'Só acendi fósforo no barril de pólvora', diz criadora de grupo contra Bolsonaro
A moça que conseguiu reunir 3,8 milhões de mulheres contra um candidato a presidente acha que sequer vai votar nessas eleições. "Não digo que todos os políticos são corruptos, sei que existem pessoas sérias, mas quando estão em um partido ficam muito limitadas, precisam reforçar o ideal do partido", diz a baiana Ludimilla Teixeira, de 36 anos, que há um mês criou no Facebook o grupo Mulheres Unidas Contra Bolsonaro. "O que eu sei é em quem eu não vou votar", completa Ludimilla, que é funcionária pública em Salvador e se diz anarquista.
A rápida e crescente adesão das integrantes fez com que a #Elenão - que surgiu de uma campanha organizada dentro do grupo para escolher a melhor forma de protestar - ganhasse notoriedade internacional.
Na sexta-feira, 28, a cantora Madonna postou uma mensagem de apoio. "Eu chorei quando vi", conta Ludimilla. Atualmente, 10 mil mulheres por minuto pedem para entrar no grupo, que não aceita homens.
Também dentro da página foram marcados os protestos contra a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) que ocorrem neste sábado, 29, em várias cidades do País.
Ludimilla pede licença para usar um neologismo e chama as integrantes do grupo de "membras". Credita a força do movimento a elas e às 110 administradoras do grupo - que passam a noite respondendo a milhares de mensagens, postando informações e aprovando integrantes. "Eu só acendi o fósforo para explodir o barril de pólvora da indignação coletiva feminina."
A baiana conta que nunca participou ativamente do movimento feminista nem se filiou a nenhum partido. Envolveu-se no movimento estudantil durante a faculdade de Publicidade e participou do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 2002. Aos 20 anos, foi a primeira vez que saiu da Bahia, lembra, e que teve contato com "discussões políticas fundamentadas".
A ideia de criar o grupo nasceu de uma conversa com uma amiga numa noite em que se questionavam sobre o que fazer para alertar a população sobre as ideias de Bolsonaro, que considera "fascistas e machistas".
Ludimilla se recusa a pronunciar o nome do candidato, a quem chama de "inominável". "Às 6h25 da manhã acordei e criei a página, fui adicionando as minhas amigas sem avisar." Nas primeiras 48 horas, já tinham 6 mil integrantes. "Acho que as mulheres estavam carentes de um espaço para debate. Vai além da candidatura, a luta é muito maior."
Depois que o grupo começou a crescer, representantes de candidatos a procuraram, mas, segundo ela, não houve conversa porque "os partidos não queriam dialogar com o grupo e, sim, meu apoio individual". "Agradecemos a menção e o apoio de todas as frentes, mas nossa proposta é suprapartidária."
Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) usaram a hashtag em suas propagandas eleitorais e políticos de vários partidos se programaram para participar dos protestos deste sábado.
Família
Ludimilla nasceu em uma família pobre da periferia de Salvador, no bairro de Cajazeiras, conhecido pelo alto índice de mortes violentas e pela grande população negra. A mãe, auxiliar de enfermagem, sustentava a família. Ela tem dois irmãos e um deles pretendia votar em Bolsonaro. "Acho que ele vai mudar de ideia."
Invasão de hackers
Quando o grupo chegou a 2 milhões de integrantes, ele sofreu uma invasão de hackers. Membros foram apagados, outros incluídos e o nome foi mudado para "Mulheres com Bolsonaro".
O ataque foi feito diretamente nas contas de Ludimilla, que, depois disso, teve de trocar de aparelho e operadora de celular e até hoje não recuperou sua conta de e-mail. Com a ajuda do Facebook, a página voltou ao ar da mesma forma e com membros do dia anterior ao hackeamento. A invasão está sendo investigado pela polícia.
Ameaças
Ludimilla também passou a receber ameaças por telefone e redes sociais. Não sai mais sozinha à noite e usa seguranças. Ela é solteira e divide a casa com dois gatos e um cachorro. Advogadas que conheceu pelo grupo estão a orientando sobre como proceder.
A mãe de Ludimilla não entendeu a expressão "ataque cibernético" quando contaram o que a filha havia sofrido. "Ela achou que tinham me atacado fisicamente, ficou muito preocupada", conta. "Eu tenho medo, principalmente depois do que aconteceu com a Marielle (Franco, vereadora assassinada no Rio). Mas acho que eu e essas 4 milhões de mulheres podemos estar mudando o futuro do País." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.