“A Bíblia não é homofóbica”

Vice-governadora Jacqueline Moraes em seu gabinete. crédito: Secom

A vice-governadora, Jacqueline Moraes (PSB), assume nesta sexta-feira (29) o governo do Estado pela terceira vez desde que foi eleita, em 2018. Fica até o final da semana que vem devido à viagem oficial do governador Renato Casagrande (PSB) à Escócia, para participar da 26ª Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (COP26).

Na agenda, ordens de serviços, viagens ao interior, participação em eventos partidários e uma programação voltada para o “Agenda Mulher”, programa que toca na Vice-Governadoria, em parceria com o Instituto Jones dos Santos Neves, na elaboração de um diagnóstico sobre a mulher capixaba, para pautar políticas públicas.

Na última quarta-feira (27), Jacqueline recebeu a coluna em seu gabinete para falar da agenda que a espera nessa semana, mas também tratou sobre machismo, racismo, homofobia, religião, planos para o futuro e família. Foi uma conversa descontraída – desde os truques para manter os cabelos cacheados e incluir o tênis nos looks dos eventos oficiais até o preconceito que enfrenta dentro da igreja por ser evangélica progressista e socialista, além de militante de pautas identitárias.

A entrevista ocorreu no gabinete da vice, onde ela tem um enorme painel com todos os dias de seu mandato e onde também guarda os muitos presentes que recebe – principalmente artesanato e bonecas.

DE OLHO NO PODER – Você assume o Estado pela terceira vez, qual a expectativa?

JACQUELINE MORAES – A expectativa é boa, mesmo com um feriado no meio, vamos a Sooretama, Montanha, assinar ordem de serviço de casas populares. Vou participar de um evento partidário em Alfredo Chaves, no sábado, e tem o Agenda Mulher: vamos entregar os dados do eixo da saúde da mulher. A agenda está bem intensa.

 

Percebi que você aumentou sua exposição nas redes, tem se posicionado mais em assuntos polêmicos, já é visando as eleições do ano que vem?

Tenho um pensamento de muita discordância com o modelo do governo federal, mas eu sempre me posicionei. Até porque quando você se posiciona para debater a pauta das mulheres, enfrentando a violência política de gênero, já está batendo de frente com uma política do país. Eu me posicionei em 2019, quando o Presidente disse que não havia fome no país, eu já comi feijão com farinha. Eu me posicionei no caso da menina estuprada pelo tio. Nunca deixei de participar de nenhum evento com a ministra (Damares), mas veja, a Casa da Mulher Brasileira, nós assinamos, mas não tem nada lá. Fizeram o lançamento, o terreno está lá, mas não iniciou obra, não tem política pública concreta. Então, eu faço uma crítica aos posicionamentos de negacionismo da vacina, da Ciência.

 

Você é pré-candidata a deputada federal. Queria continuar como vice-governadora?

(Risos) Eu acho muito difícil, um raio não cai no mesmo lugar duas vezes. Não é por falta de vontade de estar ao lado do governador ou pela experiência do cargo. Por mim, não teria nenhum problema em continuar na dobradinha. Trabalhar com Renato Casagrande tem sido um aprendizado contínuo, mas eu vejo as dificuldades partidárias, porque nós somos do mesmo partido e eu não abro mão do PSB. É o partido dos meus sonhos, é um espaço de empoderamento muito grande. Em 2017 eu era candidata à deputada federal e me surpreendi com o convite para ser vice.

Jacqueline mostra o painel que fez com todos os dias do seu mandato em contagem regressiva. Os papéis verdes representam agendas sobre Covid.
Crédito: Fabiana Tostes

Como foi esse convite?

Entrei na convenção, no domingo, como candidata à deputada federal e saí de lá com meu número. Na segunda-feira eu já estava com os camelôs pedindo voto. Aí me ligaram para eu ir para a sede do partido. Casagrande chegou às 18 horas e disse que em meia hora iria anunciar a chapa. Chegaram todos os partidos da aliança, era o último dia para registrar a chapa e estava aquela discussão, os partidos não queriam cortar mais ninguém para federal. Foi aí que ele (Casagrande) me chamou numa sala e disse que eu não seria mais candidata à deputada federal. Eu cruzei os braços e falei: “Sacanagem, cortaram minha cabeça?”, aí ele disse que não e me fez o convite. Perguntei se era sério, ele confirmou e eu aceitei. De lá já saímos para a coletiva de imprensa.

