MP e OAB de olho na Câmara de Vitória

O Ministério Público do Estado (MP-ES) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES) estão de olho na Câmara de Vitória, principalmente nos casos recorrentes de ataques do vereador Gilvan da Federal (Patriota) contra as duas vereadoras, Karla Coser (PT) e Camila Valadão (Psol).

Além dos episódios envolvendo os três, que praticamente marcaram todo o ano da Câmara da capital, a lupa dos promotores e advogados também está nos ataques do vereador a outros alvos – professores, servidores, sindicatos, religiões de matriz africana e profissionais da imprensa – e na atuação da Corregedoria e da presidência da Casa com relação aos episódios.

No Ministério Público, duas promotorias de Justiça estão à frente do caso. Em nota, o órgão informou que “diante das reclamações feitas por um coletivo de pessoas em relação a falas de um vereador da Câmara Municipal de Vitória, as peças que chegaram à instituição foram encaminhadas para a chefia da Promotoria de Justiça Cível de Vitória para distribuição ao promotor de Justiça responsável pela matéria de Direitos Humanos. Da mesma forma, foi encaminhada cópia do expediente à chefia da Promotoria de Justiça Criminal de Vitória, para distribuição a um dos promotores de Justiça para análise e providências naquilo que julgarem entender de direito”.

O expediente foi dado após a sessão do último dia 1º quando professores e representantes de sindicatos, além da vereadora Camila, viraram alvo do vereador. Durante a sessão, a presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de Vitória (Sindsmuvi), Waleska Timóteo, teve o espaço da “Tribuna Livre” para falar em nome dos servidores – muitos, a maioria professores e aposentados, ocupavam as galerias da Câmara.

A confusão

Waleska fez uma defesa dos servidores, dizendo que eles não são vagabundos e nem “queimadores de rosca” – alegando que tais xingamentos foram proferidos contra os servidores na sessão do dia anterior. Ela também criticou o que chamou de falta de diálogo da prefeitura ao apresentar as propostas e também o Orçamento de Vitória para o ano que vem. “A peça orçamentária não tem previsão nem de reposição inflacionária”, disse Waleska, justificando que os servidores acumulam perdas salariais na ordem de 30%.

Após Waleska discursar, Gilvan primeiro tentou impedir que ela continuasse falando, pedindo questão de ordem e dizendo que o discurso de Waleska não correspondia ao tema proposto no ofício, que estava descrito como “orçamento” – mesmo após Waleska citar, por diversas vezes, a peça orçamentária. Depois, ele começou com os ataques à representante do sindicato e aos servidores que acompanhavam da galeria.

“Quem são vocês para falar em fracasso moral? Que ficam emboscando criança na escola com ideologia de gênero, tentando embutir em menino que ele não é menino, tentando embutir em menina que ela não é menina, quem é você para falar de fracasso moral, quem é você? O fracasso na educação é por culpa de vocês”, disse o vereador, sem apresentar prova das acusações, conforme mostra o vídeo oficial da sessão, disponível nas plataformas da Câmara de Vitória.

Gilvan continuou: “Vocês são uma vergonha para a Educação, ficam emboscando criança com ideologia de gênero”. Nesse momento, um homem que estava na galeria reagiu dizendo que vergonha era o vereador. Gilvan mandou ele calar a boca e pediu mais um minuto de fala por ter sido interrompido. “O Comev é uma desgraça para a educação de Vitória. Vocês querem ensinar homossexualidade para as nossas crianças”, disse Gilvan.

O tempo de fala do vereador terminou e ele continuou gritando em direção à galeria. Outros vídeos, gravados por pessoas que estavam na sessão, mostram o vereador se levantando, com dedo em riste e chamando os professores de canalhas e covardes. Na galeria, um homem faz sinal de negativo. Mas a maioria aparece sentada, sem esboçar reação.

Enquanto isso, o vereador Anderson Goggi, que era o próximo orador, tenta discursar e pede providências ao presidente da Câmara, Davi Esmael, que responde: “Eu não posso ir lá e falar, porque ele (Gilvan) não está fazendo uso do microfone”. Goggi rebate dizendo que a sessão estava parecendo um circo.

