Vacinação de crianças: a nova guerra ideológica

O governador Renato Casagrande esteve nesse domingo (26) na Câmara da Serra. Ele foi um dos homenageados pelo Dia do Serrano e recebeu a comenda Hugo Borges. Em seu discurso, Casagrande agradeceu o apoio que tem recebido da Câmara, do prefeito Sergio Vidigal, dos serranos e fez uma reflexão sobre quão difícil tem sido este ano, principalmente por conta da polarização política.

“Tivemos de enfrentar muitas polêmicas. A pandemia não foi só a pandemia, foi um processo em que todos os assuntos referentes à pandemia foram politizados. Todos, sem nenhuma exceção. Isso acabou dificultando ainda mais o trabalho da gestão”, disse Casagrande.

A pandemia não tinha ainda feito vítimas no Estado, quando as polêmicas já estavam se instalando. Primeiro questionou-se a gravidade da pandemia e as medidas aplicadas para contê-la. Depois veio o imbróglio sobre a construção ou não de hospitais de campanha, sobre o número de leitos ocupados, levantando a suspeita de que os hospitais não estavam lotados. Em seguida, sem dar trégua, veio a polêmica do kit Covid e de métodos não amparados na Ciência para o combate à pandemia, e as divergências sobre as medidas restritivas para o controle da circulação do coronavírus.

Chegaram as vacinas e uma enxurrada de fake news, teorias da conspiração começaram a tomar conta do debate público. A população não embarcou, o que fez do Espírito Santo um dos seis estados com maior adesão à imunização. Os fatos também se impuseram: a redução de mortes pela Covid após a vacinação é incontestável.

Recentemente, ganhou notoriedade a polêmica do passaporte sanitário, com lideranças contrárias à medida associando-a ao holocausto e ao nazismo – o que provocou fortes e duras reações de comunidades israelitas, que denunciaram a banalização de um dos piores momentos da história recente.

E agora, a vacinação de crianças de 5 a 11 anos contra a Covid é o novo foco da guerra de ideologias e politicagens em cima da pandemia. Começou em Brasília, com o embate entre a Anvisa e o presidente Bolsonaro, e tende a se espalhar pelos estados.

Casagrande falou sobre a politização da pandemia

O início de tudo

A Anvisa deu aval, no último dia 16, para que crianças de 5 a 11 anos possam tomar o imunizante contra a Covid. No mesmo dia, o presidente Bolsonaro fez uma live em que se posicionou contrário à decisão tomada pelo órgão técnico e partiu para a intimidação: “Eu pedi, extraoficialmente, o nome das pessoas que aprovaram a vacina para crianças a partir de cinco anos. Queremos divulgar o nome dessas pessoas para que todo mundo tome conhecimento”.

Desde então, os técnicos e diretores da Anvisa têm recebido ataques e ameaças. Entre os dias 17 e 20, foram 150 e-mails com intimidações recebidos pela agência. O senador Randolfe Rodrigues (Rede) ingressou no STF com um pedido de investigação e o ministro Alexandre de Moraes oficiou o Presidente para que ele apresente explicações sobre o que falou na live.

Logo em seguida, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, abriu uma consulta pública para debater o tema, como se assunto de saúde pública fosse questão de opinião. Ele também definiu a necessidade de laudo médico para que crianças sejam vacinadas, algo nunca visto antes e que vai dificultar, principalmente para as crianças pobres, o acesso à vacina.

Além da Anvisa, a Sociedade Brasileira de Pediatria e a Fiocruz também defendem a vacinação infantil. E o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) escreveu, na véspera de Natal, uma “carta às crianças do Brasil”. “Infelizmente, há quem ache natural perder a vida de vocês, pequeninos, para o coronavírus”, diz trecho da carta. Em outro trecho, os secretários se comprometem a não pedir nenhum documento como condição para vacinar as crianças.

 

Mortes

Após o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, dizer que as mortes de crianças por Covid “estão absolutamente dentro de um patamar que não implica em decisões emergenciais”, a Sociedade Brasileira de Pediatria lançou um manifesto, na véspera do Natal, rebatendo o ministro. Desde o início da pandemia até o dia 6 de dezembro, 2.625 crianças e adolescentes (0 a 19 anos) morreram de Covid no Brasil.

“Ao contrário do que afirmou recentemente o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, o número de hospitalizações e de mortes motivadas pela Covid-19 na população pediátrica, de forma geral, incluindo o grupo de crianças de 5-11 anos, não está em patamares aceitáveis. Infelizmente, as taxas estão entre as mais altas do mundo. Até o momento, a Covid-19 vitimou mais de 2.500 crianças de zero a 19 anos, sendo mais de 300 delas confirmadas no grupo de 5-11 anos, causando ainda milhares de hospitalizações”, diz trecho do manifesto.

“Além deste triste cenário, a Covid-19 em crianças pode ainda ocasionar a chamada Síndrome Inflamatória Multissistêmica, um quadro grave de tratamento hospitalar e que se manifesta semanas após a infecção pelo SARS-CoV-2. Também já foram confirmados mais de 1.400 casos desta síndrome em crianças no País, com mediana de idade de 5 anos, com efeito letal em pelo menos 85 crianças e sequelas neurológicas, cardiovasculares e respiratórias em muitas outras”, afirma a carta.

 

Nésio se posiciona

Nésio tem defendido a imunização de crianças
Crédito: Sesa

Já há alguns dias que o secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, tem defendido a vacinação das crianças de 5 a 11 anos. Pai de quatro fihos, Nésio, em sua conta oficial do Twitter, replicou a carta do Conass, citou o exemplo da Bolívia que vai pedir comprovante de vacinação dos estudantes e falou que o governo tem vacina para iniciar a imunização das crianças.

“A cobertura vacinal precisa ultrapassar 90% da população total, para isso é fundamental alcançar as crianças. Mesmo com 90% de cobertura vacinal, os não vacinados continuarão sendo fábricas de novas variantes e tendo uma taxa de internação maior que a dos vacinados”, escreveu Nésio num dos posts.

Em outro post, escreveu: “A maior ameaça não é a Omicron, é perder a luta de ideias (para) as teses antivax/negacionistas e não convencer os 35% da população não totalmente imunizada de se vacinar e completar o esquema de 3D. O vírus não tem cérebro, ele se comporta por características naturais, utilizando-se das brechas que encontra no sistema imune da população de hospedeiros intermediários e definitivos, que podem estar mais ou menos expostos e suscetíveis. Já os antivax e negacionistas são astutos, ardis e possuem uma rede organizada de produção de mentiras e de escárnio. Não perco tempo discutindo com formuladores antivax, nem com fariseus da ciência e da medicina que subsidiam essa psicose”, diz postagem datada do último dia 19 e que já demonstra o tom que o assunto será tratado.

O governador, por sua vez, ainda não se posicionou publicamente sobre o tema, o que deve ocorrer nos próximos dias com as movimentações que podem surgir de Brasília – tanto do Palácio do Planalto quanto do STF. Mas, pelo discurso que fez na Câmara da Serra ontem, Casagrande não deve fugir do debate. Pelo contrário, deve assumir a mesma postura que teve ao defender medidas antipáticas, como ele mesmo chama, no pico da pandemia: deve ir para o enfrentamento, sem recuar da decisão tomada.