 

Só teve esse diálogo?

Só. Nem meu marido sabia. Aí começou a sair na imprensa e meu marido (ex-vereador Adilson Avelina) tentou ligar pra mim, mas meu telefone estava descarregado. Foi muita emoção. Acho que fiquei uns dois dias pensando quando essa carruagem iria virar abóbora. “Me belisca”, eu falava. Em muitos eventos que íamos as pessoas pediam uma vice mulher, eu até achava que seria, mas nunca passou pela minha cabeça que seria eu. E isso foi da cabeça do governador. Depois ele me contou que acordou de manhã e estava com uma pessoa no coração dele e que se precisasse indicar pelo PSB, seria eu. Aí chegou uma pessoa para orar por ele e essa pessoa falou que era uma confirmação de Deus.

 

E como ficou a situação com seu esposo, o Avelina? Teve arranhões?

Teve (risos). Na verdade nós amadurecemos. Quando em 2017 eu decidi que assumiria um protagonismo político, a primeira pessoa que eu comuniquei foi ele. Ele respeitou completamente. Mas ele ficou muito frustrado, pois já estava num caminho de deputado estadual. Quando veio a notícia que eu seria vice e que ele não poderia ser candidato, foi um choque pra ele. Houve ali uma certa dor.

 

Em 2020 você apoiou outro candidato a prefeito…

Ele entendeu que deveria ser candidato, como eu sou uma pessoa de respeitar, disse para ele escolher o partido e ser candidato, disse também que o PSB foi o partido que eu escolhi e que iria militar. Teve briga, teve discussão, mas eu respeitei e ele foi candidato. No segundo turno, o partido dele já estava com compromisso com Euclério Sampaio (prefeito) e meu partido ficou neutro. Mas como tinha uma mulher disputando, no dia eu vesti uma camisa (com a inscrição) que “o novo normal é uma mulher no poder”. Isso fez o Euclério ficar muito chateado comigo.

 

Até hoje?

Sim, mas a gente vive entre tapas e beijos. Ele não me engole muito, mas eu não tenho nada contra ele. O governo está ajudando muito Cariacica, mas nossa relação é institucional.

 

Você já contou que foi vítima de racismo. Isso mudou? Recentemente você também respondeu às críticas de dois vereadores, dizendo que eles fizeram ataques de gênero…

O ataque, às vezes, é mais pela minha simplicidade. Eu estou aqui no Palácio, de tênis – se precisar, eu coloco um salto –, mas eu ando nas ruas e as pessoas perguntam se eu sou a vice-governadora. Talvez olham e não enxergam em mim um perfil. Já aconteceu várias vezes de eu sair do carro e a pessoa perguntar: “Cadê a vice-governadora?” ou então dizer: “Nossa, ela é tão simples, né?”. Mas eu não quero mudar nada em mim. Depois que eu abro a boca e falo as pessoas se surpreendem, Porque tudo que eu falo é com conhecimento, eu sou fruto da Educação. Quando eu ainda era camelô, um grupo de estudantes de Direito veio fazer uma pesquisa com os camelôs e eu participei. Uma professora da Faesa me viu e disse que eu falava muito bem e perguntou: “Por que você não faz Direito?”. Aí eu falei no ouvido dela que não podia, porque eu só tinha a quinta série. E ela me disse: “pode sim, é só voltar a estudar”. Essa professora não tem noção do que fez comigo, eu saí dali, fiz EJA, entrei na faculdade de Direito, levou 10 anos, mas eu me formei. Queria muito encontrar com ela.

Presentes que a vice-governadora recebe e guarda no gabinete.
Crédito: Fabiana Tostes

Quanto aos vereadores eu acho que tudo já está contaminado pelo processo eleitoral do ano que vem. Esses dias eu estava na igreja, orando, o pastor chamou para orar lá na frente, fui com a bandeira e durante a oração ele pediu a Deus para banir o socialismo do Brasil. Aí eu fui sentar no banco, porque o meu partido é socialista. E se ser socialista é acreditar na Ciência, é investir na Educação, é ser um dos estados que mais vacina, eu tenho orgulho de ser socialista. Mas aí um vereador fez um vídeo, com montagem, e me atacou nas redes sociais.

