

Mas a maior façanha ciclística do escritor está em plena realização. Desde o dia 27 de outubro, Gilson iniciou o Circuito São Francisco. O objetivo? Percorrer toda a extensão do mais importante rio do sudeste brasileiro, o Rio São Francisco.

O Velho Chico é um dos mais importantes rios do Brasil e da América do Sul. Ele passa por cinco estados e atravessa 521 municípios.  Além disso, é carinhosamente chamado de "Rio da Integração Nacional", "Rio dos Currais", "Rio Mar" e, para os indígenas, é Opará ou Pirapitinga.

Mas quem vê o Rio São Francisco tão grandioso e imponente não imagina que ele nasce tímido, meio "mineirinho", lá na Serra da Canastra, no município de São Roque de Minas, em Minas Gerais.

E o roteiro da viagem do Gilson, que começa em Vila Velha, segue até a nascente do São Francisco, e termina novamente no município Canela-Verde, não será fácil, ou rápido. Muito ao contrário. O prazo de realização do circuito é longo, irá durar entre três a quatro meses.

Além disso, o cálculo inicial do viajante aponta que toda viagem deve ultrapassar a marca de 5.000 km e atravessar sete estados: Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.

No último domingo (03), durante entrevista para composição dessa reportagem, Gilson Soares já havia completado parte da viagem. Após a saída de Vila Velha, ele passou pelo Sul do Espírito Santo, algumas cidades do Rio de Janeiro, Zona da Mata de Minas, Região do Campo das Vertentes, também em Minas, até alcançar o Parque Nacional da Serra da Canastra, onde está a nascente histórica do rio.

Diário: Concluí a primeira etapa do pedal: cheguei à nascente do Velho Chico. A sensação é de satisfação plena. A terceira semana já se inicia com a execução dos procedimentos de descida até o mar. Vamos lá?!

A partir desse ponto, o roteiro prevê uma descida margeando o Velho Chico pelo Norte de Minas Gerais, transpondo todo o estado da Bahia, alcançando Pernambuco e a linha fronteiriça dos estados de Alagoas e Sergipe, até chegar ao encontro do São Francisco com o Oceano Atlântico. Na volta ao Espírito Santo, a ideia é pedalar preferencialmente pelo extremo litoral até alcançar Vila Velha.

Gilson Soares, além de escritor, é o criador e organizador do Festival Sérgio Sampaio. Além disso, fundou o Clube Capixaba do Vinil e produziu/apresentou o Programa Toca-discos, na Rádio Universitária FM. A bicicleta é sua parceira para a loucura da cidade e para a liberdade das estradas.

Segundo Gilson , entre os maiores incentivos da viagem, além da adrenalina que envolve a aventura, estão a busca por conhecimento e a energia que se renova a cada paisagem. A cada cidade que é descoberta. A cada estrada que se cruza ao longo do Brasil.

Até o último domingo, Gilson Soares já havia passado por mais mais de 50 cidades. Sendo nove no Espírito Santo, duas no Rio de Janeiro, 31 em Minas Gerais e nove na Bahia.

O escritor afirma que o grande personagem da viagem é a Magrela. Além disso, Gilson não se considera um ciclista, um atleta. Ele afirma ser um escritor em busca de inspirações. E toda transpiração gasta na viagem, posteriormente, é transformada em palavras, frases, versos e textos. 

Mas o que o escritor leva na bagagem? Além do espírito aventureiro, aproximadamente 100 exemplares do livro "Poesia de bolso, pequenos poemas pedestres", que encontra-se disponível na internet, pouquíssimas peças de roupa (apenas uma roupa para pedalar), ferramentas para manutenção da bicicleta, objetos de higiene pessoal e um saco de dormir.

Uma das metas da viagem de Gilson Soares, que está em plena realização, é deixar em cada cidade que passa um exemplar do livro. Seja em uma biblioteca municipal ou escolar.  E, dessa forma, propagar cultura.

Diário: Quando cheguei a Vargem Bonita, a primeira cidade banhada pelo São Francisco, procurei uma biblioteca pública local (faço isso em quase todas as cidades por onde passo). Qual não foi minha surpresa ao me deparar com o nome da biblioteca: Maurício de Oliveira. A atendente (atenciosa e gentil) tratou de me contar que esse Maurício foi um comerciante de Vargem Bonita,  que sempre incentivou as iniciativas culturais, por isso a homenagem. Falei então pra ela do Maurício de Oliveira capixaba, grande violonista, professor e compositor, que dá nome hoje à Faculdade de Música do ES. Com alegria deixei nas mãos dela os meus pequenos poemas pedestres. E continuei, depois, pedalando rio abaixo e extraindo da memória incerta, excertos da (universal) Canção da Paz.

Mas qual foi o grande momento da viagem até aqui? Quando perguntado, Gilson responde sem hesitar: chegar à nascente, no alto da Serra da Canastra. "Quando estava chegando, eu fiquei bastante emocionado", reafirma. 

Além disso, segundo ele, em cada cidade que passa, além das pessoas e das histórias, o que chama a atenção é a arquitetura das igrejas, das ruas, e a mudança de vegetação, que ocorre principalmente entre os estados de Minas Gerais e Bahia. 

Diário: Saí na manhã de hoje, quinta-feira, 2 de novembro, de Rio Pomba. Passei por Santa Bárbara do Tugúrio, subi a Serra do Sapateiro (Serra de Santa Bárbara, para alguns) e cheguei a Barbacena (foto) de tarde.Foi um dia com elevado grau de dificuldade (física) e com múltiplo prazer (visual). Sem dúvida, um bom dia!


De Paratinga a Ibotirama, Oeste da Bahia, hoje. A magrela, a capela, numa tarde (de sábado) singela. Verde

O projeto "Com a magrela na estrada", só está sendo possível graças a uma campanha em um site de financiamento coletivo. Como conseguiu pouco mais da metade do que precisava, Gilson pedala contra o tempo. Simples por natureza, ele dorme em pousadas, pensões e pequenos hotéis. 

"Minha rotina é complicada. Faço um bom café da manhã e já começo a pedalar às 8h. Minha próxima refeição? Só após às 17 horas, quando paro para procurar um lugar para dormir. Como pouco, pedalo muito (sempre de chinelo de dedo) e aprendo a cada quilômetro percorrido", destaca. 

A jornada, que começou no dia 27 de outubro, já ultrapassou metade do percurso idealizado. Apesar da previsão para retornar apenas em janeiro, nos últimos dias, a saudade tem aumentado e Gilson corre contra o tempo para passar as datas festivas do fim de ano com a família. Mas se não der tempo, com certeza eles vão entender a importância do projeto.

Pai de Mariana, 38 anos, Caetano, 36, e do pequeno André, de apenas 8 anos. E avô de Théo, 19 anos, e Davi, 9. Nosso aventureiro, depois de tanto tempo longe de casa, sente que a frase "não há lugar como nosso lar", dita pela personagem Dorothy, no clássico filme " O Mágico de Oz", de 1939, nunca foi tão pertinente. Sendo assim, da mesma forma que sonhou conhecer a nascente e foz do Rio São Francisco, já pensa no retorno para casa.


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