Por que não devemos recorrer ao Google para tirar dúvidas sobre algum diagnóstico?

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Dra. Alice Sarcinelli

Doutora, afinal pode ou não pode consultar o Google para saber que doença eu tenho? Aquela pergunta que vira e mexe a gente se faz. Vou falar sobre essas voltas que a ciência dá e muitas vezes nos deixam com um nó na cabeça. Uma hora pode ovo outra hora não pode. Uma hora o remédio faz bem na outra vira veneno. Como é isso? Como filtrar tanta informação quando temos o Dr. Google à nossa disposição?

Atire a primeira pedra quem nunca correu para o Google para pesquisar sobre alguma doença ou exame. O problema é que uma simples mancha no corpo pode aparecer nos resultados de busca até como um câncer! É de deixar qualquer um de cabelo em pé! Faça um teste. Digite lá no Google “flúor criança” e analise os resultados: são cento e vinte nove mil em menos de meio segundo. Só nas cinco primeiras páginas já aparecem divergências. Algumas defendendo o uso desde bebês e outra falando que flúor só após os cinco anos. Como filtrar tanta informação?

Cada especialista que consultamos, seja um pediatra, um odontopediatra, um otorrinolaringologista, passam anos centrados no estudo da sua área e em constante atualização. Realmente, o Google não é melhor caminho quando se trata de diagnóstico muito menos de tratamento. Acontece muito também de irmos a um médico e depois checarmos no Google a prescrição que ele fez.

Foi num profissional? Confie nele, siga sua recomendação, tire suas dúvidas no consultório, nunca saia sem perguntar tudo que tiver vontade. Caso não sinta segurança, troque de profissional, mas não fique com essa angústia de estar ou não fazendo o correto.

E sobre este aparente vai e vem da ciência é assim: existe muito tipo de ciência e pesquisa científica. Há uma classificação dos estudos de acordo com sua metodologia, que é a maneira com que foi realizado. Vou usar como exemplo um estudo sobre flúor. Eu posso ter um estudo sobre flúor que não testou nada na prática, ele se propôs a revisar estudos anteriores, compará-los e chegar a uma conclusão, são as revisões. Outros acompanham grupos na população desde o momento em que não utilizavam flúor até a sua utilização, comparando a grupos que nunca o utilizaram. Outros ainda estudam o uso de flúor perguntando às pessoas sobre eventos que aconteceram em seu passado e relacionando a questões de saúde que o indivíduo apresenta no presente, o que, por exemplo, pode trazer algo chamado de viés de memória: a pessoa diz que aconteceu lá atrás de um jeito, mas não foi bem assim. Nestes estudos será que a escolha das pessoas que participaram foi aleatória? Houve um grupo de pessoas que participaram do teste daquele medicamento, mas receberam um placebo no lugar da droga para comparar quem usa e quem não usa? Além de muitos outros exemplos.

Então muitas vezes um estudo novo em data não substituiu um antigo, porque a força da sua metodologia é menor. Mas é difícil entender isso porque os meios de comunicação muitas vezes também não ajudam. Vou dar um exemplo fictício. Saiu uma pesquisa que observou, não testou, que parece haver maior número de casos de dor de dente em quem toma café. A notícia sai assim: café causa dor dente. Primeiro: não foi essa a conclusão da pesquisa. Segundo: essa pesquisa levanta uma hipótese – café pode estar relacionado a dor de dente? – que por sua vez terá que ser testada de muitas maneiras até que se possa ou não chegar a esta conclusão. Mas aí o que muita gente faz? Utiliza essa pesquisa para induzir as pessoas a realmente temerem o café. Por isso é preciso ter muita cautela, principalmente em tempos de internet.

Por incrível que pareça opinião de especialista na pirâmide de valor em ciência é o que há de mais fraco quando não embasada cientificamente. Não pode ser “porque eu acho”, “porque com meus pacientes é assim”. Procure, para qualquer caso de saúde, um profissional que esteja comprometido com a ciência e atualizado. Pode ser que o que ele tenha prescrito para seu primeiro filho há anos atrás seja diferente do que ele propõe hoje e isso pode gerar estranhamento do tipo “antes você falava que era para eu limpar a boca do meu bebê sem dente, agora diz que não pode limpar?”. O que isso significa? Que ele está atualizado, cientificamente embasado e procurando propor para sua família o que há de melhor e mais seguro!

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Dra. Alice Sarcinelli

Cirurgiã Dentista. Odontopediatra. Mestre em Saúde Pública. Doutora em Odontologia/Odontopediatria. Professora da Universidade Federal do Espírito Santo e Gestora do Centro Médico Shopping Vitória. @draalicesarcinelli