 

Você se considera uma cristã progressista?
Sim.

 

E isso é um problema no meio evangélico?

Quartinho anexo ao gabinete que Jacqueline usa para descansar e trocar de roupa.
crédito: Fabiana Tostes

Pra mim, não. Meu irmão é pastor batista progressista. Converso com muitos pastores progressistas. O que é ser progressista na visão religiosa? É respeitar que as pessoas têm direitos individuais, respeitar o livre arbítrio das pessoas. Quando se governa, não se governa só para um grupo, se governa para todos. Se quiser, eu posso tratar da pauta da mulher dentro da Bíblia, porque a Bíblia não é machista, a Bíblia não é homofóbica, não é transfóbica, não é. O que é ser conservador? Você casa três vezes e é conservador? Pelo amor de Deus, vamos parar de hipocrisia! O Instituto Mackenzie fez uma pesquisa e mostrou que 40% das mulheres que sofrem algum tipo de violência são evangélicas. Tem pastoras que estão tratando dessa temática, de violência doméstica, só no mundo da igreja.

 

Durante a pandemia, você fez essa ponte entre o governador e os pastores?

Casagrande é católico e muito respeitoso com os evangélicos. Nós fizemos um trabalho de envolver os pastores, de todas as organizações, convenções, associações, pastores mais conservadores, mais progressistas. Fizemos uma reunião virtual com mais de 50 pastores, para mostrar a gravidade do problema. Em dado momento um grupo pequeno queria ouvir e seguir o governo federal, mas aí o número de óbitos nesse grupo começou a aparecer. Mas a maioria compreendeu, tivemos uma adesão muito grande no combate à Covid, as igrejas ajudaram muito.

 

O que podemos esperar do seu último ano como vice-governadora e o que já tem de bloco na rua para a eleição do ano que vem?

Eu vou planejando semana a semana. Vamos buscar os números de mulheres qualificadas, quero encerrar meu planejamento do Agenda Mulher. Agora, se meu partido decidir que eu estou apta para ser candidata à deputada federal, eu vou ser candidata à deputada federal. Se decidir que estou apta para ser candidata à senadora, eu serei. Trabalho hoje com a perspectiva de ser candidata a deputada federal porque o partido apontou isso pra mim, com a mudança na legislação vai precisar de pessoas com quantidade de votos razoável. Eu vou ter um investimento partidário em cima dessa candidatura. Mas vamos ter mais mulheres na disputa, com certeza.

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Casal mora em duas casas: “Deu uma apimentada na relação”

Jacqueline em dois momentos: quando conheceu Casagrande, em 2005, e na posse de vice-governadora, em 2019
Crédito: Secom

Seis meses após assumir o mandato, em 2019, a vice-governadora Jacqueline Moraes mudou do bairro Operário, onde tem uma casa, para um apartamento em Campo Grande com a mãe e os três filhos. Seu marido, Adilson Avelina, porém, ficou na casa, onde passa a semana toda e só se junta à família nos finais de semana.

“Avelina cria bicho, lá tem cachorro, pato, galinha e eu fui obrigada a mudar por questão de segurança, protocolo do cargo. Tenho escolta, se eu for na rua, preciso acionar, faz parte do protocolo do cargo. Então os seguranças acharam melhor eu morar em Campo Grande.”

Avelina em seu quintal
Crédito: arquivo pessoal

Questionada se isso seria uma separação, Jacqueline negou. “Não, nós somos um casal moderno (risos). Nós estamos muito bem juntos, mas eu tenho uma agenda intensa. Mas isso deu até uma apimentada na relação”, disse a vice-governadora.

No seu gabinete, dois quadros enormes ocupam a parede de entrada: um com uma foto de 2005, quando ela e Avelina conheceram o governador Casagrande e outro, ao lado, com a foto da posse como vice-governadora.