Política

"A omissão da sociedade pode condenar uma cidade a ser refém de um futuro indesejado", diz ex-prefeito

Silvio Barros

Silvio Barros Foto: Divulgação

Uma cidade para pessoas e não para políticos. Essa é a ideia do ex-prefeito de Maringá (PR), Silvio Barros, que impulsionou o modelo de desenvolvimento em que a sociedade, unida, possa fazer a diferença.

A ideia surgiu em 1996 como uma iniciativa popular, que criou um documento estabelecendo metas e conceitos para a cidade paranaense até 2030. Até hoje, o modelo embase as propostas dos futuros políticos. 

Para entender melhor o projeto, o Folha Vitória entrevistou o ex-prefeito. Confira:

Folha Vitória: Como foi o modelo de desenvolvimento aplicado em Maringá?
Silvio Barros: A cidade estava em crise, o PIB crescendo metade do resto do Estado e lideranças da comunidade resolveram criar um movimento chamado Repensando Maringá para tentar definir o rumo que a sociedade gostaria de ver a cidade seguir independente da vontade ou dos compromissos políticos dos gestores de plantão. Mas, muito mais importante do que o modelo é o conceito. Quando uma comunidade compreende que não precisa ser refém do seu futuro, mas pode escrevê-lo e em grande parte assegurar que as condições de vida sejam de fato cada vez melhores, ela mesma irá se organizar para alcançar este objetivo e encontrar a metodologia ou modelo que seja mais adequado às suas peculiaridades e característica sociais, geográficas, culturais e econômicas. O nosso projeto começa por uma sensibilização conceitual e apresenta uma metodologia que já foi testada e aprovada em Maringá durante os últimos vinte anos, mas existem outras que também funcionam em outros lugares.  

FV: Esse modelo, de repente, funcionaria na região metropolitana de Vitória, já que é aplicado em outros centros urbanos?
SB: Tenho certeza que sim. Nós começamos só em Maringá, mas depois percebemos que não é possível planejar futuro em Mobilidade, em Moradia, Desenvolvimento Industrial sem considerar as íntimas relações de interdependência que os municípios conurbados têm nestas áreas e muitas outras. No entanto, é mais fácil começar em uma cidade e depois convidar as outras para aderirem a um processo em andamento e bem-sucedido do que tentar discutir com todos se devem ou não fazer e como fazer. Em Goiânia foi assim, a capital começou e em seguida convidou as outras cidades da região metropolitana a se juntarem.

FV: De que forma a sociedade pode se mobilizar e influenciar nesse modelo de desenvolvimento?
SB: Tudo depende do grau de maturidade social ou do capital social da comunidade. Primeiro temos que achar os apaixonados pela cidade que querem investir tempo, dinheiro e compartilhar conhecimento e expertise para melhorar a cidade onde vivem. É fundamental que o processo seja participativo e não através de uma consultoria especializada que produza um relatório científico. O envolvimento e paternidade compartilhada pela sociedade é mais importante do que a técnica acadêmica ou cientifica. Quanto mais elevado o nível de participação da sociedade, melhor monitorado e acompanhado será o planejamento.  

FV: Qual é o principal desafio das cidades nesse processo de desenvolvimento?
SB: Achar os apaixonados e convencê-los a sair da zona de conforto. Este modelo só funciona em lugares onde lideranças têm efetivamente compromissos coletivos maiores do que os individuais. Cidades onde este nível de amadurecimento social e político não estão presentes, este modelo não frutificará. A velocidade de implantação do programa é diferente em cada cidade. Depende exatamente do grau de envolvimento social. A paixão pela cidade da gente normalmente não é temporária. Ou a gente gosta ou não gosta de onde vive. Se não gosta acaba mudando, se gosta fica e quer que seja cada vez melhor. Pessoas que decidem dedicar tempo e investir num projeto de longo prazo para o futuro da sua cidade, tendem a permanecer ligados ao projeto por longo tempo. 

FV: O trânsito, sem dúvida, tem sido um dos principais problemas das grandes cidades. Como pensar em uma solução para esse impasse de olho no futuro?
SB: De fato a mobilidade urbana se apresenta como um dos maiores desafios. Os problemas de trânsito são em grande parte decorrentes da falta de um plano eficiente de mobilidade. A migração do transporte individual para o coletivo é sem estratégica neste tema, mas isso é por natureza uma ação de longo prazo, portanto totalmente integrada ao conceito de uma cidade que pensa seu futuro. Mas não é só isso. As tendências globais chegarão aqui também e precisamos estar preparados para incorporá-las à nossa realidade. O planejamento urbano e as definições de expansão do perímetro, verticalização, adensamento, bairros inteligentes etc, também fazem parte da solução de mobilidade e são medidas cuja implementação demanda prazo longo e planejamento anterior.  

FV: Falta planejamento dos atuais governantes para enfrentar esses desafios?
SB: Nós descobrimos que este tipo de  planejamento de longo prazo não deve ser feito pelos governos e sim pela própria comunidade. Se o projeto for dela, vai acabar balizando as ações dos gestores, será protegido por ela mesma contra a descontinuidade política e refletirá os interesse da coletividade mais do que os da ideologia partidária  que estiver no poder num determinado momento.

FV: Os novos prefeitos eleitos, na sua avaliação, já têm essa visão desenvolvimentista ou ainda estão presos no modelo engessado e seu resultados a longo prazo?
SB: Minha opinião pessoal influenciada evidentemente pela experiência de ter sido prefeito me dá convicção de que a visão do gestor ajuda muito, mas não é suficiente para resolver o problema. A falta de visão e a omissão da sociedade organizada, esta sim pode condenar uma cidade a ser refém de um futuro indesejado.

FV: Em relação ao mercado de trabalho, como o senhor avalia esse processo dentro desse modelo de desenvolvimento?
SB: É preciso entender que o ponto de partida é o desenvolvimento econômico, pois dele dependem os aspectos sociais e ambientais da cidade. Se dermos atenção à vocação econômica e ao fortalecimento da atividade produtiva a cidade vai gerar empregos naturalmente. As políticas públicas implementadas dentro de uma lógica desenvolvimentista darão resultado e criarão mercado de trabalho. Comprovamos isso em Maringá.

FV: Em alguma cidade já houve a adesão oficial da mídia local (TVs, rádios, jornais) como integrante efetivo do conselho formado? 
SB: Sim e onde isso aconteceu foi fundamental, pois quanto mais pessoas da comunidade entenderem  o conceito e se comprometerem com sua legitimidade, melhores e mais rápidos serão os resultados. 

Pontos moeda