Cataclismas e carnaval: um diálogo sobre a experiência estética

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Clara Sampaio

Escrevo de longe do país do carnaval. Por mais que as distâncias tenham diminuído simbolicamente, esse é um período do ano difícil de estar online nas redes sociais: verão, suor, samba e cerveja… aquela história. Do lado de cá do Atlântico, uma tempestade toma conta de Lisboa, aqui Cataclisma, e aí Carnaval.

Nesse ensejo de um momento de celebração da vida e do corpo, essa “alegria infernal” (2), queria retomar a reflexão do texto anterior, quando falava da importância da experiência estética, isto é, de viver momentos de pura beleza e contemplação enquanto posicionamento político ( e não como alienação). O carnaval, para mim, é a acepção máxima dessa questão: manifestação popular que ocupa espaços públicos, permite viver, estar, experimentar e brindar a vida. Ato que desde de sempre foi revolucionário, e continua sendo, ao se transformar e ser levado para várias partes do mundo (onde há brasileires, há festa).

Por aqui há uma espécie de faísca, não chega a ser um inferno inteiro, e notei que passei os últimos dias buscando preencher essa saudade coletando imagens nos meus trajetos pela cidade, nas coisas que tenho lido e visto.

Carnaval enquanto imagem forte, ofereço aqui uma pequena lista de descobertas com o desejo de que as palavras convoquem imagens e curiosidade, e que vocês possam buscar e se deleitar com o prazer estético de cada uma delas: 

Detalhe da Estação Parque em Lisboa. Intervenção artística de Françoise Schein e Federica Matta com projeto de Maria Keil. Acervo pessoal.

Uma intervenção no metrô: Parque (Lisboa), Françoise Schein e Federica Matta (1994)

Projeto belíssimo de azulejaria azul que reveste todo o interior da estação, como numa espécie de sonho marítimo. Apresenta o universo das navegações, entrelaçado à Declaração aos Direitos Humanos e o desejo de mapear o mundo entrelaçado a pensadores como Tolstói, Heráclito e Fernando Pessoa. Recomendo vivamente pesquisar, e para quem puder, visitar. Fiquei pensando na potência desse lugar de passagem como espaço produtor de sentidos. Nunca me canso de descobrir mais detalhes nesse mapa gigante e pensar que várias artistas poderiam transportar seus universos de pesquisa para esse tipo de meio/suporte.

Detalhe da Estação Parque em Lisboa. Intervenção artística de Françoise Schein e Federica Matta com projeto de Maria Keil. Acervo pessoal.

 

Filme: Ein Sof (2021) de Orly Anan

Um mergulho na galáxia carnavalesca de Orly Anan, em que cada personagem é um arquétipo da sociedade, motivada pelo título que na Cabala que dizer, o Deus sem fim, uno.

 

Livro: A Corneta (1974) de Leonora Carrington

Pintora e escritora surrealista com uma narrativa imersiva cheia de detalhes e simbolismos. A corneta conta a história fantástica de uma mulher quase centenária e seus desafios de sobrevivência em uma sociedade pouco preparada para a velhice. Seu livro The Milk of Dreams foi o mote da última Bienal de Arte de Veneza (2022).

 

Exposição: Ovo Cósmico (2024) de Felippe Moraes

Galeria Verve, São Paulo. Celebração do corpo, do cosmos, da tecnologia alquimista e ancestral, a exposição apresenta o trabalho mais recente do artista em uma espécie de imersão-planetário-dance floor.

https://www.instagram.com/felippemoraes/

 

Trabalho artístico: Dream On, Wake Up: Cosmo Nap (2024)

As artistas Dárida Rodrigues e Duda Affonso investigam nesse trabalho o espaço de consciência e inconsciência entre o sono e a vigília; em imagens oníricas captadas em residências e experiências visuais com elementos da natureza de paisagens naturais e urbanas projetadas em uma redoma que abraça o público. A proposição artística faz parte da exposição “On the urgency of dreaming” a ser inaugurada em Estocolmo em abril de 2024 (Stockholm Independent Art Fair 2024) com curadoria de Cristiana Tejo. 

https://www.instagram.com/darida/

https://www.instagram.com/dudaffonso

 

Notas:

(1) Ela e Eu, canção interpretada por Maria Bethânia (1979, Universal Music).

(2) Marcha do Cordão do Bola Preta, bloco de carnaval fundado em 1918 no Rio de Janeiro. (Compositores Nelson Barbosa e Vicente Paiva).

 

Foto de Clara Sampaio

Clara Sampaio

É artista visual, curadora independente e pesquisadora de Arte. Doutora em Arte Contemporânea pela Universidade de Coimbra e Mestra em Artes pela UFES. Investiga questões ao redor do funcionamento de espaços independentes e processos colaborativos de criação, problematizando as relações institucionais no sistema da arte.