Bate-boca entre Gilvan e Camila

No meio da discussão, Camila disse que virou para trás e falou que Gilvan estava provocando os professores. “Aí ele me manda calar a boca e começa a me xingar”. Em outros vídeos é possível ver Camila gritando: “Não me manda calar a boca, não. O senhor me respeita”. E Gilvan também aos berros: “Satanista, assassina de crianças”. Camila é católica, mãe de um menino de quase 3 anos e não consta na Polícia Civil e nem na Justiça que ela responda por crime de assassinato.

Com a confusão, o presidente encerrou a sessão. Mas o bate-boca continuou e foi necessário o aparte de outros vereadores, como mostram outros vídeos gravados por quem estava na sessão. Nas galerias, servidores indignados dizendo que é estratégia do vereador provocar, criar a confusão para forçar a derrubada da sessão quando os servidores estão presentes. Na semana anterior também teve confusão e derrubada da sessão, envolvendo o mesmo vereador, com o mesmo “modus operandi”.

Aliás, nessa legislatura, foram poucas as sessões onde não ocorreram xingamentos, ofensas, ataques pessoais e impróprios para uma casa legislativa. Uma dessas sessões foi na última terça-feira (07), quando tudo transcorreu na mais perfeita paz e harmonia. Coincidência ou não estavam presentes duas representantes da Comissão da Mulher Advogada da OAB-ES.

Advogadas vão acompanhar sessões e processos

No dia 2, um dia após a sessão do “cala a boca”, a OAB, por meio da Comissão da Mulher, publicou uma nota de repúdio intitulada: “OAB-ES repudia reiteradas ofensas contra vereadoras do município de Vitória”, citando episódios envolvendo Gilvan, Karla e Camila.

“No dia 01/12/2021 a vereadora Camila Valadão foi vítima de ataques machistas e misóginos, ofensas de baixo calão e incitações a discurso de ódio – agressões verbais que em nada professam a civilidade e índole democrática que deve marcar todo e qualquer postura de representante eleito. Esses ataques têm sido reiterados e as vereadoras são chamadas de ‘canalhas’, recebem as ofensas de ‘não terem moral’ para falar, o que ultrapassa qualquer disputa de entendimentos políticos e configura nítida intenção de impedir o exercício parlamentar às vereadoras”, diz trecho da nota que conclui com a comissão afirmando que espera medidas cabíveis do Ministério Público e da Câmara.

A presidente da Comissão da Mulher da OAB-ES, Anabela Galvão, solicitou uma audiência com o presidente da Câmara, Davi Esmael, que também é advogado. Na reunião, que contou com a presença das duas vereadoras, ficou acertado que a comissão vai acompanhar as sessões do Legislativo e também as ações que correm na Corregedoria. Gilvan já foi alvo de sete denúncias na Corregedoria – dessas, cinco foram arquivadas e duas estão tramitando à espera da apresentação dos relatórios.

“Pedi uma audiência com o presidente da Câmara para ver como a gente poderia resolver essa situação, que foi horrorosa e de total desrespeito, para que não se repita mais. Ele se comprometeu a ser mais enérgico, disse que já tinha processos na Corregedoria e pediu para a gente passar a acompanhar e é isso que nós vamos fazer. Vamos acompanhar as sessões. Também vamos marcar uma conversa com a Corregedoria e com o vereador Gilvan”, disse Anabela.

No último dia 7, Anabela e a secretária-geral da Comissão, Janaína Vasconcelos, compareceram à sessão. A preocupação da comissão é também para que episódios da câmara da capital não se espalhem para outros legislativos. “A princípio nós vamos acompanhar, se não frear, vamos tomar outras medidas, como provocar o Ministério Público, por exemplo”, disse a presidente que atua no combate, entre outras coisas, da violência política de gênero.

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Duas ações em andamento na corregedoria

No último dia 30, a Corregedoria da Câmara de Vitória sorteou os relatores de outras duas ações contra o vereador Gilvan da Federal. Uma, movida pelo Sindicato dos Jornalistas referente aos inúmeros ataques que o vereador faz a profissionais da imprensa, tem como relator o vereador André Brandino. A segunda ação, movida pela vereadora Karla Coser pela exaltação que o vereador fez a um torturador, será relatada pelo vereador Duda Brasil.

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É recíproco?

O presidente da Câmara de Vitória, Davi Esmael, não gostou da comparação, feita pelo vereador Anderson Goggi, de que a sessão estava “parecendo um circo”. Será que os artistas circenses gostaram?