Sobre nascer e outras lembranças

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Flávia Dalla Bernardina

Terei que transcrever esse momento

Vejo nos meus olhos o reflexo do sol

Não é tão óbvio assim

Por um momento me desconheci

Tive que me ver sob as lentes de um outro olhar, de uma outra leitura

Tento me lembrar de uma coincidência que me escapa

Desassossego (parece que escrevi errado, mas é assim)

A memória é tão fugaz quanto a tentativa de agarrá-la

Espero a meia noite para viver meu nascimento

Eu deveria escrever sobre outra coisa, mas o texto se impõe

Tenho que lidar com o que há de pior em mim

Tenho que lidar com o que há de melhor em mim

Após nada enxergar dentro dos meus próprios olhos,

vasculho minuciosamente cada parte do meu corpo através do espelho.

Estranho-me, pois já sou outra.

Na estrada, sob raios e trovões, eu disse uma heresia:

enquanto desviava de um buraco na noite escura, eu disse que se pudesse pararia por aqui.

Me assustei. A verdade é que não posso. A verdade é que não há outra opção.

Seguir é a minha natureza.

Decreto então, o movimento adiante, testemunhando as transformações, as imperfeições, as libertações.

Já não sou mais a mesma

Não é tão óbvio assim

Se fosse a mesma não seria eu, mas essa que se recusou a seguir.

Recordo-me do esquecimento,

de presente, ganho uma pane no sistema de comunicação.

Estou desconectada, enfim.

E agora sim, me lembro bem.

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Flávia Dalla Bernardina

Advogada em Propriedade Intelectual. Mestre em Artes Visuais pela UFES. Curadora de arte. Diretora Artística na Galeria Matias Brotas. Membro da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB/ES e da OAB Federal. Idealizadora do podcast Conversa com Artista. Pesquisadora das relações entre direito e arte, sobretudo no que tange à autoria.