'Não é papel do governo decidir o que é verdade'
Principal advogado do The New York Times há 16 anos, David McCraw ficou conhecido em 2016 quando uma carta sua em resposta à defesa do então candidato republicano Donald Trump viralizou - o texto explicava por que o jornal não retiraria do ar uma matéria que acusava o presidente americano de assédio sexual. Hoje, sua principal preocupação é um termo popularizado por Trump: fake news. No Brasil para palestras sobre o tema na Fundação Getúlio Vargas e no Centro Universitário de Brasília, McCraw critica iniciativas do governo de legislar sobre notícias falsas e desaprova a retirada de conteúdos online por medidas judiciais. "Não é o papel do governo decidir o que é verdade".
Vários projetos que tramitam no Congresso pretendem penalizar quem compartilha notícias falsas. Esse é o melhor caminho?
Em última instância, penso que a cura é pior que a doença. Recorrer ao governo para policiar notícias falsas inevitavelmente leva à injustiça. E mina o papel da população na eleição e na democracia. A melhor solução é sempre ter mais discursos - e não banir discursos. Identificar fake news, chamar atenção para elas, criticar e desafiar quem as distribui: essas são formas muito melhores de combater a desinformação.
Como é essa relação nos Estados Unidos?
Por causa da força da Primeira Emenda, não houve uma tentativa direta de legislar contra ela. Em muitos casos, as fake news que vimos nos Estados Unidos durante as eleições tinham motivação mais comercial que política. As pessoas perceberam que podiam trazer mais anúncios e mais leitores fazendo fake news. Em 2012, a Suprema Corte decidiu que a Primeira Emenda protege o direito de mentir - o que parece uma decisão surpreendente. Mas é consistente com a postura dos Estados Unidos em relação à liberdade de expressão. Não é o papel do governo decidir o que é verdade. A população tem que tomar suas próprias decisões.
Políticos brasileiros têm recorrido à Justiça para retirar conteúdo online do ar. Qual o perigo disso?
Isso não acontece nos Estados Unidos. Fica bem claro que o Facebook e o Twitter também estão protegidos pela Primeira Emenda, assim como seus usuários. Geralmente, fica a cargo das plataformas a decisão do que tirar do ar - nem aos juízes nem ao governo. Os candidatos têm o direito de fazer isso, embora estejam sujeitos a duras críticas. Os eleitores ficam enojados por atitudes assim.
Discursos anti-imprensa têm sido popular entre eleitores. Por que isso acontece?
Os cidadãos desconfiam de quem está no poder e a imprensa obviamente tem poder. É um alvo fácil. Os candidatos que usam o termo fake news para criticar matérias das quais eles não gostam estão tentando confundir o debate. Fake news é quando alguém engana de forma intencional. O que vemos é que essa expressão é usada quando a reportagem não agrada ou quando há um erro desproposital na imprensa. A imprensa tem que ser criticada - é parte do funcionamento da democracia. Assim como o governo deve ser criticado, e é nosso trabalho é fazer isso. Mas há um efeito muito negativo sobre a democracia quando seguidores de um candidato são encorajados a simplesmente desqualificar o que eles leem ou veem na TV. Quando simplesmente se fala em fake news, é um convite para que as pessoas não pensem. E isso é um problema para a democracia.
Como o senhor vê iniciativas colaborativas de veículos de mídia para combater desinformação durante as eleições?
Nos Estados Unidos, o fact-checking independente tem sido útil de certa forma. O que temos visto que ajuda são coalizões de mídia que procuram conscientizar o público sobre a importância de uma imprensa livre. A quantidade de informação nas redes sociais fez com que as pessoas achassem que a imprensa independente não era mais necessária. Mas é o oposto disso - a imprensa é mais necessária que nunca, por causa das notícias falsas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.